A Céline Dion tem uma música que diz que o amor pode mover montanhas. Com todo respeito, eu acho que a Céline errou. O amor é muito superestimado. Sem a menor sombra de dúvidas, o álcool supera qualquer forma de afeto como força-motriz da humanidade. Pegue, por exemplo, a história das ilhas caribenhas e do Reino Unido. Em 1655 a Grã-Bretanha capturou Jamaica, e começou um caso de amor (talvez ele mova montanhas) com o rum.
A bebida já era produzida naquela ilha, que possuía abundância de cana-de-açúcar. A Marinha Real britânica não hesitou em substituir o aristocrático brandy francês pelo refrescante e tropical rum. Os marinheiros eram diariamente abençoados com doses de destilado, muitas vezes combinadas com limão. Os marinheiros viam no rum não apenas um antídoto contra o escorbuto, mas também uma fonte de alegria em suas vidas a bordo de navios desprovidos de luz, com comida escassa e o constante medo de criaturas marinhas lendárias.
Ambiente de trabalho saudável
O rum tornou-se tão famoso que passou a ser usado como moeda de troca pelos corsários britânicos. Esses, um tanto menos comedidos do que os militares da respeitosa rainha, geralmente consumiam quantidades copiosas de bebida. Não era raro o caso de um navio pirata capturado facilmente pela marinha, visto que seus ocupantes não tinham condições sóbrias de lutar. Em pouco tempo, o rum – e seus barris – chegaram ao Reino Unido.
É surpreendente que apesar de tamanha conexão com a bebida tropical, a indústria do scotch whisky somente tenha se voltado para barricas de rum lá pela década de setenta, quando uma certa Springbank lançou um whisky exclusivo e caríssimo maturado na bebida. E é ainda mais inacreditável se pensarmos que muitas destilarias de rum sempre usaram barris de whisky. E é aí que entra o tema de nossa prova, o novo Glenlivet Carribbean Reserve.
Embora desejássemos compartilhar mais detalhes sobre este single malt sem idade declarada, a verdade é que ele, assim como o amor, guarda seus segredos com afinco. Sabe-se que o Glenlivet Caribbean Reserve foi maturado em barricas de ex-bourbon e depois teve um flerte com barris de rum jamaicano – o que chamam de “maturação seletiva”. A marca do rum também não é divulgada. Mas, que este Cão, num palpite educado, supõe que seja Appleton State, considerando sua nacionalidade. E é só.
Whiskies finalizados em barricas de rum têm se tornado cada vez mais comuns, uma conexão compreensível, uma vez que o líquido tropical acrescenta uma nota frutada e de coco que harmoniza com perfeição com a trindade de sabores do bourbon: mel, baunilha e caramelo. A grande questão é sempre o equilíbrio. Por conta da potência sensorial do rum, há um grande risco de se criar um whisky desequilibrado, puxado para o destilado de cana. Aqui isso não acontece. O Caribbean Reserve é equilibrado, com uma nota discreta do frutado do rum no final.
O site oficial da The Glenlivet traz diferentes receitas de drink. Dentre elas, uma versão de Mai Tai.
O The Glenlivet Caribbean Reserve foi lançado em abril de 2020 e é parte do core range da destilaria, juntamente com o Founder’s Reserve, 15 anos, 18 anos e o antigo 12 anos, em alguns mercados específicos. O Caribbean Reserve possui um preço um pouco superior àquele do Founder’s, seu rótulo de entrada. Na opinião deste Cão, o upgrade compensa: apesar de ser claramente um malte jovem, o Caribbean tem mais personalidade, e entrega uma experiência diferente de whiskies em sua faixa de preço.
Para aqueles que buscam um single malt com preço acessível, mas que vai além do comum envelhecimento em barricas de ex-bourbon, o The Glenlivet Caribbean Reserve é a resposta. Enquanto Céline Dion pode acreditar no poder do amor, nós, amantes do whisky, sabemos que o poder de uma boa bebida pode superar qualquer montanha. E o Caribbean Reserve é a nossa prova definitiva disso.
