Esses dias estava arrumando meu guarda-roupas, e me deparei com uma camisa que adorava. Não havia nada de muito especial nela, exceto pelo valor sentimental. A comprara na primeira vez que fui a Escócia, numa lojinha de artigos locais em Inverness. Nas costas, havia a ilustração das sombras de centenas de garrafas de whisky dos mais distintos formatos. Era possível, inclusive, com algum embasamento, identificar de quais marcas eram aquelas pequenas silhuetas. Gostava tanto da tal peça que a guardava apenas para eventos especiais.
Resolvi experimentá-la. O resultado foi desastroso. Se tivesse um pouco menos de senso crítico, poderia, de certa forma, dizer que ela teria ficado entre o à-la-Bruce-Willis e o mira-me-cuerpo. Mas, exibindo uma pancetta displicentemente cultivada nos últimos dez anos, percebi, com decepção, que não poderia mais usá-la. Havia guardado a peça de roupa para ocasiões tão especiais, que ela deixou de me servir.
Sinto que há uma relação semelhante com whisky: a de guardar garrafas para momentos extraordinários. Faço isso, acho que quase todos fazemos. Mas não sem algum arrependimento. Como certa vez disse um grande amigo “suas garrafas fechadas serão bebidas com água de coco em uma pool party por seus filhos. Beba“.
Então, num arroubo de titubeante impavidez, decidi experimentar um whisky que há muito almejava. O The Macallan Reflexion – a expressão mais cara da destilaria de Speyside a chegar ao Brasil, por uma folgada margem de diferença. O privilégio ajudou – uma garrafa havia acabado de chegar a nosso bar em São Paulo – o Caledonia Whisky & Co. E desta experiência, surgiu esta prova.
O Reflexion faz parte da Masters Decanter Series, que também contempla o Macallan M e o No. 6. Ele é, incrivelmente, a expressão de entrada da luxuosa coleção, que procura demonstrar a importância da maturação nas características sensoriais de um whisky. De acordo Stuart MacPherson, Master of Wood – o responsável pelas barricas – da The Macallan “a madeira está no coração daquilo que fazemos, e esta série demonstra mais profundamente o papel vital de nossos barris na produção destes whiskies incríveis“
E que maturação. Uma boa parte do Macallan Reflexion é envelhecido em pequenas barricas, conhecidas como hogsheads, de aproximadamente 250 litros. A ideia é que a área de contato do líquido com a madeira seja maior, e interaja mais rapidamente para acelerar sua influência. A maturação ocorre exclusivamente em barris de primeiro uso (ou seja, é a primeira vez que recebem scotch whisky) que antes contiveram vinho jerez espanhol.
Ainda que a The Macallan não declare a idade do Reflexion, nota-se que é um single malt bastante maturado. A cor confirma a suposição. É um tom reminiscente de mogno, totalmente natural. A informação extra-oficial é que Bob Dalgarno, ex-whisky maker (o responsável pela criação) da The Macallan, teria selecionado whiskies destilados entre 1970 e 1990 para a expressão.
A The Macallan aponta como predominantes no Reflexion notas cítricas, de maçã chocolate e trufas, com sutil lembrança de uvas passas, canela e gengibre. Este Cão, porém, teve uma impressão distinta. O whisky pareceu predominantemente vínico, com notas de frutas secas, como ameixa e passas. Há bastante gengibre e canela também. A nota mais delicada – na opinião dissonante deste canídeo – é o cítrico. Seja como for, é um whisky magnífico, que apresenta a influência do vinho jerez e da maturação como muito poucos, e de uma complexidade inacreditável.
“Acho sensacional o liquido. Foi uma grande surpresa a primeira vez que bebi. Tenho o privilegio de beber grandes bebidas por conta do meu trabalho, e acho ele surpreendente. Ele tem uma densidade de madeira fantástica. É denso, sem ser ‘cru” (….). A Macallan trabalha muito também a questão da textura. E o Macallan tem uma densidade de boca muito legal.” declarou Mauricio Leme, gerente de marketing de destilados e licores da Aurora, importadora responsável pela marca no Brasil, em um papo exclusivo com o Cão Engarrafado.
No entanto, a experiência extraordinária tem um preço. No Brasil, o Reflexion custa em torno de R$ 15.000,00 (quinze mil reais). O que o torna, talvez, a expressão à venda no Brasil mais cara já revista em nosso website. Foram trazidas pouco mais de vinte garrafas por sua importadora oficial no Brasil, a Aurora.
De acordo com Mauricio Leme “Trazer o Reflexion foi um privilégio, porque não é fácil trazer produtos caros por conta da carga tributária (…). Tem todo um estudo que precede trazer o rótulo, não é só uma vontade. E no Reflexion fizemos um estudo claro de que ele será um whisky caro, mas vai entregar – o líquido é impressionante, o estojo é lindo, e a garrafa também. Ele tem todas as credenciais”.
Não vou me atrever, aqui, a recomendar o Macallan Reflexion. Prová-lo ou não é mais uma questão de privilégio do que iniciativa. Porém, se tiver – e puder – faça isso. Mesmo que não tenha acontecido nada de especial. O Reflexion é o tipo de whisky que torna o dia mais prosaico em uma experiência absolutamente extraordinária.
Tipo: Single Malt sem idade definida
Destilaria: Macallan
Região: Speyside
ABV: 43%
Notas de prova:
Aroma: uvas passas e frutas cristalizadas, chocolate amargo e baunilha.
Sabor: Mel, frutas cristalizadas, uvas passas, ameixa seca. A influência do vinho jerez é muito clara, e torna-se evidente na finalização, que é longa, adocicada e com sabor de vinho fortificado.
Com água: A impressão de especiarias se reduz e um aroma adocicado sobe. O whisky torna-se mais suave.
Disponibilidade: lojas brasileiras, inclusive o Caledonia Whisky & Co.
Se aceitar um estagiário pra ajudar aí no bar e na degustação, me coloco à disposição.
Grande cão, não tentarei entrar muito no mérito técnico até porque não quero ser redundante e talvez até correndo o risco de ser desonesto, rs rs,, mas posso dizer com outras palavras minha impressão, a experiência que tive me mostrou como a particularidade de cada um é importante, como o reflexion na minha percepção é absurdamente aconchegante e equilibrado, demonstra com clareza a arte nas mãos de quem o criou, normalmente defino a escala de qualidade com base no momento que o Whisky transforma e não o contrário, ou seja, não preciso estar em um bom momento para tomar o Reflexion, mas sim tomá-lo para que qualquer momento fique bom….
Grande Abraço
Olá Luiz, legal te ver por aqui também! 🙂
Fantástico que gostou. Acho um whisky genial também. Sua impressão sobre o equilíbrio faz sentido – ele traz uma complexidade extraordinária.