Union Pure Malt Vintage 75 Anos – Cadeira Dobrável

Paredes de azulejo que comprimem um balcão com acepipes em uma estufa. Mesas de metal, dispostas de forma meio aleatória, adornadas pelo saleiro e o pimenteiro em seu centro. No cardápio, iguarias como torresmo, coxinha e o internacional bolovo – que na Escócia, é Scotch Egg. Prateleira com Cynar e Campari. E para dar vida à instituição, com o cotovelo sobre o balcão, o chato. Aquele cliente que você não sabe se está sóbrio ou bêbado, mas que te abraça de uma forma constrangedora e as vezes te cutuca na altura do estômago, só para reforçar algum devaneio. Este é o boteco.

O boteco é uma instituição bem antiga. É herdeiro da bodega, que veio da taverna. Na idade média, a turma já se divertia no botequim. Mas há um elemento – presente no cenário boêmio – que surgiu ainda antes deste maravilhoso espaço de convívio. A cadeira dobrável. Acontece que em 2022, arqueologistas encontraram na Bavária – só podia ser lá – os restos do que seria uma cadeira dobrável anciã.

A peça datava de 600 antes de cristo, e foi considerada uma raridade. Mas, não era única. Ao redor da Europa, mais de 29 cadeiras dobráveis foram encontradas em diversos túmulos. O que sugeria que, na época, a peça de mobiliário pertencia às classes mais abastadas. Mas o mais curioso nem é isso. É que ela já existia. Quem imaginaria isso!

O design mudou pouco

Algo surpreendente, também – ainda que bem mais recente – é a história do whisky no Brasil. Mais especificamente, da destilaria Union, atualmente localizada em Bento Gonçalves. A Union pode parecer jovem, com seus enormes alambiques e a casa cor de adobe. Mas ela foi fundada há mais de sete décadas. Ela nasceu em 1948 em Veranópolis. Na época, produzia vinhos e derivados e tinha o nome de União Montanhesa de Indústrias.

Em 1978 a empresa foi comprada pelas famílias Borsato e Ziero, que tiveram a abençoada ideia de transformá-la em uma fábrica de whisky de malte. Milhares de litros de whisky foram produzidos, especialmente para atender à indústria nacional das bebidas compostas. Havia também um whisky. Lançado em 1980, o conhecido “Malte do Barril” – um dos primeiros single malts brasileiros.

Em 2015 a Union inaugurou sua segunda destilaria – e atual – no Vale dos Vinhedos. E agora, acaba de lançar uma edição limitada – o Union Pure Malt Vintage 75 Anos – para comemorar sua trajetória. É um whisky sem idade declarada, com a incomum graduação alcoólica de 50%. A maturação ocorre exclusivamente em barris de carvalho americano de ex-bourbon. Não há maltes turfados na composição.

Tecnicamente, o Union Pure Malt Vintage 75 Anos é um blended malt – denominação dada a whiskies que reúnem apenas single malts de diferentes destilarias em sua mistura. Pode parecer esquisito, mas não é. Em sua composição há whiskies tanto da atual destilaria, de Bento, quanto da unidade de Veranópolis – atualmente desativada. Esta, inclusive, é a maior parte de sua receita. Os maltes têm até vinte anos de maturação.

A Union, em Bento Gonçalves

O Union Pure Malt Vintage 75 Anos é uma edição limitada a 2023 garrafas numeradas individualmente. Seu preço é semelhante àquele do Union Vintage 2005, lançado recentemente pela destilaria. E para o apaixonado pela história e whiskies brasileiros, ele é uma aquisição obrigatória. Perfeito para se degustar com o cotovelo sobre a mesa de metal, sentado confortavelmente numa cadeira dobrável em qualquer canto deste Brasil.

UNION PURE MALT VINTAGE 75 ANOS

Tipo: Single Malt

Destilaria: Union

País: Brasil

ABV: 50%

Notas de prova:

Aroma: adocicado, mel, gengibre.

Sabor: Frutas amarelas, mel, gengibre. O final é longo e possui um certo apimentado seco, com especiarias.

Entrevista com George Harper – Master Blender da Johnnie Walker

Trinta e quatro graus, às onze da manhã. De blazer na parte externa do hotel Tivoli, em São Paulo, observava, imóvel, o corre-corre à minha frente. Era o primeiro dia da mundial do World Class, a mais famosa competição de bartenders do mundo – que, este ano, ocorria em São Paulo. Esses gringos devem achar que a gente assa à sombra no verão – pensei, enquanto tentava fazer o mínimo de movimento possível, a fim de manter minha temperatura corporal abaixo da superfície de Mercúrio.

Sentia o suor percorrendo minhas têmporas e se precipitando sob meu maxilar. Gente, tá tão calor aqui ou eu que tô tendo um treco? Decidi tentar pensar em assuntos amenos, para refrescar. Um higball. Mas aí lembrei de um Highball de Johnnie Blonde, e terminei na razão de minha visita. Entrevistar o Blender da Johnnie Walker, George Harper. E aí, comecei novamente a transpirar.

Harper é o blender responsável pela criação de algumas das mais recentes inovações da marca do andarilho. Dentre elas, o Johnnie Blonde e o White Walker. É uma responsabilidade enorme criar whiskies com tamanha escala de produção. Mas nos primeiros minutos de entrevista, já fiquei mais sossegado. Harper é um cara tranquilo, apaixonado por ciência e por whiskies. Daqueles que o papo flui por horas, especialmente, numa temperatura mais agradável e com highballs na mão. E é este papo que transcrevo abaixo.

Podia estar assim…

Me conta um pouco sobre você e o seu trabalho.

Estou na indústria de bebidas há mais de 15 anos. Iniciei no mundo da cerveja, trabalhando em avaliação sensorial e de qualidade de cervejas. Estudei Cerveja e Destilação na universidade e comecei a trabalhar em uma cervejaria artesanal na Escócia.

Fabricar cervejas, criar novas cervejas, aprender sobre produção, matérias-primas e todos os aspectos. E dessa função, entrei para a equipe de blending da Diageo há cerca de 7 anos. Minha carreira tem se concentrado nas inovações da Johnnie Walker, criando novas expressões da Johnnie Walker, trabalhando nas principais marcas da Johnnie Walker e avaliando qualidade e eficiência.

