Keepers of the Quaich – Knighthood

Sobre aquilo que não conseguimos falar, devemos manter silêncio“. A frase é a derradeira do Tractus-Logico-Philosophicus, do filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein. “Wovon man nicht sprechen kann, darüber muss man schweigen“. Por muito tempo, sua tradução para o inglês – incontestavelmente mais charmosa do que na língua lusa – foi uma das minhas preferidas. “Whereof one cannot speak, one must be silent“.

Como a maioria dos aforismos, entretanto, possuía apenas uma rasa ideia de seu significado. Minha impressão é que se referia ao limite da linguagem. Uma ideia se torna uma proposição apenas quando pode ser liquidada em palavras – que devem ser compreensíveis também para seu receptor. Senão, não passa de um pensamento abstrato, incomunicável. Resumindo o papo-cabeça, eu achava que a frase dizia que o pensamento é baseado na linguagem, e a linguagem é que define a ação.

Mas, na verdade, não é bem isso. Quer dizer, é isso também, mas não só. Pra você, que me deu seu voto de confiança e chegou a esse terceiro parágrafo sem cair no sono ou desistir deste meu devaneio, eu explico. Wittgenstein dizia que mesmo quando emissor e receptor dominam a linguagem, o conceito das palavras é diferente para cada pessoa, porque depende de sua experiência. Deixa eu dar exemplos.

Como quantificar a dor, a fome, ou o sofrimento alheio? Como explicar o amor de um pai por um filho para seu próprio filho, que não tem filhos? Ou, como quantificar em palavras (é, estranho mesmo) a glória de finalmente realizar certo sonho, sem parecer hiperbólico? Lembrei da frase, e de seu significado – real e imaginário – tão logo soube que seria presenteado com uma comenda muito especial. Keepers of the Quaich.

SOBRE OS KEEPERS OF THE QUAICH

Para aqueles que não conhecem, a comenda – ou prêmio – é concedida a pessoas que fizeram um trabalho extraordinário na indústria do Scotch Whisky por, no mínimo, 7 anos. Estão entre os Keepers grandes nomes da indústria, educadores e empresários. Como, por exemplo, Richard Paterson, Rachel Barrie, Alexandre Ricard, Dave Broom e até mesmo o ator Sam Heughan, por conta de seu rótulo The Sassenach.

Os Keepers of the Quaich foram fundados em 1988 pelos maiores players da indústria do whisky: Ballantine’s, Chivas Brothers, United Distillers, Edrington e Justerini & Brooks. Mais tarde, outros grupos se juntaram, como Edrington e Grant’s. O objetivo era criar uma ligação entre a indústria e os indivíduos que promoviam educação e venda de Scotch Whisky ao redor do mundo.

Esta é, inclusive, uma parte interessante. Você não pode pedir uma associação aos Keepers. Você deve ser indicado por dois membros existentes. No caso deste humilde Cão, o convite partiu do time da Pernod-Ricard. Foi nomeado como Keeper, também, na mesma cerimônia, Raphael Vidigal, head of prestige brands da Pernod.

A sociedade possui também um tartan – o xadrez escocês – próprio. Somente membros dos Keepers of the Quaich podem usá-lo. O padrão foi criado em 1731 pela alfaiataria Kinloch & Anderson, que, até hoje, produz os kilts e demais peças de roupa para o evento. As cores são azul – representando a água, dourado, para a cevada, e marrom, para a turfa. Ingredientes vitais para a tão querida bebida escocesa.

O tartan

Além dos Keepers, há Masters, e um grão-mestre. Os Masters of the Quaich devem ter mais de dez anos como membros da sociedade, e uma posição extremamente proeminente na indústria do whisky. Já o grão-mestre é Torquhill Campbell, Duke de Argyll e líder do clã Campbell. Ele é também marquês de Lorne e Kintyre, visconde de Lochaw e Glenya e lorde de Inveraray, Mull, Morven e Tirie. Mas, o mais importante, é que foi gerente comercial da Chivas na Autrália e Ásia – e um grande especialista na bebida escocesa.

É curioso que, ainda que a sociedade tenha sido criada para formar a ponte entre os consumidores e a indústria, a maior parte das indicações seja de pessoas que trabalham dentro dos rankings de empresas de scotch whisky, como diretores, gerentes e presidentes de empresas relacionadas. Isso me traz um sentimento ainda mais especial – um cão vira-lata, como eu, meio sem dono, mas apaixonado por whisky, na mesa daqueles que dão as cartas.

Uma parte importante, para aqueles ávidos pelo líquido. Os Keepers of The Quaich lançam, periodicamente, engarrafamentos próprios, que somente podem ser comprados em primeira mão por seus membros. No evento deste Cão, foi um Tamdhu cask strength, maturado em barris de jerez. No anterior, um raro Tamnavulin Cask Strength finalizado em barris de pinot noir. Assim, há uma vantagem etílica, também!

O BAILE

O evento de premiação é quase um baile medieval de cavaleiros. Ela acontece no castelo de Blair, em Pitlochry. E tem tudo: tapete vermelho, roupa de gala – dentre eles, kilt – uma banda de gaitas de fole e até um destacamento de guerra: os Atholl Highlanders, ligados ao Castelo, e o único exército privado oficial da Europa.

A cerimônia de indução (ou indicação) é quase a concessão de um título de cavaleiro. Com a diferença de que não há espadas. Mas, sim, um enorme quaich – o copo cerimonial para consumo de whisky. Há uma apresentação formal, lida por algum membro proeminente dos Keepers. Minha indicação foi lida pelo grande Richard Paterson. Depois, com as mãos pousadas sobre o grand-quaich, acontece um juramento. Não o de proteger o Reino Unido. Mas, sim, a melhor bebida do mundo.

O juramento – Paterson no canto direito

Nenhum jantar escocês, entretanto, estaria completo sem duas coisas. Haggis e whisky. Há toda uma parte dedicada da cerimônia ao prato ícone da Escócia, inclusive, com a leitura do poema “Address to Haggis“, do poeta Robert Burns. Brindes também são frequentes. A cada nova etapa do banquete, um whisky diferente é servido, e os comensais convidados a realizar um brinde.

O evento todo leva em torno de cinco horas, e termina com música e um brinde especial à moda escocesa. Todos de kilt, com um pé na cadeira e outro em cima da mesa. Por sorte – ou milagre – nenhum dos mais de trezentos participantes caiu no chão. Talvez essa seja a prova máxima de merecimento para o título de Keeper.

Para este Cão, é uma enorme honra fazer parte desta sociedade. O que não podemos falar, devemos sentir em silêncio, diria Wittgenstein. Mas isso não quer dizer que não podemos tentar. Obrigado a todos vocês, queridos leitores, seguidores, amigos, clientes e parceiros. O sentimento ainda é imensurável, até mesmo para mim.

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