Drops – Springbank 21

Não filtrado a frio. Sem corante caramelo. Produzido totalmente na destilaria. Há frases que são quase sensuais para um aficionado por whisky. E talvez a destilaria que concentre o maior número de whiskies capazes de serem assim descritos é a Springbank. A Springbank é o fetiche de quase todo whisky geek. E dentro de seu extenso portfólio – que conta com whiskies bastante turfados, outros apenas levemente, além de whiskies que passam por tripla destilação – o Springbank 21 é um dos mais desejados. Tão desejado que este Cão jamais conseguiu uma garrafa. Foi por intermédio de um amigo – poeta e amante dos maltes – que pôde experimentar este líquido. Aliás, da versão lançada em 2018. Isso é importante, já que, a cada edição, a composição das barricas é alterada. Tamanha procura e raridade tem uma razão. A expressão de vinte e um anos da Springbank não faz parte de seu portfólio permanente. Ela é lançada de tempos em tempos, e depende do estoque maturado da destilaria. Garrafas mais antigas – da década de noventa ou dos anos dois mil – atingem valores bastante altos quando leiloadas. Antes de prosseguir, devo admitir uma coisa. Este Cão possui sentimentos conflitantes […]

Drops – Bowmore Feis Ile 2008

Você sabe o que é a Feis Ile? Feis ile é a maior festa anual da ilha de Islay, famosa pela produção dos whiskies turfados. Feis Ile celebra a cultura de Islay. Há aulas de gaélico, peças tradicionais, campeonatos de golfe e boliche e infinitas degustações de whisky. Há também uma miríade de atividades curiosas. Como, por exemplo, observação pública de aves e campeonato de pesca com mosca, além de shows de grupos de folk-rock. Mas nada disso é muito importante. O importante são as garrafas comemorativas. Para a Feis Ile, as destilarias de Islay costumam lançar edições limitadas comemorativas, muitíssimo concorridas por colecionadores – e por certas lojas, que preferem comprar direto da fonte e guardar as garrafas, para que valorizem. Por conta disso, durante a festa, a ilha é invadida por centenas de turistas e entusiastas da melhor bebida do mundo. Alguns chegam a acampar do lado de fora das destilarias para ter a chance de colocar as mãos em uma dessas edições. Outros, porém, tem mais sorte. Graças à generosa insanidade da Single Malt Brasil este Cão teve a oportunidade de provar uma dessas singelas jóias. O Bowmore Feis Ile 2008, servido em uma degustação no Rio de […]

The Macallan Edition No. 3 – Aroma Exclusivo

Dama-da-noite tem cheiro de dente quebrado. Não para todo mundo, mas para mim. Sempre que sinto o aroma da flor, passo discretamente a língua sobre minha arcada, enquanto sinto um descompasso de alívio no coração. Ufa, é só a flor, nada caiu dessa vez. É que aos oito anos de idade, quebrei um dente. Corria no jardim da minha avó, ao entardecer, ao lado de alguns vasos de dama da noite. Lembro-me vividamente da luz crepuscular, do aroma de jasmim, e do desequilíbrio sucedido pelo apagão e o gosto de ferrugem na boca. Até hoje, se sinto o aroma de dama-da-noite, sou remetido, involuntária e automaticamente àquela lembrança. A memória olfativa é algo poderoso. Essa clareza de reminiscência tem um nome. Fenômeno Proustiano. É uma homenagem ao escritor francês Marcel Proust, que descreveu em seu “Em Busca do Tempo Perdido” como o aroma de biscoitos molhados no chá remontava a casa de sua tia. A ciência, inclusive, já se debruçou sobre este fenômeno. De acordo com pesquisadores ingleses, a vividez de lembranças trazidas por odores ocorre por conta de nossa conformação cerebral. A região do cérebro que processa odores está situada no interior do sistema límbico, ligado às emoções. E […]