Além disso, estendi o trabalho e me tornei o master blender da Roe & Co., que é o nosso whiskey irlandês. Portanto, estou trabalhando muito próximo de nossa equipe em Dublin para garantir a qualidade da Roe & Co e apresentar inovações interessantes. As inovações são uma das minhas paixões – criar novos whiskies que, esperançosamente, encantem os consumidores e os façam apaixonar-se pelo Whisky.

Roe & Co – Irish da Diageo

Você é um master blender. Me conta o que é, qual melhor e a pior parte desse trabalho?

Emma Walker é a master blender da Johnnie Walker. Sou da Roe & Co. Nosso trabalho é fundamentalmente zelar pela qualidade e consistência dos whiskies em que trabalhamos. Nós realmente nos preocupamos com o líquido e em garantir que eles sejam sempre os melhores whiskies.

Todos os dias, avaliamos diversas amostras de barris. Temos 29 destilarias, mais de 10 milhões de barris maturando no momento. Zelamos pela qualidade contínua das nossas expressões. Também tomamos decisões sobre que tipo de madeira vamos usar – por exemplo, acabamento em barris incomuns, como barris de conhaque, barris de tequila etc. E criar novos uísques diferentes e emocionantes.

A melhor parte do que fazemos é isso. Conhecer pessoas e conversar sobre whisky. Conhecemos grandes jornalistas, bartenders, proprietários de bares e pessoas que trabalham nas destilarias. Esta é a parte divertida. Não há muitas coisas ruins. Provavelmente a responsabilidade – mas aceitamos isso como parte do que fazemos e do que somos.

Me conta um pouco sobre Johnnie Blonde. De onde veio a inspiração para criá-lo? Ou veio do nada?

Na maioria das vezes temos algo como um briefing, um conceito. Johnnie Blonde foi interessante. Queríamos fazer um whisky que pudesse ser usado em diferentes ocasiões e agradasse novos consumidores. En que, esperançosamente, traga pessoas que não estão no mundo do uísque para whisky. Para que percebam que nem tudo se trata de grandes whiskies esfumaçados.

Johnnie Blonde

Whisky pode ser muito mais acessível. O desenvolvimento do Blonde se baseou em pesquisas da empresa sobre quais sabores são mais atraentes para os novos consumidores. Grande parte da percepção que obtivemos é que sabores como maçã e baunilha são importantes. Então, usando a minha experiência e a experiência da equipe, selecionamos alguns barris de diferentes destilarias e fomos ao laboratório para construir protótipos, amplificando alguns aspectos e reduzindo outros, para chegar ao blend final.

Falando sobre o White Walker agora. Ele é baseado em uma série de televisão. Então, como traduzir esta inspiração para um whisky?

Nossa maior inspiração foi o inverno. Sou um grande fã de Game of Thrones. Não só a série, mas também os livros. Como poderíamos fazer aquela ideia de inverno com aquele aspecto congelado, para ser servido direto do freezer, com sabores que funcionariam bem quando gelado tanto. Tem também algumas frutas do pomar, que chegam à boca, e que trazem equilíbrio.

White Walker

Me fala um pouco sobre o futuro do scotch whisky. O que voce acha?

O futuro é realmente emocionante. Acho que você verá cada vez mais experimentações para tentar obter novos sabores e novos tipos de expressões. Estas inovações podem estar nas matérias-primas – uma vez fizemos isso usando centeio em vez de cevada em alguns whiskies. Também podemos usar a inovação em diferentes tipos de leveduras. Olhando para Johnnie Blonde, também combinamos inovação para criar um blended scotch que tem sabores diferentes que não tínhamos antes. Como não usar fumaça alguma, por exemplo. É um futuro emocionante!

Tequila é interessante, também. Usamos barris de tequila no passado e estamos procurando novos barris interessantes que possamos usar. Estamos vinculados a alguns regulamentos sobre quais barris podemos usar, mas também há uma oportunidade de olhar para o mundo de outras bebidas espirituosas e pensar no que podemos usar.

Whisky é tradição, mas também inovação. Como balancear os dois?

É uma questão de ser inclusivo. Você não precisa abandonar a tradição de como se faz whisky ou os tipos tradicionais de consumidores que apreciam whisky. Trata-se de ser mais inclusivo e diversificado em termos do que você oferece – os diferentes estilos de sabores, para atrair novos consumidores e converter os bebedores de uísque tradicional a experimentar novos sabores.

Além disso, não existem regras sobre como você deve desfrutar do seu whisky. Eu nunca diria a alguém como aproveitar seu whisky. Acho que se você gosta, não importa se é puro, com um pouco de água, em um coquetel. O mais importante é que você goste. Há também o aspecto social – divirta-se com sua família, amigos, etc.

Ainda em tradição. Existe uma parte de ciencia, outra de talento, e outra de tentativa e erro. Qual a mais importante?

Eu não quero me gabar. Acho que há um equilíbrio entre os três. Trazemos muitos insights do nosso conhecimento sobre a ciência dos barris, por exemplo. Como irá amadurecer e como medir isso em termos de moléculas. Mas também existe uma arte de blendar. Usamos o nosso talento para avaliar whisky e captar sabores, e misturá-los. É quase como cozinhar.

E por fim, qual sua expressão preferida de Johnnie Walker?

Provavelmente o último em que trabalhamos recentemente. Recentemente lançamos o Blue Label Elusive Umami. Mas eu diria que você não pode errar com o Johnnie Walker Black Label!

1792 Small Batch Bourbon – Receita Secreta

A sofisticação é feita de pequenos detalhes. Ao fazer bacalhau, você deve primeiro grelhar as postas, por dois a três minutos para cada lado, em fogo médio, tirá-las do fogo e manter aquecidas. Imediatamente, na mesma frigideira, adicionar manteiga, alho e, por último, suco de limão, e mexer. As postas não voltam à panela, mas é este molho cítrico, cuidadosamente espalhado pela superfície levemente tostada da peça, que complementará seu sabor de uma forma surpreendente.

Já quando o assunto for decorar uma sala de jantar, você deve lembrar que precisa de três a cinco diferentes pontos de luz. Um bem acima, outro focado – ou sobre – a mesa e o último de um dos lados, para trazer certa dramaticidade. Cadeiras acolchoadas também são importantes – afinal, ninguém quer ficar com o traseiro doendo ao comer o melhor bacalhau da vida. A dica é pensar se você ficaria confortável nelas, se fossem seu assento num vôo de longa duração.