THE GLENLIVET CARIBEAN RESERVE
Tipo: Single Malt sem idade definida (NAS)
Destilaria: Glenlivet
Região: Speyside
ABV: 40%
Notas de prova:
Aroma: floral, com baunilha e abacaxi
Sabor: sabor frutado. Abacaxi, maçã. Final médio, progressivamente mais adocicado, com coco e baunilha.
Luxo discreto. O conceito está bem na moda, especialmente pro causa de Succession – mais uma série que eu não vi, porque esperei acabar. E quando acabou, fiquei com preguiça, por ser muito grande. Mas, existindo no planeta Terra, pude apreciar as tendências por ela lançadas. Ou melhor, evidenciadas.
É que o tal luxo discreto sempre existiu. É o conceito de muitas marcas, como Hermés, Zegna e Tom Ford. Ele diz respeito a uma espécie de luxo que não é imediatamente óbvio. Pode ser materializado em peças que parecem triviais, mas que devido a alguma característica qualitativa – material ou mão de obra – as torna especiais e caras. Não há ostentação ou extravagância. E, na maioria das vezes, exige um consumidor maduro, ou aspirante a maduro, para sua apreciação.
E não se engane. O conceito não está limitado a moda. Ele pode ser um fone de ouvido para audiófilos, de visual discreto, mas altíssima performance. Ou um relógio exclusivíssimo e super preciso, mas visualmente quase trivial. E a whisky. Algumas marcas transpiram luxo. The Macallan, Dalmore. Outros se esgueiram no território dos entusiastas. É mais ou menos este o caso do Basil Hayden, bourbon whiskey de luxo que chegou, sem muito alarde, pelas mãos da Beam-Suntory no mês passado.
O Basil Hayden Bourbon é um dos quatro bourbons que fazem parte da coleção de whiskies “Small Batch” da Jim Beam – produzidos por eles em sua destilaria de Clermont, no Kentucky. O que, em tese, singifica que são produzidos em menores quantidades e de forma mais artesanal que Jim Beam. Os outros “small batch” são Knob Creek, Baker’s e Booker’s. São whiskies mais sofisticados, voltados para o publico que já teve acesso a marcas de entrada, e quer dar um passo a mais em direção a rótulos mais sofisticados.
Knob Creek já veio para o Brasil, mas deixou de ser imporado
Dos quatro, Basil Hayden é o único que pode ser chamado de High-Rye Bourbon, uma classificação não-oficial que define bourbons que utilizam mais centeio em sua mashbill do que o usual. A receita do mosto do Basil Hayden Bourbon é de 63% milho, 27% centeio e 10% cevada maltada. O único bourbon que se aproxima desta receita em nosso mercado é o Bulleit, com 68-28-4, respectivamente. Há uma diferença sensível. O Basil Hayden usa menos milho e mais cevada. Isso o torna sensivelmente mais seco do que supramencionado frontier whiskey.
O primeiro Basil Hayden foi criado em 1992 por Booker Noe, justamente para a Small Batch Collection. O nome e o estilo high-rye têm inspiração em um pioneiro na produção de whiskey nos Estados Unidos: Meredith Basil Hayden Senior. Meredith era um fazendeiro de centeio de Maryland, Pensilvânia, que se mudou para o Kentucky em 1785, e em 1792 começou a destilar.
A história aqui é bem curiosa. Foi Meredith que liderou um grupo de vinte e cinco famílias católicas de Maryland até Bardstown, no Kentucky, durante a revolução americana. Por conta da migração, a região tornou-se rapidamente o berço de diversas marcas mundialmente famosas, como Heaven Hill e Willett. A receita de Hayden, inclusive, provavelmente foi uma das primeiras de high-rye bourbon dos Estados Unidos. Na época, a bebida mais comum era whiskey de centeio (e não bourbon) como você sabe porque já leu nossa matéria sobre a História do Rye Whiskey e Coquetelaria.
