Highland Park 18 – Deus Nórdico

Loki, Thor, Odin, Freya e o temido Ragnarok. Graças à Marvel, quase todo mundo sabe um pouquinho de mitologia nórdica hoje em dia. Quer dizer, ao menos as histórias publicáveis. Porque há uma meia dúzida delas que – graças ao bom senso – provavelmente não sairão dos livros de mitologia tão cedo. Tipo quando Loki engravidou de um garanhão gigante e pariu um cavalo de oito patas, que mais tarde virou montaria de Odin. Mas essa fica pra outro dia.

Outra dessas histórias é a de Kvasir, um poeta e o mais sábio dos homens. Kvasir foi concebido durante uma festa em que dois grupos de deuses – os Aesir e Vanir – comemoravam um tratado de paz. Mas não do jeito ei deusa nórdica, vamos ali no banheiro da balada divina fazer um negócio. Kvasir se autoconcebeu de dentro de um barril, onde a festa inteira tinha cuspido um monte de amoras mastigadas. O cara literalmente foi filho da saliva divina. Seu nome, inclusive, significa justamente isso “suco de amora fermentado”.

Apesar de seu nascimento um tanto escatológico – não que o nosso também não seja – Kvasir teve uma existência extraordinária. Durante sua vida, espalhou conhecimento ao redor do mundo, sem nunca deixar uma pergunta sem resposta. Até que um dia ele encontrou um grupo de anões, com os quais tentou também compartilhar conhecimento.

Spoiler, deu ruim pro Kvasir

Os anões, entretanto, eram terraplanistas (na real, todo mundo era, porque eles acreditavam que uma cobra enorme segurava o disco do mundo) e resolveram matar Kvasir, drenar seu sangue e fermentá-lo. Deste processo, surgiu um hidromel que fazia com que seu bebedor se tornasse um poeta instantâneo. Porque, claro, álcool sozinho não é catalisador suficiente para tamanha criatividade.

E foi assim que surgiu a poesia nórdica – graças a uma bebida maravilhosa. Que, sinceramente, eu duvido que fosse melhor que o Highland Park 18 anos Viking Pride – single malt escocês produzido na ilha de Orkney, com todo DNA nórdico. E que acaba de chegar a nosso país oficialmente pela importadora Aurora.

A Highland Park possui algumas particularidades interessantes. A primeira delas é sua política de barricas – que é bem parecida com a de sua irmã superstar, a The Macallan, que também pertence ao Edrington Group. A maioria de seus whiskies é maturada em barris de vinho jerez – sejam eles de carvalho americano ou europeu. Este é o caso do Highland Park 18 anos, composto principalmente por barris de carvalho europeu. A proporção exata, porém, não é divulgada pela destilaria.

Outro ponto interessante é sua turfa. A Highland Park utiliza 20% de malte turfado em seus whiskies. Este malte é produzido na própria Highland Park, utilizando turfa de Orkney. Isso é uma maravilha para um whisky geek: turfas com diferentes origens possuem composições diferentes, e podem trazer sabores diferentes ao whisky. A turfa de Islay, por exemplo, provém de vegetação marítima, e é bastante iodada. A de Orkney, entretanto, é composta quase exclusivamente de fungos e vegetação rasteira. Isso traz ao malte defumado um incomum um aroma floral.

Apesar de toda pompa, a Highland Park não é uma destilaria grande. Sua produção anual esbarra nos três milhões de litros. Se comparada a The Macallan, que ultrapassa os quinze, a Highland Park parece ainda menor. Os alambiques da Highland Park são relativamanete baixos e bem bojudos, o que sugere um new-make pesado. No entanto, os braços que levam aos condensadores são retos (nem pra baixo, nem pra cima), e o sistema de codensação usado é o de shell and tube. Essas duas ultimas características trazem um pouco de leveza ao new make.

Os alambiques da Highland Park – fonte: whisky.com

Sensorialmente, o Highland Park 18 anos é elegantemente enfumaçado, com uma nota vínica – uvas passas, ameixa – bem presente. A palavra de ordem aqui, entretanto, é elegância e equilíbrio. Isso é o mais extraordinário no Highland Park 18. Há dois temas distintos: fumaça e jerez. Equilibrá-los é algo que poucas destilarias conseguem. A Highland Park é uma delas. Outra é minha querida Bowmore, e a menos conhecida mas igualmente maravilhosa Tobermory.

Para os apaixonados por whiskies defumados e vínicos – como este Cão – o Highland Park 18 anos é uma prova quase obrigatória. Apesar do preço bem pouco convidativo, é um whisky que oferece uma experiência um tanto sem paralelo em nosso mercado. Primeiro, pela total ausência de single malts defumados e vínicos. Em segundo, por ser quase um gabarito de equilíbrio em seu perfil. Eu não posso afirmar com certeza, mas, sinceramente, duvido que o hidromel que deu origem à poesia nórdica fosse melhor que o Highland Park 18 anos.

HIGHLAND PARK 18 ANOS

Tipo: Single Malt

Destilaria: Highland Park

País: Escócia – Highlands

ABV: 43%

Notas de prova:

Aroma: enfumaçado, com ameixa seca e pimenta do reino.

Sabor: frutado, com frutas vermelhas cristalizadas. Enfumaçado leve, mas notável. Final longo e apimentado

2 thoughts on “Highland Park 18 – Deus Nórdico

  1. Me relembro da primeira vez que me deparei com um HP, 12 anos em seus 43% de volume alcoólico! Encontrei a ilha de Orkney como se estivesse perdido sobre o oceano, sozinho em um estranho 337 Skymaster. Quando degustei sua versão em 18 anos e depois o HP em seus 25, nunca mais me livrei dessa bela ilha perfumada de urze e tomada por vikings. Excelente dram, SKOL!

    1. Excelente, Willian! HP é realmente incrivel – feliz que finalmente chegou ao BR, mesmo que discretamente

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