Super comfy

Os parágrafos anteriores podem parecer aleatórios. E na verdade, até são, um pouco. Mas seu conteúdo foi retirado, incrivelmente, de duas matérias publicadas recentemente no site 1792 Style – pertencente ao 1792 Small Batch Bourbon. É que a marca – que acaba de desembarcar no Brasil pelas mãos da importadora Aurora – tem uma pegada de lifestyle fortíssima, com identidade caprichada, inspirada na Art Deco. E o site foi criado para apresentar um pouco dessa atmosfera.

Mas não pense que o 1792 Small Batch Bourbon é só uma garrafa bonitinha, sem conteúdo nenhum. O whiskey é produzido na destilaria Barton, no Kentucky, pertencente à Sazerac Company. A mesma proprietária da Buffalo Trace. A destilaria é, alegadamente, a mais antiga em operação contínua em Bardstown, no Kentucky. Ela foi fundada em – pasmem – 1879, e não em 1792. Este último, é o ano que o Kentucky foi reocnhecido como um estado dos EUA. Mais aleatório que isso, só a graduação alcoolica do 1792, que é 46,85%.

A combinação de cereais do mosto do 1792 Small Batch Bourbon não é divulgada pela destilaria. A única informação é que ele se trata de um high-rye bourbon – um termo usado informalmente para definir bourbons com maior concentração de centeio. Porém, há uma informação extra-oficial que sua mashbill seja, exatamente 74% milho, 18% centeio e 8% cevada maltada.

High-Rye bourbons são relativamente incomuns, mas têm se tornado populares, graças à sua versatilidade e equilíbrio. Ocorre que cada cereal traz um sabor diferente à mashbill. Milho traz dulçor. Cevada maltada ajuda na fermentação e traz um certo corpo. Já o centeio traz amargor, apimentado e herbal. Whiskies com mais centeio na mistura tendem a ser menos doces e mais pungentes.

A maturação do 1792 Small Batch Bourbon também não é divulgada. Um palpite educado, porém, é de que o whisky matura em barris virgens de carvalho americano por aproximadamente 8 anos. A teoria ganha força considerando que a Barton possuía um rótulo chamado 1792 Ridgemont Reserve, que fora descontinuado em 2015. Este whisky foi o precursor do 1792 Small Batch Bourbon, e sua maturação era, declaradamente, de oito anos.

Parecido, né?

O 1792 Small Batch Bourbon custa aproximadamente R$ 300 no Brasil, e está a venda (ou melhor, estará, considerando a data em que esta matéria foi escrita) em boa parte dos varejistas especializados. Ele faz parte de uma nova onda de whiskies americanos mais sofisticados que recentemente desembarcaram em nosso país, como o Eagle Rare – também da Sazerac Company – o Basil Hayden e os High West Bourbon e Double Rye. Um fenômeno que este cão aplaude com vigor.

Quando você se sentar em sua sala de jantar meticulosamente decorada, com cinco pontos diferentes de luz, para apreciar um bacalhau levemente cítrico que acabou de preparar com perfeição, lembre-se do 1792 Small Batch Bourbon. E, se possível, complemente a experiência com uma dose. A sofisticação é feita de detalhes, e são estes detalhes que tornam o 1792 um ótimo bourbon.

1792 SMALL BATCH BOURBON

Tipo: Bourbon

Marca: Barton 1792

Região: N/A

ABV: 46,85%

Notas de prova:

Aroma: Açúcar mascavo e caramelo queimado, com pimenta e menta.

Sabor: Calda de caramelo queimada, pimenta do reino, menta. Final longo, incrivelmente seco e apimentado.

Tamnavulin Sherry Cask – Canudinho

1937. Joseph Friedman, nascido em Ohio, observava sua filha Judith tentar tomar um milk shake no Varsity Sweet Shop, em São Francisco. Tentar, porque a mesa era alta, e Judith, baixinha, e na década de trinta, todos os canudos eram retos. Judith tentava subir na mesa, ajoelhando-se na cadeira. Mas, mesmo assim, não alcançava o zênite da bebida.

Friedman – um perspicaz inventor – então, fez algo curioso. Pegou um parafuso, sabe-se lá de onde, colocou dentro do canudo, e o enrolou com fio dental, até ficar bem apertado. Depois, tirou o fio dental e removeu o parafuso. O resultado, além de um parafuso grudento, foi um canudo com pequenas ondulações, que podia ser dobrado sem interromper o fluxo. Judith finalmente podia aproveitar aquele nutritivo alimento, base de toda dieta infantil, sem dificuldades por sua estatura.

Em 1939, Friedman fundou a “Flexible Straw Company” (a Cia. dos Canudos Flexíveis) e patenteou sua invenção. Apesar do enorme sucesso – e retorno financeiro – Joseph não é um inventor muito célebre. Atualmente, há canudos flexíveis por toda parte – até onde não são bem-vindos – mas poucos sabem de sua participação na história. Friedman é, de certa forma, como o Tamnavulin. Uma celebridade anônima. Quase onipresente, mas pouco notada.

Agora dá pra beber deitado.

É que a Tamnavulin é uma destilaria relativamente jovem. Ela foi fundada em 1966 pelo grupo Invergordon, mais tarde, Whyte & Mackay. Seu objetivo era simplesmente suprir uma demanda crescente por blended whiskies. Por isso, até hoje, é bem raro ver engarrafamentos de single malt da Tamnavulin. Contribui para isso o fato da destilaria ter sido fechada em 1995, devido ao declínio do consumo de whisky no mundo, e somente reaberta em 2007, quando sua proprietária, a Whyte & Mackay, foi comprada pela United Spirits.

Por quase dez anos, a Tamnavulin produziu whiskies essencialmente para compor os blends do grupo da Whyte & Mackay. Mesmo engarrafamentos independentes não eram muito frequentes. Porém, em 2016, a Whyte & Mackay resolveu trazer a Tamnavulin à luz, e lançou uma série de seus single malts. Dentre eles um Wine Cask – exclusivo de Duty Free – o Double Cask, já revisto por aqui, e o Sherry Cask, que desembarcou recentemente em nossas terras. Ambos, agradáveis surpresas.

O processo de fermentação do mosto da Tamnavulin é relativamente rápido – 48 horas. Os alambiques de primeira destilação são carregados até 17.500 litros, e os de segunda, 15.000 litros. O resultado é um destlado leve e aromático, puxado para os cereais. O mais impressionante da destilaria, entretanto, são seus armazéns. São dois enormes prédios, que armazenam até 10 níveis de barris, uns sobre os outros. O enorme estoque tem uma razão: a Tamnavulin ainda fornece boa parte de sua produção para whiskies do grupo, como, por exemplo, o Whyte & Mackay e Shackleton.

