Resiliência – Arran 18 anos

O rapper Will-I-Am uma vez disse que o mundo não precisa de mais uma opinião. Verdade. O mundo, na verdade, não precisa de mais um de uma porção de coisas. Brigaderia, paleteria mexicana, barbearia com cerveja. Escritório de advocacia, broker de bitcoin, partido político. Gente que reclama sem apresentar solução. Gente que reclama. Gente. Apesar disso, admiro quem envereda por alguns destes caminhos. É preciso mais do que coragem para tomar a iniciativa de abrir mais uma hamburgueria artesanal, por exemplo. É preciso certa inconsequência, uma resiliência que beira a teimosia, e – talvez acima de tudo – amor próprio e autoconfiança tão grandes que quase chegam ao delírio de vaidade. O mesmo acontece com whisky na Escócia. Em um país de aproximadamente oitenta mil quilômetros quadrados e que conta com mais de cem destilarias de whisky, é difícil imaginar que alguém pudesse ter o destemor para abrir mais uma. Mas foi justamente o que aconteceu em 1995. Naquele ano, Harold Currie (cuja história oportunamente será contada por aqui), ex-diretor da Chivas Regal, fundou a Arran Distillers próxima ao vilarejo de Lochranza, na ilha de Arran. Em 1998 a Arran lançou seu primeiro single malt. De lá para cá, o portfólio […]

Jameson Caskmates IPA Edition – Simbiose

Eu não vejo muita televisão. Normalmente, quando me sento à frente do aparelho, é para ver um filme ou – mais raramente – série em algum serviço de streaming. Não tenho nem o costume e nem a disciplina necessária para acompanhar qualquer programa transmitido em horário fixo. Tanto que tenho uma contraditória relação de desprezo e admiração por quem consegue, religiosamente, acompanhar uma novela, por mais prosaica que seja. Mas na semana passada, sei lá por que, resolvi ligar a TV. E logo fui absorvido por um documentário no Discovery Channel que mostrava a relação entre os crocodilos e uma destemida ave chamada tarambola. Que você conhece, apesar de não saber que conhece. É aquele passarinho que fica palitando os dentes do réptil, que, por sua vez, se abstém de transformá-lo em tira-gosto em troca da satisfação de limpeza bucal. E olha, acho que é um tradeoff bem bom, porque, pra um jacaré, satisfação bucal deve ser algo bem importante. A relação dos dois é conhecida como uma espécie de simbiose. Uma cooperação animal, onde espécies diferentes se relacionam para o benefício de ambas. Há outros infinitos exemplos, como a anêmona e o peixe-palhaço, e a moreia e aquele peixinho […]

Relevância – Arran Machrie Moor Cask Strength

A cobertura jornalística de alguns veículos é fascinante. Desde que o Caetano Veloso parou o carro no Leblon, me deslumbro com a relevância de algumas notícias. Como, por exemplo, da galinha que sobreviveu a um incêndio no Acre, e foi rebatizada de Fênix. Mas acho que a que mais me enfeitiçou recentemente foi de um rapaz que foi hospitalizado após comer uma pimenta – talvez por conta de meu interesse gastronômico em condimentos. A pimenta pivô do quase trágico acidente é a Carolina Reaper. Ela foi criada pelo californiano Ed Currie, proprietário de uma companhia com um nome bem sugestivo: Pucker Butt Pepper Company – numa tradução esdrúxula, Cia. de Pimentas Bunda Enrugada. Algo que, suspeito, tenha algo a ver com o processo, diremos assim, pós-digestivo da Carolina Reaper. A tal pimenta é considerada desde 2013 a mais forte do mundo pelo Guiness. Algumas delas chegam a dois milhões e duzentas unidades de Scoville (SHU) – escala usada para medir a picância destes belos frutos. Para você ter uma ideia, aquele Tabasco tradicional que você tem em casa mede de 2.500 a 5.000 SHU. E aquela habanero, que você acha super ardida e pinga só uma gotinha, como se temperasse […]