Em 1885, o neto de Meredith, Raymond B. Hayden, fundou uma destilaria comercial no condado de Nelson, e batizou seu whiskey de “Old Grand-Dad”, em homenagem a seu avô. Por conta de uma série de fusões e aquisições, a destilaria chegou às mãos da Beam-Suntory, que, em 1992, lançou o rótulo tema desta prova. O Old Grand-Dad, entretanto, permaneceu no mercado, como uma versão ainda mais premium da mesma mashbill.
Poster de 1894 de Old Grand Dad, marca fundada por Raymond Hayden.
Para aqueles que buscam um bourbon whiskey premium, versátil, sofisticado, e ao mesmo tempo com excelente drinkability, o Basil Hayden é perfeito. Ele é também a satisfação de uma necessidade – ou melhor, uma vontade – antiga. O acesso a whiskies americanos mais sofisticados no nosso mercado. Um verdadeiro luxo discreto.
BASIL HAYDEN BOURBON
Tipo – Kentucky Straight Bourbon
ABV – 40%
Região: N/A
País: Estados Unidos
Notas de prova
Aroma: adocicado, herbal – com hortelã e especiarias.
Sabor: adocicado e levemente apimentado. Final longo, encorpado, com álcool pouco perceptível, e notas de hortelã, cravo e canela.
Na minha recente viagem ao Japão, me deparei com um prato que muitos de vocês já devem ter familiaridade, mas nunca havia provado. O Okonomiyaki. A iguaria me encantou, especialmente por que é uma das coisas mais aleatórias que eu já vi no mundo da culinária. O dadaísmo gastronômico já vem no nome. “Okonomi” significa “o que você quiser” e “yaki” grelhado. Ou seja, ele é basicamente uma panqueca grelhada com qualquer coisa que você quiser – ou melhor, tiver sobrando na geladeira.
O troço é tão aleatório que possui até uma versão que leva lámen junto, e é conhecida por “estilo de Hiroshima”. Os ingredientes mais comuns, entretanto, são ovo, farinha, cebola, repolho, cebolinha e outros vegetais e tubérculos randômicos. Na culinária brasileira, talvez o que mais se aproxime dele é o mexidão – não pelo perfil de sabor, mas pelo melhor espírito mete tudo aí dentro da panela com farinha e vamos ver no que dá. E sempre fica uma delícia.
O mundo da coquetelaria, porém, não é tão arbitrário. Ou talvez seja, considerando as centenas de batidas e gim-tônicas com um bioma inteiro de vegetais de garnish. Mas, enfim, raramente coquetéis possuem bases compartilhadas. Há lá clássicos como o Sazerac e o Vieux Carré, que se dão bem misturando conhaque e rye whiskey, mas são exceções. Outra é o coquetel tema desta matéria, que tem o sugestivo nome de Last Man Standing.
Ramen Burguer – também aleatório
Para simplificar talvez de uma forma temerária, o Last Man Standing é um Negroni com Fernet e Rye. É um drink intenso, adocicado, herbal e amargo. Tudo ao mesmo tempo. Mas não é só isso. Ele é uma excelente mistura em partes iguais de ingredientes aleatórios – que nem sempre são agradáveis individualmente.
Sua aparição ocorreu numa publicação cujo tema é quase tão genial quanto o drink: Last Call, de Brad Thomas Parson. Um livro dedicado a explorar a pergunta “qual seria o último drink que você beberia antes de morrer?” com confissões e receitas de diversos bartenders. Pergunta essa, quiçá involuntariamente respondida por muita gente antes de fazer um Okonomiyaki ou mexidão com algo mumificado na geladeira.