Armazém da Tamnavulin (fonte: whisky.com)

O Tamnavulin Sherry Cask, na verdade, recebe este nome por conta de sua finalização. Ele é maturado por um breve tempo em barris de carvalho americano de ex-bourbon, para depois ser transferido para barricas de carvalho que antes contiveram vinho jerez oloroso. Há um ponto um pouco confuso aqui. A garrafa declara que o whisky é finalizado em três barris de jerez distintos. Na verdade, o que querem dizer – ou não – é que os barris provém de três bodegas diferentes de jerez. Mas, são todos Oloroso.

Se você gosta de whiskies com perfil vínico, mas equilibrados, o Tamnavulin Sherry Cask é para você. É um daqueles single malts que se bebe sem remorso. Como dizem, é de beber de canudinho. Flexível, de preferência. Só não vá colocar no milk shake. Ou, talvez sim.

TAMNAVULIN SHERRY CASK

Tipo: Single Malt sem idade declarada

Destilaria: Tamnavulin

País/Região: Speyside

ABV: 40%

Notas de prova:

Aroma: mel, amêndoas, gengibre, caramelo.

Sabor: frutado, com, uvas passas, marzipãe gengibre. Final adocicado e vínico.

Lamas The Dog’s Bollocks II – Folie a Deux

Folie à Deux é um termo francês, que se originou na psiquiatria. Fazendo biquinho e fechando o último “e”, a expressão ganha todo um charme. Folie a dê.  É de uma extravagância rara para qualquer condição psicológica. O significado também tem uma certa excentricidade, mesmo sem a sedutora língua gaulesa. O “Delírio a dois”, ou mais, precisamente, transtorno delirante induzido ou perturbação delirante partilhada, é uma condição médica onde duas pessoas que se relacionam passam a partilhar da mesma insanidade. Ficam doidos juntos.

Há vários casos interessantes de Folie à Deux. Muitos deles envolvem assassinatos e outras atitudes grotescas. Outros são mais prosaicos, como o caso de Margareth e Michael. O casal acreditava que a casa em que viviam era vigiada incessantemente por pessoas aleatórias, que muitas vezes faziam maldades dignas dos gnomos de contos de fadas. Tipo sumir com o controle da TV, deixar o banheiro sujo ou colocar a chave do carro na cozinha, só pra vê-los revirando a casa toda. Quem é casado, como este Cão, sabe bem quem são esses terceiros misteriosos.

Conspiradores malditos, usaram todo papel higiênico…

O que é curioso da condição é que existe um sistema de retroalimentação. Uma pessoa induz a outra àquela insanidade, e ambas começam a acreditar que a situação é real. E à medida que eu escrevo este post, fico cada vez mais preocupado que este seja meu caso. Não com uma pessoa, mas com uma destilaria – o que seria um caso inédito. A Lamas Destilaria.

Acontece que lá em 2020 conhecemos a Lamas, no Bar Convent de São Paulo. Num belíssimo caso de insanidade coletiva – onde alguém decide fundar uma destilaria, e outro maluco apoia sugerindo um whisky – lançamos o Lamas Caledonia. Uma colaboração entre nosso bar, Caledonia, o Cão Engarrafado e a Lamas. Um ano mais tarde, foi a vez do Caledonia II. Que foi rapidamente sucedido pelo Caledonia III. Todos os whiskies, maturados em barricas de vinho fortificado, e com proporções distintas de malte defumado e tradicional. Mas a história, claramente, não termina por aí.

O Folie à Deux foi tão maluco que, no último lançamento, tornou-se Folie à Trois, quando a Scotch Whisky Association resolveu entrar na insanidade e proibiu a gente de chamar o whisky de Caledonia, porque induzia o consumidor a erro. Nasceu, daí, nossa quarta colaboração, o The Dog’s Bollocks – uma expressão usada pelos escoceses para definir algo que é delicioso, extraordinário. Com a vantagem de que nenhum cachorro vai reclamar que o nome foi surrupiado de suas bolas. E agora, finalmente, chegamos ao tão esperado The Dogs’ Bollocks II.

O Lamas The Dog’s Bollocks II é uma revisitação a alguns rótulos da série. A finalização vínica continua, como de todos. Desta vez, cem por cento barris que antes contiveram vinho moscatel brasileiro. Assim como naquela destilaria escocesa famosa, os barris foram especialmente temperados para levar esta expressão. O malte, entretanto, é uma novidade, mas também uma homenagem. Oitenta por cento malte turfado – turfado mesmo, não defumado – e vinte por cento tradicional. É um resgate aos dois primeiros rótulos da linha, que eram predominantemente enfumaçados.

Lamas Caledonia II – irmão mais próximo

Inicialmente, a ideia parecia fácil. Mas equilibrar a parte turfada e não-turfada com finalização em moscatel se mostrou um desafio de equipe. Praticamente beaucoup de folie. A proporção – oitenta vinte – foi definida em conjunto, no balcão do Caledonia, com alguns de nossos ilustres funcionários. Foi um trabalho intenso, que exigiu vigor. Mas, em grupo, conseguimos chegar a uma medida que agradou a todos.

O Lamas The Dogs Bollocks II estará à venda no Caledonia e em algumas lojas especializadas. Desta vez, em garrafas de 750ml – que refletem a nova identidade visual da Lamas Destilaria. Ao contrário do último lançamento, que produziu mil ampolas, desta vez, são apenas 500 unidades.

O Lamas The Dogs Bollocks II é o resultado de uma jornada de loucura criativa entre este Cão, o Caledonia e a destemida destilaria Lamas. E é especialmente o testemunho de uma paixão que todos envolvidos têm por criar algo extraordinário. Com sua finalização vínica única e uma mistura cuidadosamente equilibrada de maltes, é uma homenagem às raízes da série, e também algo que acreditamos trazer uma experiência nova no Brasil. Para todos aqueles que compartilham da mesma loucura que nós.

LAMAS THE DOG’S BOLLOCKS II

Tipo: Single Malt

Destilaria: Lamas

País: Brasil

ABV: 46%

Notas de prova:

Aroma: floral e defumado, com um leve aroma salino.