Especial de Páscoa – Harmonização de Whisky e Chocolate

Ah, a Páscoa. Só de pensar na data comemorativa, meu índice glicêmico já sobe. A páscoa é como um mini-natal. Nos reunimos com familiares que não se interessam por nós, para conversar sobre assuntos que não nos interessam e para comer de forma desenfreada, numa vã tentativa de evitar mais conversa. As únicas reais diferenças entre a Páscoa e o Natal é que tem menos uva passa na comida e, ao invés de presentes, ganhamos chocolate. O que, pra mim, é um problema, já que não sou muito fã do doce. Curioso isso, porque quando eu era criança, eu amava chocolate. Mas, à medida que cresci, o fascínio foi se dissipando. Hoje, não apenas como pouco chocolate, como poucos doces em geral. É que – aliada à mudança de meu paladar – veio a idade. E, com ela, a prerrogativa de comer de tudo em quantidades gargantuais e não sofrer consequências desapareceu. Por isso, faço uma troca: como poucos doces, mas bebo. E pelo fato de chocolate não faça parte de minha dieta diária, tenho uma enorme dificuldade em acabar com os poucos ovos que recebo. Para solucionar este problema que não precisa ser solucionado, então, resolvi realizar uma atividade […]

Johnnie Walker Swing – Doce Balanço

Calça jeans. Depois de quase um século e meio, a peça de vestuário que começou como indumentária de cowboys e mineradores no velho oeste passou a ser usada por praticamente todo mundo. Homens, mulheres, crianças. Porém, poucos conhecem sua real origem. A calça jeans foi criada por Jacob Davis, um minerador que participou da febre do ouro nos Estados Unidos, no século dezenove. Sua matéria prima é o denim, material outrora utilizado para revestir as tendas dos trabahadores das minas, inicialmente produzido na cidade de Genova, na Itália. Daí o nome Jeans – Genoa (Genova), com sotaque americano. Jacob comprava o material de um tal de Levi-Strauss, que, mais tarde, se juntou a ele para fundar a conhecia Levi Strauss & Co. Atualmente, a calça jeans está por toda parte, numa infinidade de desenhos diferentes. Mas há uma coisa em seu design que resistiu à passagem do tempo, e permanece desde sua concepção. Um pequeno bolso, dentro de um dos bolsos da frente. Esse bolsinho sempre me intrigou, de forma que, certo dia, resolvi pesquisar para que ele servia. Imaginem o tamanho de minha surpresa quando descobri que aquele pequeno continente teria sido projetado, inicialmente, para o relógio de bolso. […]

Johnnie Walker Blue Label Ghost & Rare Port Ellen

Em 1888, numa mina localizada em Kimberly, na África do Sul, foi feita uma descoberta extraordinária. Extraordinariamente valiosa. O outrora terceiro maior diamante do mundo, de uma translúcida cor de whisky. Batizado de De Beers – por conta da empresa de mineração que o encontrou – o brilhante, depois de lapidado, possuía mais de 230 quilates. Isso é realmente muito, caso você não seja um entusiasta da gemologia. A pedra, que adquirira fama internacional, foi então comprada pelo marajá Bhupinder Singh, da Índia, em 1889. O monarca juntou a gema a mais 2.930 diamantes – alguns deles raríssimos – de sua coleção, e comissionou a Casa Cartier para criar uma das maiores peças de joalheria de todos os tempos. Um colar cerimonial, chamado Patiala. A peça final, produzida com platina, tinha mais de mil quilates. Em seu centro, reluzia o enorme De Beers. Mas – e desculpem pela paráfrase medíocre – nem tudo eram diamantes no céu. Em meados de 1950, o enorme colar desapareceu do tesouro real, e assim permaneceu por mais de quatro décadas. Em 1998 ele foi encontrado pela própria Cartier em uma joalheria de Londres, mas sem suas pedras mais preciosas – dentre elas, o De […]

Singleton of Dufftown – Curva de Aprendizado

Quando tinha uns quatorze, quinze anos, resolvi que aprenderia a falar russo. Sei lá porque decidi aprender russo. Talvez porque eu não fosse esquisito o suficiente já, trinta quilos acima do peso, jogando RPG e desenhando no intervalo das aulas do que outrora era conhecido como colegial. Meus pais, sempre dispostos a estimular meus interesses mais excêntricos, logo encontraram uma excelente professora. Fazia duas aulas por semana. Falar já era bem difícil, mas o pior de tudo mesmo era ler. E o alfabeto cirílico não ajudava nem um pouco. Depois de um ano, minha professora me deu um livro pra ler sozinho. Três Porquinhos. Indaguei se não havia uma leitura mais interessante. Meu querido, todo mundo precisa começar do básico. Você não vai entender, se eu te der um Pushkin, Maiaskovski ou Dostô. Acenei com a cabeça. No final, não entendia direito nem mesmo a história do trio de suínos. Mas conhecia a versão em português, e assim consegui preencher as lacunas de minha inabilidade linguística. Essa semana, me vi recordando do conto infantil na língua eslava ao provar um single malt recém chegado ao Brasil. O Singleton of Dufftown – mais um da tríade (não posso deixar de notar […]