Há um desafio na escolha dos ingredientes para o Last Man Standing. Dois são quase imutáveis, e, infelizmente, são os que dominam o drink. Fernet-Branca e Campari. Assim, talvez a escolha mais sábia seja um gim e rye whiskey equilibrados, para evitar que a mistura torne-se uma enorme guerra de sabores aleatórios surrando suas papilas gustativas. Ousaria, também, recomendar a redução da Fernet – e a sutil elevação do Rye. Sem mais, vamos à versão etílica do ornitorrinco – mas que curiosamente funciona. O Last Man Standing.
LAST MAN STANDING
INGREDIENTES
25ml Gim
25ml Rye Whiskey (este Cão usou o bom e velho Jim Beam Rye. Mas, pra ser sincero, High West Rye ficaria genial aqui)
25ml Campari
25ml Fernet-Branca
Parafernália para bater (brincadeira né gente, nada é tão aleatório. Vai de mixing glass, pelo amor.)
PREPARO
Adicione os ingredientes no mixing glass
mexa até que fiquem gelados
desçam numa taça nick & nora, coupé, ou no raio de um copo de requeijão ou xícara de café, tanto faz, coisa mais randômica do mudo.
“Eu não tô bravo com você, só estou um pouco decepcionado” – foi a frase proferida pelo querido Cão pai, quando descobriu a razão do sumiço de algumas doses de seu whisky preferido. “Você deveria estar estudando pra faculdade“. Acenei com a cabeça. Continuou “seja responsável. Quando você tiver a minha idade, vai agradecer“. E completou com “eu só estou tentando te ensinar o caminho certo, não tô mandando nada“.
Mal sabia ele que aquelas frases pareciam quase uma profecia. De certa forma, eu estava mesmo estudando. Não para a faculdade de direito, mas, sim, o assunto que me fascinava. Whisky. Assumo, porém, que naquela oportunidade, o ato de beber tinha pouco a ver com devoção acadêmica. E, de outro modo um tanto curioso, também agradeci ao ficar mais velho. Afinal, o primeiro contato com uma boa bebida tinha sido ali – de novo, despropositadamente.
Talvez a paternidade seja isso. Aconselhar da melhor forma possível, aparar uma ou outra aresta pontuda, e esperar pelo melhor. E essa é a razão desta materia. Ajudar vocês, filhos e filhas, a escolher o melhor presente para a figura paterna. Separei aqui seis novidades no mercado brasileiro, para garantir a vanguarda da manguaça. Separados por preço, do mais barato pro mais caro, porque, assim como aquela figura paterna, você não é um banco e nem sócio da Eletropaulo.
É importante, aqui, fazer uma ressalva. O mercado de lançamentos de whiskies no Brasil, nos últimos meses, está de parabéns. Além das expressões ora listadas, foram lançados outros como AnCnoc, Royal Lochnagar, Glenfarclas 10 e Heritage, High West Double Rye e Bourbon e Basil Hayden. Tive uma boa dificuldade de escolher os que figurariam em destaque neste post. Mas, aí está.
Se não quiser seguir meus conselhos, sem problemas também. “Eu não tô mandando, só tentando ensinar o caminho certo.“
EAGLE RARE BOURBON
Este foi um dos desembarques mais antecipados deste ano. O Eagle Rare 10 anos é produzido pela Buffalo Trace Distillery, localizada em Frankfort, no Kentucky, e controlada pela Sazerac. Ele é, basicamente, o Buffalo Trace, mas mais maturado. O que resulta em maior complexidade e suavidade. Nos EUA, é um “allocated bourbon”. Quer dizer, um whiskey cuja própria destilaria determina quantidades máximas de compra para cada varejista ou grupo, tamanha é sua demanda.
O Eagle Rare conquistou mais de trinta prêmios na última década, incluindo alguns da Los Angeles International Wine & Spirits Competition, International Spirits Competition e International Wine & Spirits Challenge, três dos mais importantes campeonatos mundiais de bebidas. Ele foi o único whiskey a conseguir cinco medalhas de duplo ouro na San Francisco Spirits Competition, sendo que três delas foram concedidas em anos consecutivos – de 2003 a 2005.