Sabor: frutas amarelas, baunilha. O final vai se tornando defumado, terroso e apimentado

Glenlivet Caribbean Reserve – O Amor

A Céline Dion tem uma música que diz que o amor pode mover montanhas. Com todo respeito, eu acho que a Céline errou. O amor é muito superestimado. Sem a menor sombra de dúvidas, o álcool supera qualquer forma de afeto como força-motriz da humanidade. Pegue, por exemplo, a história das ilhas caribenhas e do Reino Unido. Em 1655 a Grã-Bretanha capturou Jamaica, e começou um caso de amor (talvez ele mova montanhas) com o rum.

A bebida já era produzida naquela ilha, que possuía abundância de cana-de-açúcar. A Marinha Real britânica não hesitou em substituir o aristocrático brandy francês pelo refrescante e tropical rum. Os marinheiros eram diariamente abençoados com doses de destilado, muitas vezes combinadas com limão. Os marinheiros viam no rum não apenas um antídoto contra o escorbuto, mas também uma fonte de alegria em suas vidas a bordo de navios desprovidos de luz, com comida escassa e o constante medo de criaturas marinhas lendárias.

Ambiente de trabalho saudável

O rum tornou-se tão famoso que passou a ser usado como moeda de troca pelos corsários britânicos. Esses, um tanto menos comedidos do que os militares da respeitosa rainha, geralmente consumiam quantidades copiosas de bebida. Não era raro o caso de um navio pirata capturado facilmente pela marinha, visto que seus ocupantes não tinham condições sóbrias de lutar. Em pouco tempo, o rum – e seus barris – chegaram ao Reino Unido.

É surpreendente que apesar de tamanha conexão com a bebida tropical, a indústria do scotch whisky somente tenha se voltado para barricas de rum lá pela década de setenta, quando uma certa Springbank lançou um whisky exclusivo e caríssimo maturado na bebida. E é ainda mais inacreditável se pensarmos que muitas destilarias de rum sempre usaram barris de whisky. E é aí que entra o tema de nossa prova, o novo Glenlivet Carribbean Reserve.

Embora desejássemos compartilhar mais detalhes sobre este single malt sem idade declarada, a verdade é que ele, assim como o amor, guarda seus segredos com afinco. Sabe-se que o Glenlivet Caribbean Reserve foi maturado em barricas de ex-bourbon e depois teve um flerte com barris de rum jamaicano – o que chamam de “maturação seletiva”. A marca do rum também não é divulgada. Mas, que este Cão, num palpite educado, supõe que seja Appleton State, considerando sua nacionalidade. E é só.

Whiskies finalizados em barricas de rum têm se tornado cada vez mais comuns, uma conexão compreensível, uma vez que o líquido tropical acrescenta uma nota frutada e de coco que harmoniza com perfeição com a trindade de sabores do bourbon: mel, baunilha e caramelo. A grande questão é sempre o equilíbrio. Por conta da potência sensorial do rum, há um grande risco de se criar um whisky desequilibrado, puxado para o destilado de cana. Aqui isso não acontece. O Caribbean Reserve é equilibrado, com uma nota discreta do frutado do rum no final.

O site oficial da The Glenlivet traz diferentes receitas de drink. Dentre elas, uma versão de Mai Tai.

O The Glenlivet Caribbean Reserve foi lançado em abril de 2020 e é parte do core range da destilaria, juntamente com o Founder’s Reserve, 15 anos, 18 anos e o antigo 12 anos, em alguns mercados específicos. O Caribbean Reserve possui um preço um pouco superior àquele do Founder’s, seu rótulo de entrada. Na opinião deste Cão, o upgrade compensa: apesar de ser claramente um malte jovem, o Caribbean tem mais personalidade, e entrega uma experiência diferente de whiskies em sua faixa de preço.

Para aqueles que buscam um single malt com preço acessível, mas que vai além do comum envelhecimento em barricas de ex-bourbon, o The Glenlivet Caribbean Reserve é a resposta. Enquanto Céline Dion pode acreditar no poder do amor, nós, amantes do whisky, sabemos que o poder de uma boa bebida pode superar qualquer montanha. E o Caribbean Reserve é a nossa prova definitiva disso.

THE GLENLIVET CARIBEAN RESERVE

Tipo: Single Malt sem idade definida (NAS)

Destilaria: Glenlivet

Região: Speyside

ABV: 40%

Notas de prova:

Aroma: floral, com baunilha e abacaxi

Sabor: sabor frutado. Abacaxi, maçã. Final médio, progressivamente mais adocicado, com coco e baunilha.

Basil Hayden Bourbon – Da Vontade

Luxo discreto. O conceito está bem na moda, especialmente pro causa de Succession – mais uma série que eu não vi, porque esperei acabar. E quando acabou, fiquei com preguiça, por ser muito grande. Mas, existindo no planeta Terra, pude apreciar as tendências por ela lançadas. Ou melhor, evidenciadas.

É que o tal luxo discreto sempre existiu. É o conceito de muitas marcas, como Hermés, Zegna e Tom Ford. Ele diz respeito a uma espécie de luxo que não é imediatamente óbvio. Pode ser materializado em peças que parecem triviais, mas que devido a alguma característica qualitativa – material ou mão de obra – as torna especiais e caras. Não há ostentação ou extravagância. E, na maioria das vezes, exige um consumidor maduro, ou aspirante a maduro, para sua apreciação.

E não se engane. O conceito não está limitado a moda. Ele pode ser um fone de ouvido para audiófilos, de visual discreto, mas altíssima performance. Ou um relógio exclusivíssimo e super preciso, mas visualmente quase trivial. E a whisky. Algumas marcas transpiram luxo. The Macallan, Dalmore. Outros se esgueiram no território dos entusiastas. É mais ou menos este o caso do Basil Hayden, bourbon whiskey de luxo que chegou, sem muito alarde, pelas mãos da Beam-Suntory no mês passado.

O Basil Hayden Bourbon é um dos quatro bourbons que fazem parte da coleção de whiskies “Small Batch” da Jim Beam – produzidos por eles em sua destilaria de Clermont, no Kentucky. O que, em tese, singifica que são produzidos em menores quantidades e de forma mais artesanal que Jim Beam. Os outros “small batch” são Knob Creek, Baker’s e Booker’s. São whiskies mais sofisticados, voltados para o publico que já teve acesso a marcas de entrada, e quer dar um passo a mais em direção a rótulos mais sofisticados.

