Hoje deveria ser feriado. É que hoje é o aniversário de um dos dias mais importantes do mundo. Quer dizer, mais importantes para um ébrio amante das bebidas etílicas. É que no dia 05 de dezembro de 1933, há exatamente oitenta e quatro anos, o experimento social mais desastroso do mundo chegava ao fim. A Lei Seca Norte-Americana, conhecida por lá como Prohibition – ou, mais tecnicamente, o Volstead Act.
O Volstead Act proibida o comércio, transporte e produção de quaisquer bebidas “intoxicantes” em todo o território americano. Em outras palavras, a lei – batizada por conta de Andrew Volstead, presidente do comitê judiciário que a produziu – tornava a feliz e antes descomplicado ato de embriagar-se muito mais difícil. Mas, veja bem, não impossível.
A indústria mais afetada foi, naturalmente, a do Bourbon Whiskey. Antes da Lei Seca, havia mais de três mil destilarias operando nos estados unidos. A maioria delas não resistiu e fechou suas portas para nunca mais retornar. Estoques inteiros foram derramados, literalmente, no ralo.
Outras, porém, abordaram o problema de uma forma mais, diremos, criativa. Joe Beam, que na época era o responsável pela Jim Beam, por exemplo. Ele desmontou cuidadosamente todos os seus armazéns e destilaria – localizados no Kentucky – cruzou a fronteira do México e lá remontou tudo. Outros se aproveitaram de uma pequena brecha legal. A venda como bebida era proibida. Porém, médicos podiam prescrever remédios que continham álcool para certos pacientes. Por conta disso – e por mais bizarro que possa parecer – o Volstead Act foi excelente para os médicos da época.
Havia, porém, uma indústria de bebidas que cresceu bastante durante a Lei Seca. A indústria ilegal. Por conta do Volstead Act, infinitas destilarias de moonshine – como são conhecidos até hoje – foram criadas. A bebida normalmente era produzida sem cuidado e seu consumo perigosíssimo, por conta do excesso de metanol causado pela destilação amadora. Além disso, o tráfico de bebida também cresceu, e glorificou criminosos cruéis e egoístas, como Al Capone. Afinal, aqueles eram os novos distribuidores do inebriante néctar.
Mas a Lei Seca não foi apenas impactante para a indústria do Bourbon Whiskey. Ela refletiu no mercado mundial de bebidas. Foi por conta da Lei Seca, por exemplo, que muitas das destilarias de Campbeltown fecharam. É que antes de 1919 – quando a lei entrou em vigor – o maior mercado consumidor de whisky escocês era justamente os Estados Unidos. Naquela época, a região produtora mais importante da bebida escocesa era Campbeltown. Mais de vinte e duas destilarias trabalhavam dia e noite para suprir a demanda dos americanos.
Porém, com a proibição, as destilarias de Campbeltown se viram, da noite para o dia, com estoque enorme de scotch whisky e nenhum comprador. Endividadas e sem ter muito para onde correr, a vasta maioria fechou suas portas. Apenas um par delas sobreviveu até os dias de hoje. As duas incríveis representantes do que fora outrora a cidade do whisky: Springbank e Glen Scotia.
Algumas destilarias, porém, tiveram sorte. Laphroaig e Lagavulin – os monstros defumados de Islay – foram os mais proeminentes exemplos. É que por conta de seu caráter medicinal, as duas obtiveram a difícil licença para serem vendidas como medicamento para o estômago nos Estados Unidos. Incrivelmente, o número de pessoas que sofria de algum problema gástrico durante a década do Volstead Act cresceu bastante.
Um dos efeitos mais malucos da Lei Seca, porém, foi religioso. Muitas pessoas finalmente encontraram Deus. Mas não é que elas resolveram se arrepender de seus ébrios pecados e caminhar na direção da luz. Não. É que muitas religiões ainda podiam adquirir vinho para propósitos religiosos. Assim, as igrejas e sinagogas passaram a receber muito mais fiéis. Ah, e o número de padres e rabinos também cresceu bastante. Amém.
Outros efeitos desastrosos foram a falência de diversos restaurantes – que não podiam mais depender da venda de bebidas alcoólicas para pagar suas contas – e a diminuição da receita fiscal de muitos estados americanos (já que o álcool era taxado antes de ser proibido).
Mas talvez a Lei Seca tenha tido um efeito bastante positivo. Naquela época, a qualidade da coquetelaria aumentou vertiginosamente. É que como a bebida disponível na época era muito ruim – lembre-se que a maioria era produzida de forma amadora – os bartenders tiveram que lançar mão de todos os artifícios possíveis para disfarçar o gosto desagradável daquele líquido. Aliás, foi por conta do Volstead Act que nasceu um estilo de bar que hoje está muito em moda – os Speakeasy.
A Lei Seca durou longos 14 anos. Ao ser revogada, a indústria de bebidas alcoólicas do mundo havia sofrido enorme transformação. Transformação cujos efeitos perduram até os dias atuais. Assim, meu caro leitor, neste aniversário de data histórica, escolha seu whisky preferido, sirva-se de uma dose e agradeça. Afinal, hoje você pode bebê-lo despreocupadamente, à luz do dia, sem medo de morrer intoxicado ou ter que ir pro hospital, pra igreja ou para algum lugar sujo e escondido. Um brinde a isto.
Texto excelente, mestre!
Ainda tenho mto que conhecer da história alcoólica do mundo e vc transmite a informação de forma acessível, até mesmo a mim que sou basicamente um homem das cavernas.
Impressionante a criatividade do ser humano, quando o tentam afastar do álcool hahaha.
Abraço!
O senhor está longe de um homem das cavernas, meu caro! E olha, história etílica devia ser uma matéria na escola. Dá para aprender tudo!
Achei que iria mencionar a fórmula Nascar…
Muito bom, logo eu que adoro bourbon hehe,
Se essa moda pegasse aqui, nos dias de hoje, eu seria pastor em uma igreja, com certeza!
Nossa, nós dois – Amém!!
Muito bom o artigo! Acompanhei os três episódios da excelente série “Prohibition” na Netflix(recomendo), e o que pude observar é que como uma lei pode ter sido tão prejudicial à economia americana. Hipocrisia é que pude concluir a respeito daqueles que se posicionaram a favor da Volstead Act, e o paradoxo da revogação da lei em 1933, que por incrível que pareça dificultou mais o consumo de álcool pelo povo americano, devido às regras e limitações impostas(idade mínima, horários, etc)