O preço até assusta, de tão bom. R$ 280, mais ou menos. Um pouquinho mais caro do que bourbons que antes eram conhecidos como os mais sofisticados do Brasil.
UNION AUTOGRAPH EXTRATURFADO PX FINISH
O Union Autograph Extraturfado PX Finish é uma edição limitada, da linha Autograph, da destilaria Union, localizada em Bento Gonçalves – RS. O malte turfado é importado, mas o whisky é totalmente produzido no Brasil – da fermentação à maturação. Aliás, é essa maturação que é o maior destaque deste lançamento.
O Union Autograph Extraturfado PX Finish foi maturado por 8 anos em barris de carvalho americano de ex-bourbon, e depois finalizado por 18 meses em barris de vinho Pedro Ximenes. Sensorialmente, é vínico, com notas de frutas vermelhas, e apimentado. É um whisky bem complexo, que mostra que a indústria nacional do destilado evoluiu maravilhosamente bem nos últimos anos.
Está em média R$ 460 no site da Union e no Caledonia.
OLD PULTENEY 12 ANOS
O Old Pulteney 12 é um whisky bem conhecido de entusiastas, por conta de um perfil sensorial curioso. Ele é salgado, mas não é defumado. Foi recentemente lançado no Brasil pela Cia. Hibernia de Bebidas, formada por este Cão que vos fala, e o sr. Alexandre Tito, da Whisky Rio – ou seja, é uma autopromoção. Mas mesmo que não fosse, eu indicaria, porque acho fantástico.
A maturação do Old Pulteney 12 anos ocorre em barris de carvalho americano de ex-bourbon, tanto de primeiro quanto segundo uso. A maturação ocorre na destilaria, em armazéns próximos ao mar – o que, em teoria, lhe empresta o sabor salgado. Ou não. Porque há muitas hipótess que tentam explicar este perfil, mas nenhuma com grande exatidão.
Custa em média R$ 520.
LAPHROAIG QUARTER CASK
O Laphroaig Quarter Cask é, na verdade, um re-lançamento. Ele já veio para o Brasil, em meados de 2016. Na época, a Laphroaig contava também com o Select e o maravilhoso Laphroaig 18. O portfólio foi encolhendo, até sobrar apenas o 10 anos em terras tupiniquins. Agora, está novamente expandindo.
O maior diferencial do Laphroaig quarter cask é sua maturação. Após algum tempo nos barris tradicionais de ex-bourbon, o whisky é transferido para o chamado quarter cask, que é uma barrica menor. Isso aumenta a área de contato entre a madeira e o líquido, acelerando o processo de maturação. Além disso, sua graduação alcoólica é mais alta do que o 10 anos – 48%.
É um whisky defumado, adocicado e intenso. Está à venda em varejistas por aproximadament R$ 700.
ROYAL SALUTE LUNAR NEW YEAR
Há alguns anos, a Royal Salute fez uma mudança corajosa em seus whiskies. Antes, suas garrafas possuíam três cores distintas: verde, azul e vermelho. As cores representavam as jóias da coroa britânica – respectivamente, esmeralda, ametista e rubi. O líquido, entretanto, era o mesmo.
Isso mudou em 2019, quando a marca de luxo introduziu dois novos whiskies em sua linha. O Royal Salute Malts Blend – que ficou com a garrafa verde – e o Royal Salute Lost Blend, ou Peated Blend, que recebeu uma nova ampola preta. A expressão clássica de Royal Salute passou a ser vendida exclusivamente na garrafa azul, e rebatizada de Signature Blend. A vermelha ficou reservada para edições especiais limitadas.