Knob Creek já veio para o Brasil, mas deixou de ser imporado

Dos quatro, Basil Hayden é o único que pode ser chamado de High-Rye Bourbon, uma classificação não-oficial que define bourbons que utilizam mais centeio em sua mashbill do que o usual. A receita do mosto do Basil Hayden Bourbon é de 63% milho, 27% centeio e 10% cevada maltada. O único bourbon que se aproxima desta receita em nosso mercado é o Bulleit, com 68-28-4, respectivamente. Há uma diferença sensível. O Basil Hayden usa menos milho e mais cevada. Isso o torna sensivelmente mais seco do que supramencionado frontier whiskey.

O primeiro Basil Hayden foi criado em 1992 por Booker Noe, justamente para a Small Batch Collection. O nome e o estilo high-rye têm inspiração em um pioneiro na produção de whiskey nos Estados Unidos: Meredith Basil Hayden Senior. Meredith era um fazendeiro de centeio de Maryland, Pensilvânia, que se mudou para o Kentucky em 1785, e em 1792 começou a destilar.

A história aqui é bem curiosa. Foi Meredith que liderou um grupo de vinte e cinco famílias católicas de Maryland até Bardstown, no Kentucky, durante a revolução americana. Por conta da migração, a região tornou-se rapidamente o berço de diversas marcas mundialmente famosas, como Heaven Hill e Willett. A receita de Hayden, inclusive, provavelmente foi uma das primeiras de high-rye bourbon dos Estados Unidos. Na época, a bebida mais comum era whiskey de centeio (e não bourbon) como você sabe porque já leu nossa matéria sobre a História do Rye Whiskey e Coquetelaria.

Em 1885, o neto de Meredith, Raymond B. Hayden, fundou uma destilaria comercial no condado de Nelson, e batizou seu whiskey de “Old Grand-Dad”, em homenagem a seu avô. Por conta de uma série de fusões e aquisições, a destilaria chegou às mãos da Beam-Suntory, que, em 1992, lançou o rótulo tema desta prova. O Old Grand-Dad, entretanto, permaneceu no mercado, como uma versão ainda mais premium da mesma mashbill.

Poster de 1894 de Old Grand Dad, marca fundada por Raymond Hayden.

Para aqueles que buscam um bourbon whiskey premium, versátil, sofisticado, e ao mesmo tempo com excelente drinkability, o Basil Hayden é perfeito. Ele é também a satisfação de uma necessidade – ou melhor, uma vontade – antiga. O acesso a whiskies americanos mais sofisticados no nosso mercado. Um verdadeiro luxo discreto.

BASIL HAYDEN BOURBON

Tipo – Kentucky Straight Bourbon

ABV – 40%

Região: N/A

País: Estados Unidos

Notas de prova

Aroma: adocicado, herbal – com hortelã e especiarias.

Sabor: adocicado e levemente apimentado. Final longo, encorpado, com álcool pouco perceptível, e notas de hortelã, cravo e canela.

Last Man Standing – Okonomiyaki

Na minha recente viagem ao Japão, me deparei com um prato que muitos de vocês já devem ter familiaridade, mas nunca havia provado. O Okonomiyaki. A iguaria me encantou, especialmente por que é uma das coisas mais aleatórias que eu já vi no mundo da culinária. O dadaísmo gastronômico já vem no nome. “Okonomi” significa “o que você quiser” e “yaki” grelhado. Ou seja, ele é basicamente uma panqueca grelhada com qualquer coisa que você quiser – ou melhor, tiver sobrando na geladeira.

O troço é tão aleatório que possui até uma versão que leva lámen junto, e é conhecida por “estilo de Hiroshima”. Os ingredientes mais comuns, entretanto, são ovo, farinha, cebola, repolho, cebolinha e outros vegetais e tubérculos randômicos. Na culinária brasileira, talvez o que mais se aproxime dele é o mexidão – não pelo perfil de sabor, mas pelo melhor espírito mete tudo aí dentro da panela com farinha e vamos ver no que dá. E sempre fica uma delícia.

O mundo da coquetelaria, porém, não é tão arbitrário. Ou talvez seja, considerando as centenas de batidas e gim-tônicas com um bioma inteiro de vegetais de garnish. Mas, enfim, raramente coquetéis possuem bases compartilhadas. Há lá clássicos como o Sazerac e o Vieux Carré, que se dão bem misturando conhaque e rye whiskey, mas são exceções. Outra é o coquetel tema desta matéria, que tem o sugestivo nome de Last Man Standing.

Ramen Burguer – também aleatório

Para simplificar talvez de uma forma temerária, o Last Man Standing é um Negroni com Fernet e Rye. É um drink intenso, adocicado, herbal e amargo. Tudo ao mesmo tempo. Mas não é só isso. Ele é uma excelente mistura em partes iguais de ingredientes aleatórios – que nem sempre são agradáveis individualmente.

Sua aparição ocorreu numa publicação cujo tema é quase tão genial quanto o drink: Last Call, de Brad Thomas Parson. Um livro dedicado a explorar a pergunta “qual seria o último drink que você beberia antes de morrer?” com confissões e receitas de diversos bartenders. Pergunta essa, quiçá involuntariamente respondida por muita gente antes de fazer um Okonomiyaki ou mexidão com algo mumificado na geladeira.

Há um desafio na escolha dos ingredientes para o Last Man Standing. Dois são quase imutáveis, e, infelizmente, são os que dominam o drink. Fernet-Branca e Campari. Assim, talvez a escolha mais sábia seja um gim e rye whiskey equilibrados, para evitar que a mistura torne-se uma enorme guerra de sabores aleatórios surrando suas papilas gustativas. Ousaria, também, recomendar a redução da Fernet – e a sutil elevação do Rye. Sem mais, vamos à versão etílica do ornitorrinco – mas que curiosamente funciona. O Last Man Standing.

LAST MAN STANDING

INGREDIENTES

  • 25ml Gim
  • 25ml Rye Whiskey (este Cão usou o bom e velho Jim Beam Rye. Mas, pra ser sincero, High West Rye ficaria genial aqui)
  • 25ml Campari
  • 25ml Fernet-Branca
  • Parafernália para bater (brincadeira né gente, nada é tão aleatório. Vai de mixing glass, pelo amor.)

PREPARO

  1. Adicione os ingredientes no mixing glass
  2. mexa até que fiquem gelados
  3. desçam numa taça nick & nora, coupé, ou no raio de um copo de requeijão ou xícara de café, tanto faz, coisa mais randômica do mudo.

