A era vitoriana foi bem esquisita. As pessoas possuíam uma pletora de hábitos estranhos. Por exemplo, como não existia televisão, Netflix, internet, smartphones e toda essa parafernália que nos auxilia a evitar o desagradável contato humano diário, os vitorianos tinham que recorrer a formas alternativas de diversão. Um costume bem comum era o de se fantasiar e posar para os outros. Pode parecer tranquilo, mas você gostaria de ver seu sogro vestido de odalisca? Bom, eu não.
Outros hábitos estranhos incluíam fotografar os mortos como se estivessem vivos, correr atrás dos adolescentes até que eles estivessem cansados demais para se masturbar (é sério isso!) e comer cérebro de tartaruga. Credo, que nojo.
Apesar dos costumes curiosos, a era vitoriana teve uma prolífica produção cultural – com escritores como Oscar Wilde e Charles Dickens – e uma inegável evolução econômica e científica. Foi durante aquele período que inventaram coisas como a lâmpada, o telefone, pneus de borracha e a máquina de escrever. O petróleo e seus derivados também passaram a ser mais amplamente utilizados.
Mas a maior contribuição da era vitoriana foi, sem dúvida, o whisky. Não é que o whisky foi inventado naquele período, não, claro que não. Ele foi criado muito antes disto. No entanto, foi em meados do século XIX que ele se popularizou. E o principal responsável por isso é tão pequeno quanto improvável. Phylloxera (Filoxera, em português), um pequeno inseto, que se alimenta de plantas. É que naquela época, a bebida de preferência era o brandy, especialmente o conhaque. Sua matéria prima, como você deve saber, são uvas viníferas.
Acontece que a filoxera, lá por 1860, tornou-se uma praga na França, dizimando quase metade de todos os vinhedos do país. Devastada e sem matéria prima, a produção de conhaque caiu drasticamente no período. E como os ébrios vitorianos não poderiam ficar sem algo para potencializar seu joie de vivre, logo encontraram um substituto. O whisky.
E é dessa história que vem a inspiração do Glen Scotia Victoriana, produzido pela destilaria Glen Scotia. Ele é uma homenagem aos whiskies produzidos na era da rainha Victória, ainda que seu sabor provavelmente seja bem melhor do que destes últimos.
A Glen Scotia é uma das únicas três destilarias sobreviventes de Campbeltown, cidade que fora, por muito tempo, considerada a capital mundial do whisky. A região, que chegou a contar com trinta e quatro destilarias durante a década de cinquenta, hoje possui apenas três delas. Springbank, Glen Scotia e Glengyle. Esta última, ressuscitada apenas no começo deste século.
O Glen Scotia Victoriana é maturado em barricas de carvalho americano que antes contiveram bourbon whiskey, como muitos whiskies. No entanto – e de uma forma relativamente incomum – ele é então finalizado em barris altamente torrados. É um processo semelhante àquele que acontece no Talisker Dark Storm.
O uso das barricas torradas dá ao whisky um incomum sabor defumado. Incomum por ser bastante diferente daquele proveniente dos whiskies turfados. Não há nada de medicinal, e a fumaça se assemelha mais ao aroma de caramelo queimado. O Glen Scotia Victoriana é engarrafado na corajosa graduação alcoólica de 51.5% e não é filtrado a frio.
Infelizmente, nenhuma expressão de Campbeltown – muito menos os Glen Scotia – estão disponíveis em nosso país. Mas talvez isso possa, algum dia mudar. Quem sabe. Afinal, merecemos tanto quanto o povo daquela fascinante era passada.
GLEN SCOTIA VICTORIANA
Tipo: Single Malt sem idade definida
Destilaria: Glen Scotia
Região: Campbeltown
ABV: 51.5%
Notas de prova:
Aroma: levemente cítrico, castanhas, mel, especiarias
Sabor: caramelo queimado, açúcar mascavo, laranja lima, com final relativamente longo e carregados nas especiarias. Álcool em evidência, apesar de equilibrado.
Disponibilidade: apenas lojas internacionais.
Como vai, Doutor?
Me parece muito interessante o whisky. Defumado lembrando um pouco o estilo do Double Black? E eu não tinha conhecimento sobre esses fatos curiosos da era vitoriana haha.
Grande abraço!
hahah, pois é mestre. Os vitorianos eram esquisitos!
É bem menos defumado que o double black… é menos do que um talisker até. Mas o sabor está lá!
Caro Maurício,
Não conheço o Glen Scotia Votoriana, mas imagino que há tempo. Entretanto, o efeito do acabamento em barricas com segunda tostagem (caso o termo exista, do contrário passa a existir) eu conheço e considero deslumbrante.
Uma das experiências foi com o Talisker Dark Storm. Só um gênio inquieto poderia ter a idéia de melhorar o Talisker 10 ys. Conseguiu.
A segunda foi com o Jameson Black Barrel. Minha experiência com irish whiskey é desprezível em número, mas nunca tive um arrependimento. Quem tomar esse blend não esquecerá.
Abraços,
Sócrates
Mestre Socrates, faz tempo que não o vejo por aqui. Como vai?
Pois é. Acho que na verdade a história da tosta é polêmica. Existem whiskies que ficam deslumbrantes com ela – aumenta a impressão do caramelo e equilibra o defumado da turfa. Mas alguns outros ficam um pouquinho excessivos. Provei esses dias um assim, um blend bem esquisito, chamado Huxley – Rare Genus (ele é um blend de bourbon com blended whisky e whisky canadense!). Só que ele é finalizado em barrica tostada, então todas as nuances dos whiskies utilizados ficam perdidas. Uma pena. De qualquer forma, acho que há mais vitórias do que derrotas no mundo carbonizado das barricas.