O Royal Salute Lunar New Year é uma dessas edições. Com a belíssima garrafa vermelha, e com uma caixa ilustrada por Trajan Jia, famoso designer chinês, a edição comemora o novo ano lunar daquele país. O líquido é o mesmo do Signature Blend.
O The Macallan Harmony Intense Arabica é a segunda edição da Harmony Collection da The Macallan. A linha tem como objetivo criar whiskies para harmonizar com elementos da gastronomia. A primeira edição foi o Rich Cacao, que foi desenvolvido para harmonizar com chocolate. Desta vez, a combinação é com café.
Sensorialmente, o The Macallan Harmony Intense Arabica traz notas de chocolate amargo e -adivinhem só – café. O final é longo, com canela e especiarias, mas pouco apimentado. Puro, é um single malt cujo perfil de sabor agradará a maioria dos bebedores. Quando combinado com uma xícara de café, o perfil frutado e adocicado é ressaltado. A combinação realmente traz à tona um sabor novo. E é essa experiência que torna o The Macallan Harmony Intense Arabica realmente interessante.
Está à venda em varejistas por aproximadamente R$ 2.000.
Dois anônimos apaixonados por café sentam-se no balcão de uma cafeteria. O combustível da humanidade é o café – disse o primeiro, olhando para a frente. Eu sei. Não se toma café para acordar, mas se acorda para tomar café, respondeu o outro. Com um sorriso no rosto, concluiu o primeiro: o nível tecnológico da sociedade seria muito inferior àquele que é hoje, não existisse café. Ao que ambos brindaram com suas xícaras, e com as duas mãos, levaram o líquido quente e marrom à boca.
A história acima é totalmente fictícia. Mas, certamente, ocorre todo dia com milhares de admiradores de café. No panteão das bebidas, o café está quase par a par com o whisky, em nível de veneração. Prova disso são as centenas de citações e frases espirituosas sobre café. Ainda que, suspeito, a cafeína ajude nessa parte. É possível escrever uma matéria inteira utilizando apenas lugares comuns sobre café.
E até uma série.
Café é, também, um combustível para a arte. O cantor Henry Rollings disse, certa vez, que o melhor acompanhamento para uma xícara de café é outra xícara de café. Este Cão e a The Macallan, porém, discordam. A melhor combinação é com o novo The Macallan Harmony Intense Arabica, que acaba de chegar oficialmente ao Brasil.
O The Macallan Harmony Intense Arabica é a segunda edição da Harmony Collection da The Macallan. A linha tem como objetivo criar whiskies para harmonizar com elementos da gastronomia. A primeira edição foi o Rich Cacao, que – caso você não tenha percebido pela falta de cafeína no sangue – foi desenvolvido para harmonizar com chocolate.
Para evitar qualquer confusão, é preciso fazer uma observação prévia. Nenhum dos whiskies da Harmony Collection usam infusões ou saborizantes para chegar ao seu perfil sensorial. Nem poderiam. De acordo com as regras da Scotch Whisky Association, para que seja considerada whisky, a bebida não pode usar quaisquer destes artifícios. O perfil de aroma e sabor destes whiskies é alcançado pela combinação de barricas de carvalho – tanto europeu quanto americano – que antes contiveram vinho jerez. O whiskymaker, neste caso, foi Steven Bremner.
De acordo com o website da The Macallan “A maior parte do café da Etiópia é cultivada em Oromia. É daqui que vêm os grãos de café que serviram de inspiração para o nosso requintado single malt. Steven selecionou os grãos de café etíopes Harrar e Guji para a expressão (…), devido ao perfil de sabor robusto e intensidade do café. O café de Guji e Harrar oferece um Arábica selvagem único, com um sabor intenso e robusto.“
Ainda de acordo com a destilaria, o The Macallan Harmony Intense Arabica é o resultado do conhecimento compartilhado de seis mestres, muitos deles, do mundo do café. São Kenean, gerente de exportação do grupo de café etíope Dukamo; Lisa Lawson, fundadora da Dear Green Coffee Roasters de Glasgow, Jonathan Morris, professor e historiador especializado na história do café, a barista Andrea Allen, do Onyx Coffee Lab, o artista em café Dhan Amang e Michele Posocco, especialista em papéis, e criadora da embalagem especial do whisky. A seguir, um vídeo sobre a harmonização e processo de criação da bebida.