Seis novidades pro dia dos Pais

Eu não tô bravo com você, só estou um pouco decepcionado” – foi a frase proferida pelo querido Cão pai, quando descobriu a razão do sumiço de algumas doses de seu whisky preferido. “Você deveria estar estudando pra faculdade“. Acenei com a cabeça. Continuou “seja responsável. Quando você tiver a minha idade, vai agradecer“. E completou com “eu só estou tentando te ensinar o caminho certo, não tô mandando nada“.

Mal sabia ele que aquelas frases pareciam quase uma profecia. De certa forma, eu estava mesmo estudando. Não para a faculdade de direito, mas, sim, o assunto que me fascinava. Whisky. Assumo, porém, que naquela oportunidade, o ato de beber tinha pouco a ver com devoção acadêmica. E, de outro modo um tanto curioso, também agradeci ao ficar mais velho. Afinal, o primeiro contato com uma boa bebida tinha sido ali – de novo, despropositadamente.

Talvez a paternidade seja isso. Aconselhar da melhor forma possível, aparar uma ou outra aresta pontuda, e esperar pelo melhor. E essa é a razão desta materia. Ajudar vocês, filhos e filhas, a escolher o melhor presente para a figura paterna. Separei aqui seis novidades no mercado brasileiro, para garantir a vanguarda da manguaça. Separados por preço, do mais barato pro mais caro, porque, assim como aquela figura paterna, você não é um banco e nem sócio da Eletropaulo.

É importante, aqui, fazer uma ressalva. O mercado de lançamentos de whiskies no Brasil, nos últimos meses, está de parabéns. Além das expressões ora listadas, foram lançados outros como AnCnoc, Royal Lochnagar, Glenfarclas 10 e Heritage, High West Double Rye e Bourbon e Basil Hayden. Tive uma boa dificuldade de escolher os que figurariam em destaque neste post. Mas, aí está.

Se não quiser seguir meus conselhos, sem problemas também. “Eu não tô mandando, só tentando ensinar o caminho certo.

EAGLE RARE BOURBON

Este foi um dos desembarques mais antecipados deste ano. O Eagle Rare 10 anos é produzido pela Buffalo Trace Distillery, localizada em Frankfort, no Kentucky, e controlada pela Sazerac. Ele é, basicamente, o Buffalo Trace, mas mais maturado. O que resulta em maior complexidade e suavidade. Nos EUA, é um “allocated bourbon”. Quer dizer, um whiskey cuja própria destilaria determina quantidades máximas de compra para cada varejista ou grupo, tamanha é sua demanda.

O Eagle Rare conquistou mais de trinta prêmios na última década, incluindo alguns da Los Angeles International Wine & Spirits Competition, International Spirits Competition e International Wine & Spirits Challenge, três dos mais importantes campeonatos mundiais de bebidas. Ele foi o único whiskey a conseguir cinco medalhas de duplo ouro na San Francisco Spirits Competition, sendo que três delas foram concedidas em anos consecutivos – de 2003 a 2005.

O preço até assusta, de tão bom. R$ 280, mais ou menos. Um pouquinho mais caro do que bourbons que antes eram conhecidos como os mais sofisticados do Brasil.

UNION AUTOGRAPH EXTRATURFADO PX FINISH

O Union Autograph Extraturfado PX Finish é uma edição limitada, da linha Autograph, da destilaria Union, localizada em Bento Gonçalves – RS. O malte turfado é importado, mas o whisky é totalmente produzido no Brasil – da fermentação à maturação. Aliás, é essa maturação que é o maior destaque deste lançamento.

O Union Autograph Extraturfado PX Finish foi maturado por 8 anos em barris de carvalho americano de ex-bourbon, e depois finalizado por 18 meses em barris de vinho Pedro Ximenes. Sensorialmente, é vínico, com notas de frutas vermelhas, e apimentado. É um whisky bem complexo, que mostra que a indústria nacional do destilado evoluiu maravilhosamente bem nos últimos anos.

Está em média R$ 460 no site da Union e no Caledonia.

OLD PULTENEY 12 ANOS

O Old Pulteney 12 é um whisky bem conhecido de entusiastas, por conta de um perfil sensorial curioso. Ele é salgado, mas não é defumado. Foi recentemente lançado no Brasil pela Cia. Hibernia de Bebidas, formada por este Cão que vos fala, e o sr. Alexandre Tito, da Whisky Rio – ou seja, é uma autopromoção. Mas mesmo que não fosse, eu indicaria, porque acho fantástico.

A maturação do Old Pulteney 12 anos ocorre em barris de carvalho americano de ex-bourbon, tanto de primeiro quanto segundo uso. A maturação ocorre na destilaria, em armazéns próximos ao mar – o que, em teoria, lhe empresta o sabor salgado. Ou não. Porque há muitas hipótess que tentam explicar este perfil, mas nenhuma com grande exatidão.

Custa em média R$ 520.

LAPHROAIG QUARTER CASK

O Laphroaig Quarter Cask é, na verdade, um re-lançamento. Ele já veio para o Brasil, em meados de 2016. Na época, a Laphroaig contava também com o Select e o maravilhoso Laphroaig 18. O portfólio foi encolhendo, até sobrar apenas o 10 anos em terras tupiniquins. Agora, está novamente expandindo.

O maior diferencial do Laphroaig quarter cask é sua maturação. Após algum tempo nos barris tradicionais de ex-bourbon, o whisky é transferido para o chamado quarter cask, que é uma barrica menor. Isso aumenta a área de contato entre a madeira e o líquido, acelerando o processo de maturação. Além disso, sua graduação alcoólica é mais alta do que o 10 anos – 48%.

É um whisky defumado, adocicado e intenso. Está à venda em varejistas por aproximadament R$ 700.

ROYAL SALUTE LUNAR NEW YEAR

Há alguns anos, a Royal Salute fez uma mudança corajosa em seus whiskies. Antes, suas garrafas possuíam três cores distintas: verde, azul e vermelho. As cores representavam as jóias da coroa britânica – respectivamente, esmeralda, ametista e rubi. O líquido, entretanto, era o mesmo.

Isso mudou em 2019, quando a marca de luxo introduziu dois novos whiskies em sua linha. O Royal Salute Malts Blend – que ficou com a garrafa verde – e o Royal Salute Lost Blend, ou Peated Blend, que recebeu uma nova ampola preta. A expressão clássica de Royal Salute passou a ser vendida exclusivamente na garrafa azul, e rebatizada de Signature Blend. A vermelha ficou reservada para edições especiais limitadas.

O Royal Salute Lunar New Year é uma dessas edições. Com a belíssima garrafa vermelha, e com uma caixa ilustrada por Trajan Jia, famoso designer chinês, a edição comemora o novo ano lunar daquele país. O líquido é o mesmo do Signature Blend.