Drops – AnCnoc Blas

Guardamos relação sentimental com uma porção de coisas. Aquele carro que nos acompanhou numa viagem incrível, aquele filme que assistimos com certa companhia especial e aquela música que pautou algum grande desafio. Não é necessariamente algo bom ou ruim. Mas é uma sensação de que aquilo é especial somente para você, por mais prosaico que possa aparentar para todas as outras pessoas. São aquelas coisas que participaram de momentos de epifania, ou que marcaram alguma passagem em nossas vidas. Um dos whiskies que guarda espaço especial em minha memória etílica é o AnCnoc. O AnCnoc foi meu predileto na degustação mais importante que participei em minha primeira viagem à Escócia.  Fiquei tão impressionado que a última coisa que fiz, vinte minutos antes de embarcar de volta para o Brasil, foi correr em uma loja do Duty Free para levar uma garrafa para casa – um AnCnoc 16 anos. Naturalmente, imaginei que com o tempo e depois de provar outros maltes, a sensação se dissiparia. Mas, na verdade, ela se manteve. Depois daquele 18 anos, tive mais umas quatro garrafas diferentes. E gostei de todas elas. Todas guardavam a mesma característica de suavidade, de uma oleosidade quase de manteiga derretida, que me […]

Da Civilização – The Dalmore 12 anos

A civilização é algo precioso. Com ela, pudemos contar com um sem fim de coisas que nossos ancestrais nem imaginavam. Pudemos desfrutar de facilidades que hoje, tomamos como garantidas. Água encanada, esgoto, luz. Delivery de pizza, supermercados e centenas de milhares de barbearias, paleterias mexicanas e hamburguerias. Comida sem glúten e sem lactose mesmo pra quem não precisa, foodtruck de kombucha e todo tipo de solução para todo tipo de problema que não teríamos, se não vivêssemos em sociedade. Mas acho que a maior vantagem de todas é mesmo a tranquilidade. Não a tranquilidade da rotina, porque se existe alguma coisa que não é tranquila nos dias de hoje, é a rotina. A rotina pra quase todo mundo é bem corrida. Tanto que às vezes nem dá tempo de fazer xixi entre uma coisa ou outra, por exemplo. Mas a tranquilidade de saber que você tem maiores chances de terminar o dia vivo. Eu sei que mesmo hoje pode acontecer todo tipo de desfortúnio desagradável que desemboca na morte. Mas pensa bem. A chance de você ser devorado por um urso enquanto dorme é bem pequena. Ou de pisar em uma taturana tão venenosa que liquefará todos seus órgãos internos […]

Drops – Bowmore 10 anos Tempest

Se amor à segunda vista existe no mundo do whisky, então, para mim, ele é a Bowmore. Antes de conhecer pessoalmente a destilaria, não tinha qualquer fascínio pelos seus maltes. A maioria deles me parecia uma tentativa defumada de agradar aqueles que não gostam do sabor enfumaçado. Seus nomes, como Darkest, Black, Tempest, Sea Dragon – soavam pretensiosos, e uma forma de demonstrar poder onde não havia nenhum. Mas, para falar a verdade, nunca havia me interessado pela Bowmore. Bem, isso até visitar a destilaria e realmente enxergar de perto a meticulosidade na elaboração dos Bowmore. Da defumação da cevada até a escolha e mistura das barricas, tudo é detalhadamente pensado. Soma-se a isso o armazém de whisky mais antigo de toda Escócia – os famosos No. 1 Vaults – e mais de duzentos e trinta anos de experiência na produção de whisky. A Bowmore é a destilaria mais antiga da ilha de Islay, conhecida por produzir incríveis maltes enfumaçados. E o Bowmore Tempest é  um perfeito exemplo do melhor que Islay tem a oferecer. A maturação do Bowmore Tempest acontece em barricas de carvalho americano que antes contiveram bourbon whiskey. São barricas de primeiro uso – ou seja, é […]

Drops – Säntis Malt Edition Dreifaltigkeit Peated Cask Strength

Pense na Suíça. O que lhe vêm a cabeça? Vacas malhadas em campos verdejantes com montanhas salpicadas de neve ao fundo. Bancos, muito dinheiro, concentração insana de contas offshore. Obsessão por neutralidade e esportes de inverno. Leite e derivados do leite. Chocolate, queijo suíço. O recém-redescoberto pelas redes sociais queijo raclette. Canivetes. Relógios. Livros infantis sobre crianças, alpes, bodes, e avós. Eu poderia continuar esta lista por bons quatro parágrafos, e, provavelmente, jamais chegaria em whisky. Acontece que a Suíça também produz whisky. E ele é bem bom. Há mais de vinte destilarias no país, produzindo bebidas com a qualidade característica e atenção as detalhes daquele povo. Uma delas é a Locher, que produz os whiskies Säntis. Em 1886 a família Locher comprou uma cervejaria, localizada em Appenezell, que produzia cervejas desde 1830. Na época, era proibido que fosse produzido destilado na Suíça – em grande parte por conta da febre do absinto. Porém, em 1999 a proibição foi revogada. Então Karl Locher, proprietário da cervejaria naquele ano, passou a produzir whisky de malte, maturando-o nas barricas previamente utilizadas para sua cerveja. A primeira expressão da destilaria chegou ao mercado em 2002. O whisky da foto é provavelmente a mais […]