Aliás, falando na embalagem, assim como o Rich Cacao, as referências ao café não terminam no líquido. A caixa do The Macallan Harmony Intense Arabica é feita de materiais reciclados, dentre eles, cascas de café. A ideia aqui é reduzir o impacto ambiental, e embarcar em práticas mais sustentáveis para a indústria do whisky. Algo muito bem vindo, especialmente de uma destilaria que produz mais de vinte milhões de litros de new-make por ano, e está na vanguarda das tendências de produção na Escócia. Aliás, imagine a quantidade de café consumido pra chegar nesse ponto.
Sensorialmente, o The Macallan Harmony Intense Arabica traz notas de chocolate amargo e -adivinhem só – café. O final é longo, com canela e especiarias, mas pouco apimentado. Puro, é um single malt cujo perfil de sabor agradará a maioria dos bebedores. Quando combinado com uma xícara de café, o perfil frutado e adocicado é ressaltado. A combinação realmente traz à tona um sabor novo. E é essa experiência que torna o The Macallan Harmony Intense Arabica realmente interessante.
Infelizmente, por ser uma edição limitada, com números tímidos, e estampar o nome da The Macallan, o preço da criação é um pouco intimidador. No Brasil, mais de dois mil reais por uma garrafa. Se vale a pena? Muito mais do que um whisky agradável, o The Macallan Harmony Intense Arabica é uma experiência interessantíssima, tanto para os apaixonados pela destilaria quanto para todos aqueles, que, como este Cão, acordam para beber café. Quero dizer, whisky.
THE MACALLAN HARMONY INTENSE ARABICA
Tipo: Single Malt
Destilaria: The Macallan
Região: Speyside
ABV: 43%
Notas de prova:
Aroma: caramelo, café, chocolate amargo.
Sabor: chocolate, canela, café. Final longo, com mais café, e levemente frutado. Ao ser harmonizado com café, as notas de frutas vermelhas são ressaltadas.
O homem livre é senhor da sua vontade e escravo somente da sua consciência, escreveu Aristóteles. Schopenhauer, no entanto, séculos depois, discordou. Para o alemão, o homem é escravo de sua vontade. Como um hamster, correndo desesperadamente em uma roda de exercícios em sua jaula. Tão logo um passo é dado, há necessidade de outro. O conjunto destes passos, entretanto, não chega a lugar nenhum. É um movimento elíptico eterno.
Nas palavras de Schopenhauer, “o desejo, por sua natureza, é dor. A sua realização traz rapidamente a saciedade; a posse mata todo o encanto; o desejo ou a necessidade de novo se apresentam sob nova forma. Senão, é o nada, é o vazio (…).” Saciado um desejo ou necessidade, outro surgirá. A sina é estar sempre insatisfeito.
Segundo o filósofo, uma das formas de saltar da roda dos desejos é pela apreciação das artes. A contemplação da arte é o bálsamo que aplaca o desejo. Se Schopenhauer se erguesse do túmulo atualmente, ficaria surpreso com Romero Britto e o mercado das artes. Coitado. Arrisco dizer – quiçá um pouco enviesado – que a redenção da vontade é beber.
Só que tem que ser com moderação, né Schopen?
Mas, mesmo aí, há o desejo. Aquele, de experimentar sempre algo melhor. Mais sofisticado, lapidado, mais intenso ou exclusivo. Por muito tempo, para os entusiastas de rye whiskey no Brasil, este desejo era quase impossível de ser satisfeito. Nosso mercado simplesmente interrompia a corrida do roedor quase antes de começar. Até agora.