O Royal Salute Lunar New Year está à venda no LeCercle, e-commerce especial da Pernod Ricard (sem a caixa gigante, somente com a decorada à direita da foto)

THE MACALLAN HARMONY COLLECTION INTENSE ARABICA

O The Macallan Harmony Intense Arabica é a segunda edição da Harmony Collection da The Macallan. A linha tem como objetivo criar whiskies para harmonizar com elementos da gastronomia. A primeira edição foi o Rich Cacao, que foi desenvolvido para harmonizar com chocolate. Desta vez, a combinação é com café.

Sensorialmente, o The Macallan Harmony Intense Arabica traz notas de chocolate amargo e -adivinhem só – café. O final é longo, com canela e especiarias, mas pouco apimentado. Puro, é um single malt cujo perfil de sabor agradará a maioria dos bebedores. Quando combinado com uma xícara de café, o perfil frutado e adocicado é ressaltado. A combinação realmente traz à tona um sabor novo. E é essa experiência que torna o The Macallan Harmony Intense Arabica realmente interessante.

Está à venda em varejistas por aproximadamente R$ 2.000.

Macallan Harmony Intense Arabica

Dois anônimos apaixonados por café sentam-se no balcão de uma cafeteria. O combustível da humanidade é o café – disse o primeiro, olhando para a frente. Eu sei. Não se toma café para acordar, mas se acorda para tomar café, respondeu o outro. Com um sorriso no rosto, concluiu o primeiro: o nível tecnológico da sociedade seria muito inferior àquele que é hoje, não existisse café. Ao que ambos brindaram com suas xícaras, e com as duas mãos, levaram o líquido quente e marrom à boca.

A história acima é totalmente fictícia. Mas, certamente, ocorre todo dia com milhares de admiradores de café. No panteão das bebidas, o café está quase par a par com o whisky, em nível de veneração. Prova disso são as centenas de citações e frases espirituosas sobre café. Ainda que, suspeito, a cafeína ajude nessa parte. É possível escrever uma matéria inteira utilizando apenas lugares comuns sobre café.

E até uma série.

Café é, também, um combustível para a arte. O cantor Henry Rollings disse, certa vez, que o melhor acompanhamento para uma xícara de café é outra xícara de café. Este Cão e a The Macallan, porém, discordam. A melhor combinação é com o novo The Macallan Harmony Intense Arabica, que acaba de chegar oficialmente ao Brasil.

O The Macallan Harmony Intense Arabica é a segunda edição da Harmony Collection da The Macallan. A linha tem como objetivo criar whiskies para harmonizar com elementos da gastronomia. A primeira edição foi o Rich Cacao, que – caso você não tenha percebido pela falta de cafeína no sangue – foi desenvolvido para harmonizar com chocolate.

Para evitar qualquer confusão, é preciso fazer uma observação prévia. Nenhum dos whiskies da Harmony Collection usam infusões ou saborizantes para chegar ao seu perfil sensorial. Nem poderiam. De acordo com as regras da Scotch Whisky Association, para que seja considerada whisky, a bebida não pode usar quaisquer destes artifícios. O perfil de aroma e sabor destes whiskies é alcançado pela combinação de barricas de carvalho – tanto europeu quanto americano – que antes contiveram vinho jerez. O whiskymaker, neste caso, foi Steven Bremner.

De acordo com o website da The MacallanA maior parte do café da Etiópia é cultivada em Oromia. É daqui que vêm os grãos de café que serviram de inspiração para o nosso requintado single malt. Steven selecionou os grãos de café etíopes Harrar e Guji para a expressão (…), devido ao perfil de sabor robusto e intensidade do café. O café de Guji e Harrar oferece um Arábica selvagem único, com um sabor intenso e robusto.

Ainda de acordo com a destilaria, o The Macallan Harmony Intense Arabica é o resultado do conhecimento compartilhado de seis mestres, muitos deles, do mundo do café. São Kenean, gerente de exportação do grupo de café etíope Dukamo; Lisa Lawson, fundadora da Dear Green Coffee Roasters de Glasgow, Jonathan Morris, professor e historiador especializado na história do café, a barista Andrea Allen, do Onyx Coffee Lab, o artista em café Dhan Amang e Michele Posocco, especialista em papéis, e criadora da embalagem especial do whisky. A seguir, um vídeo sobre a harmonização e processo de criação da bebida.

The Harmony Collection Whisky Pairing, Inspired by Intense Arabica | The Macallan®

Aliás, falando na embalagem, assim como o Rich Cacao, as referências ao café não terminam no líquido. A caixa do The Macallan Harmony Intense Arabica é feita de materiais reciclados, dentre eles, cascas de café. A ideia aqui é reduzir o impacto ambiental, e embarcar em práticas mais sustentáveis para a indústria do whisky. Algo muito bem vindo, especialmente de uma destilaria que produz mais de vinte milhões de litros de new-make por ano, e está na vanguarda das tendências de produção na Escócia. Aliás, imagine a quantidade de café consumido pra chegar nesse ponto.

Sensorialmente, o The Macallan Harmony Intense Arabica traz notas de chocolate amargo e -adivinhem só – café. O final é longo, com canela e especiarias, mas pouco apimentado. Puro, é um single malt cujo perfil de sabor agradará a maioria dos bebedores. Quando combinado com uma xícara de café, o perfil frutado e adocicado é ressaltado. A combinação realmente traz à tona um sabor novo. E é essa experiência que torna o The Macallan Harmony Intense Arabica realmente interessante.

Infelizmente, por ser uma edição limitada, com números tímidos, e estampar o nome da The Macallan, o preço da criação é um pouco intimidador. No Brasil, mais de dois mil reais por uma garrafa. Se vale a pena? Muito mais do que um whisky agradável, o The Macallan Harmony Intense Arabica é uma experiência interessantíssima, tanto para os apaixonados pela destilaria quanto para todos aqueles, que, como este Cão, acordam para beber café. Quero dizer, whisky.

THE MACALLAN HARMONY INTENSE ARABICA

Tipo: Single Malt

Destilaria: The Macallan

Região: Speyside

ABV: 43%

Notas de prova:

Aroma: caramelo, café, chocolate amargo.

Sabor: chocolate, canela, café. Final longo, com mais café, e levemente frutado. Ao ser harmonizado com café, as notas de frutas vermelhas são ressaltadas.