Drops – Springbank 15 anos

Se você gosta de carros, deve já ter ouvido falar do Nissan GT-R. O Nissan GT-R é o herdeiro do Skyline, um superesportivo japonês ora produzido pela Prince Motor Company. Em 2009, o GT-R entrou para o Guinness como a aceleração mais rápida de 0-100km/h (0-60mph) por um carro com quatro lugares. Mas isso não é importante. O importante é que o GT-R (e seu progenitor, o Skyline) é um dos carros mais desejados e defendidos por qualquer auto-geek. Talvez seja porque o carro tenha sido vedete de algum jogo de videogame, ou tenha ganhado fama ao desbancar carros bem mais caros quando o assunto é performance. Mas fale mal de um GT-R para algum entusiasta, e você estará em maus lençóis. O GT-R é a versão automobilística daquela piada do dry martini. Se algum dia estiver sozinho, perdido em um deserto, ou terrivelmente sozinho, simplesmente recite com determinação. O Porsche Carrera é melhor que o GT-R. Algum apaixonado pelo último sairá de dentro de um buraco ou pulará de trás de uma pedra para provar o contrário. No universo do whisky, a Springbank é o Nissan GT-R. Um single malt muito bom, mas cuja fama o torna além de irrepreensível. […]

Meritocracia – Glenkinchie 12 anos

Se você for um engenheiro ou metereólogo, provavelmente conhece a Teoria do Caos. Mas se não, eu explico. A Teoria do Caos postula que em sistemas complexos, onde há grande número de variáveis, a sensibilidade torna certo resultado imprevisível a longo prazo, devido a ação e iteração, ainda que haja recorrência destas variáveis, ou elementos. Se não entendeu, permita-me exemplificar com um singelo objeto. O guarda-chuvas. Decidir se levará ou não um guarda-chuvas depende de muitos fatores. A temperatura, a quantidade de nuvens no céu, a umidade do ar, entre outros. E talvez você acerte. Mas talvez você erre e fique terrivelmente molhado. Ou esqueça aquele equipamento absolutamente inútil em um restaurante, durante um belíssimo dia ensolarado de verão. A verdade é que impossível prever o tempo com certeza absoluta, porque há muitas variáveis. Mas a teoria do Caos não serve apenas para explicar fenômenos meteorológicos. Ela pode ser aplicada a tudo em nossa vida. E a indústria do whisky não é exceção. Um bom exemplo é a história da Glenkinchie e de sua finada – e agora renascida – irmã Rosebank. É que no começo do século XVIII, quando ambas foram fundadas, nunca alguém imaginaria que a eutanásia de […]

A Educação faz o Whisky – Dalmore 18

A Educação faz o Homem. Foi o que o escritor britânico William Horman reproduziu em seu livro Vulgaria, de 1519 – um compêndio de citações e provérbios de sua época. No original arcaico “manners maketh man“, o aforismo pode parecer algo cavalheresco e ultrapassado, mas possui um significado tão simples quanto atual. Ele diz que a cortesia, educação e as boas maneiras são essenciais para se conviver em sociedade. E o homem aqui tem sentido amplo. É toda a humanidade. Mas isso tudo é um detalhe. O importante mesmo é que a citação de Horman – que na verdade nem de Horman é – tornou-se a frase de efeito de Colin Firth, em Kingsman. O filme, dirigido por Matthew Vaughn em 2014 é, ao mesmo tempo, uma paródia e uma homenagem a todos os filmes de espião de todos os tempos. Mas, especialmente, James Bond. Assim como nos filmes de 007, a película é forrada de ternos bem cortados, explosões e vilões megalomaníacos. E muitas vezes é até melhor que Bond. O polêmico plano-sequência da igreja, por exemplo, é absolutamente incrível. E Samuel L. Jackson como um cruzamento entre Mark Zuckerberg e Elon Musk coloca qualquer Blofeld no chinelo. Mas, […]