Antes de tudo, preciso dizer que isto é um não post. Ou melhor, um post deseducativo. Se você veio até aqui a procura de informação, ou de como degustar seu whisky e parecer um especialista, recomendo fortemente que fuja o mais rápido possível. Ou então leia esta matéria aqui. Essa aí sim, é educativa. Comportada e informativa. Esta aqui não. Esta é aquele conselho pernicioso do seu amigo perverso.
Passei as últimas semanas relendo um de meus livros preferidos. Cem Anos de Solidão, de Garcia Marquez. Resolvi reler porque queria realmente conhecer os personagens. Da primeira, apenas prestei atenção na história, mas não dei muita importância a quem era quem. Dessa segunda vez não. Dessa vez fiz anotações, montei a árvore genealógica da família e anotava, ao lado do nome, características físicas e de personalidade dos Buendía.
Demorei exatos trinta e cinco dias para ler o livro. O mesmo que tinha me levado dez da primeira vez. E fiquei pensando. Eu tinha gostado mais da obra da primeira vez. Quando me ative somente à história. Me pegava torcendo por Macondo e por aquela família. Pensei que fosse por conta da ausência do elemento surpresa – da primeira vez, não sabia o que aconteceria com os personagens. Mas depois de um tempo eu entendi. Não era nada disso. Era a espontaneidade.
E aí que me ocorreu. Eu faço isso com whisky. Às vezes fico tão preocupado em descrever certa expressão, apontar suas características sensoriais e adivinhar, na língua, qual o tipo de jerez que repousara na barrica antes dela receber whisky, que deixo de aproveitar o momento. E pior, em certas situações, me armo de tal forma que até deixo de perceber coisas.
Aconteceu comigo uma vez que provei o Talisker 10 anos. Da primeira vez, fiz tudo hermeticamente. Glencairn, silêncio, computador na frente, conta-gotas ao lado. Da segunda, resolvi que ia beber o tal malte assistindo “True Grit“. Achei que seria uma harmonização interessante, pela elegante impetuosidade em comum entre a película e o malte.
E aí, de guarda baixa e totalmente despreparado, percebi um monte de coisa que não tinha percebido – como certa salinidade, quase reminiscente de algas marinhas. Quanto mais hermético, mais preocupado com o hermeticismo fiquei. Coloquei o whisky em segundo plano e ainda deixei de aproveitar o momento. E notei algo bem esquisito.
Percebi que a espontaneidade é quase tão importante quanto o método, ao provar determinado whisky. Que, para entende-lo, deve-se beber em situações completamente distintas, e com objetivos quase diametralmente opostos. Resolvi, então, explicar uma coisa meio óbvia. Como beber whisky. O que fazer, o que não fazer. Então vamos do básico. Degustação analítica e beber por prazer.
DEGUSTAÇÃO ANALÍTICA
Aqui, a ideia é entender a bebida. Tentar descrevê-la, com seus descritores aromáticos e sabores. Ter prazer aqui, obviamente, é uma consequência. O que é maravilhoso, porque, como diria um grande professor, a indústria dos parafusos não proporciona oportunidades como esta. Mas, aqui, deve-se atentar mais à forma, para atingir um resultado.
Na degustação analítica, bebe-se sempre puro, ou com um splash de água. Às vezes, nem se bebe. Só se sente o aroma da bebida, como fazem certos escritores especializados no destilado. Algumas pessoas bebem e cospem. É, parece feio, mas acontece e é técnico – tem até um baldinho bem conhecido da turma dos vinhos, a cuspideira. Cuspir pra fora ou pra dentro é escolha pessoal.
Não se preocupe muito se, no começo, não conseguir descrever direito os aromas e sabores. Isso – para a maioria das pessoas – é uma construção que leva tempo. O que pode ajudar é relacionar com algum contexto. Por exemplo, você pode ter dificuldade de entender o aroma de baunilha. Mas conseguirá encontrá-lo com mais facilidade se relacionar com bolo ou Crème brûlée. Defumado, com churrasco. E por aí vai.
Não se deve colocar gelo ao fazer uma degustação analítica. A redução da temperatura muda a percepção dos sabores. O amargo fica mais amargo, e doce menos doce. Além disso, por estar gelado, as papilas gustativas ficam menos sensíveis, e perceber aromas delicados se torna bem mais complicado. Além disso, perde-se controle da real diluição.
BEBER POR PRAZER
Já beber por prazer, vale tudo. Você pode colocar gelo, pode misturar com outros ingredientes e criar coquetéis, pode tomar com água pura, água com gás, tônica, o que for. Aqui, a única regra é beber de forma responsável. É como da segunda vez, que resolvi acompanhar o filme com um whisky.
Assim como na degustação analítica, ter uma companhia de bebida é importante. Mas, no primeiro caso, trocam-se impressões sobre o líquido no copo. Na segunda, o whisky é coadjuvante. Conversem sobre o que preferirem, o importante é produzir dopamina.
Assim, o conselho que não deve ser observado deste Cão Engarrafado é o seguinte. Deguste seu whisky. Preste atenção nas notas, procure descriptores aromáticos e de paladar. Gire a taça lentamente, sinta os aromas, adicione água, tome nota, dê um minigole e deixe deslizar pela sua língua. Isso é importante. Mas, também, beba. Com moderação, é óbvio, mas experimente o whisky quando o foco não for ele. Você perceberá que uma bebida realmente bem-feita transitará perfeitamente entre os dois momentos. Whiskies foram feitos para serem aproveitados – para trazer prazer.
Mestre,
fiquei me imaginando testando um The Macallan 18y.o. Sharry e despois usar a escarradeira seria muuuuito cruel !
Adorei o post ” deseducativo” !
Vou ter de revisar e repetir todas as minhas experimentações ?
Com certeza!
Aproveitando esse post educativo para tentar – a depender da tua boa vontade – aprender sobre um whisky que me parece ser muito misterioso, porque não achei nenhuma informação relevante no google, nem no YouTube. O cão – metidão – em questão é o Cosa Nostra Blended Scotch Whisky. A história é a seguinte: estou aprendendo a apreciar essa bebida maravilhosa (daquele jeito, com Jameson, Balla e outros mais simples), e uma bondosa alma consanguínea, moradora da Escócia, resolveu me presentear com uma espécime desse whisky Cosa Nostra – a ideia, segundo ela, surgiu porque eu sou policial, e a garrafa desse destilado é linda como se espera de uma “réplica” do icônico Tommy Gun 20’s; mas, ironicamente, a bebida é uma homenagem às máfias da época, então podemos considerar que o “tiro saiu pela culatra” – ainda que eu esteja muito feliz com essa equivocada homenagem à minha pessoa.
Pelo preço, me parece coisa boa; mas, pela falta de informações disponíveis, me parece um anônimo. Tal qual um bom mafioso.
Em suma: ele é um bom companheiro ou serve apenas para enfeitar a casa?
Então, resumidamente, preciso da tua ajuda para poder desfrutar da melhor maneira possível de um presente de alguém que amo.
É um prazer tentar contato com o Sr.
Grande abraço, Cão!
Fala Bruno!! Gostei da história, haha!
Pelo que sei, é um engarrafamento da turma por trás do Smokehead. Deve ser um bom whisky, mas não deve ser excepcional de sabor. De toda forma, voce pode abrir e trocar por outro líquido depois, não? Ou a garrafa vaza?