Mortlach 16 anos – Drops

Deixe-me começar o texto de hoje com um pouco de autoajuda. O importante é reconhecer os próprios erros. Mas não apenas isso. Porque, bom, eu reconheço uma infinidade de coisas, como que exagerei no almoço ou que bebi demais certo dia. E apesar disso, apesar de jurar, de barriga estourando e embriagado, que jamais farei isso novamente, sei que isso é uma mentira tão efêmera quanto minha sensação de enfastiamento e vertigem. O importante não é perceber que errou. O importante é mudar. E ainda que meu empenho não seja dos melhores, o da Mortlach – famosa destilaria localizada em Speyside – é. É que há alguns anos, um dos rótulos mais disputados da linha Flora & Fauna da Diageo era um certo Mortlach 16 anos – já revisto aqui. Era um whisky pungente, vínico e ao mesmo tempo sulfuroso. Tão bom que elevou a fama da Mortlach e levou sua proprietária e reformular seu portfólio, dando destaque à destilaria. O problema é que a outrora nova linha não era, nem de perto, tão boa quanto a expressão predecessora. A maturação em ex-bourbon – predominante naquela linha – não agradou. Tampouco o preço, que se elevara a ponto de tornar […]

Bebendo o Oscar III – Filmes & Whiskies

Este é um post sazonal. Para ler as edições passadas, de 2017 e 2018, clique nos mencionados aqui. Uns bebem para esquecer. Outros bebem para lembrar. A frase, repetida em cancões de Ben Harper e dos Eagles, se aplica perfeitamente ao whisky. Mas poderia, também, muito bem funcionar para o cinema. Porque muitos assistem filmes para esquecer de seus problemas. Parabolicamente sair do corpo e viver outra vida. Outros, porém, usam as telas para relembrar. De seu passado, ou do pretérito do mundo. Refletir sobre questões importantes ou entender o status quo. Os indicados ao Oscar de melhor filme de 2019 atendem aos dois públicos. E a todos no meio do caminho. Seja pelo ora visceral, ora romântico retrato da sociedade mexicana da década de setenta em Roma, seja pelo lugar comum bem executado de Nasce uma Estrela. E para acompanhar estes longas, nada melhor do que, bem, whisky. Mas não qualquer whisky. Um que harmonize por semelhança com a película. Que lhe ressalte as características. Ou que amplie a sensação de conforto, paixão ou intensidade trazida por eles. Assim, ai vão quatro filmes assistidos por este Cão e devidamente combinados com o melhor destilado do mundo. Tudo, meu caro […]

Uso de whisky na coquetelaria – Transgressão

Hoje irei direto ao ponto. Sem longas introduções ou comparações, mesmo porque haverá oportunidade para isto no meio deste texto. Há alguns dias lancei um post sobre um coquetel que sou apaixonado. O Rusty Compass. Ele é resultado do cruzamento entre um Blood and Sand e um Rusty Nail, e leva whisky turfado. Uma bela proporção de whisky insanamente turfado, capaz de superar o dulçor trazido pelo Drambuie. Depois de testar quase à exaustão e embriaguez, joguei a metafórica toalha e admiti – o melhor resultado levava Ardbeg. Um single malt de mais de trezentos reais. Era um drink tão delicioso quanto desesperadoramente caro. Resolvi lançá-lo no Cão com essa ressalva. Relativizei um pouco a história, e até mesmo recomendei misturar outro whisky, e reduzir o Drambuie. Já esperava receber alguma repreensão de algum leitor, mas uma delas me pegou desguarnecido. É um pecado misturar whisky, whisky é pra tomar puro, já é cheio de sabor, ainda mais single malt. Me surpreendi. Eu não posso preparar coquetéis com whisky? Deixe-me mudar o objeto para outro destilado. A vodka. Dave Wondrich uma vez disse que a ”A vodka é o peito de frango desossado e sem pele da coquetelaria – tudo tem […]