A oferta de Rye Whiskey em nosso país é bem limitada. Por algum tempo, tivemos duas expressões da Wild Turkey – dentre, eles, o queridíssimo 101, que possuía 50,5% de ABV. Atualmente, temos apenas a versão básica, com graduação de 40%, e com distribuição limitada. Além deles, há também o Jim Beam Rye. Que é bem decente, mas com 51% de centeio em sua receita, e 40% de graduação alcoólica, é um whiskey dócil, que às vezes carece do punch de alguns outros rye mais sofisticados.
Este não é o caso do High West Double Rye. Sua mashbill é quase inteiramente composta por centeio – como eram os whiskies de centeio antigos, anteriores à lei seca norte-americana. Isso faz com que ele funcione maravilhosamente em coquetéis clássicos, como o Sazerac ou La Louisiane . Soma-se a isso sua graduação alcoólica de 46%, ótima para misturar e também bem boa para se beber puro. Aliás, no copo, ele apresenta também uma bela complexidade, com álcool bem integrado e personalidade.
O High West Double Rye, como o nome indica, não possui apenas uma mashbill. Mas duas. Ele é na verdade um blend entre ryes de destilarias distintas. O primeiro é um Rye Whiskey bem jovem da MGP, de aproximadamente dois anos, com 95% de centeio e 5% de malte. O segundo, um rye produzido pela própria High West, e maturado por aproximadamente 7 anos. Este, produzido inteiramente com centeio, sendo 20% maltado e 80% não maltado. A proporção dos dois ingredientes na mistura não é divulgada.
A High West – quase um western moderno
A High West, inclusive, tem uma história curiosa. Ela foi fundada em 2006 por David e Jane Perkins, um casal entusiasta de whisky. O local escolhido foi Park City, em Utah. David começou destilando, mas, logo, notou que havia um problema de fluxo. Não dos alambiques, mas de caixa mesmo. Seu whiskey precisava maturar, mas os boletos não esperavam.
Aconselhado por Jim Rutledge, ex-master distiller da Four Rouses, passou a comprar whiskies de diferentes destilarias e blendar, engarrafando-os sob sua marca. O Double Rye, por exemplo, era composto de whiskies de centeio da MGP e da Barton. Quando o estoque próprio chegou ao ponto de maturação desejado, David substituiu o componente da Barton por seu proprio rye whiskey. Que é cem por cento de centeio, maltado e não maltado!
Para aqueles que procuram um Rye Whiskey com excelente drinkability e personalidade, mas ao mesmo tempo com intensidade suficiente para coquetéis clássicos potentes, o High West Double Rye é perfeito. Ele é também a satisfação de uma necessidade – ou melhor, uma vontade – antiga. O acesso a whiskies americanos mais sofisticados no nosso mercado. Uma materialização muito bem vinda. Ao menos até outra aparecer para substituí-la.
HIGH WEST DOUBLE RYE
Tipo: Rye Whiskey
Marca: High West
Região: N/A
ABV: 46%
Notas de prova:
Aroma: mel, caramelo, menta.
Sabor: mentolado e apimentado. Caramelo e baunilha. Final longo, apimentado, com notas de cereais e mais herbal.
Sábado, sete da manhã. Meu filho se esgueira pela porta entreaberta do meu quarto, e chega bem pertinho da cama. Mas eu não sabia disso, porque eu estava inconsciente, dormindo. Ele me olha do fundo daquele olho branco, e sussurra bem baixinho “papai, papai“, enquanto cucuta meu braço com a delicadeza de uma pluma. Vagarosamente abro os olhos e dou um pulo de susto que quase me faz quicar no teto e voltar. Cruzes, rapaz, quase tenho uma parada cardiorespiratória achando que você é o capiroto!
“papai, hoje tem festa junina da escola, vamos?“. Proferida a frase, começo a me convencer que aquilo é, de fato, um pesadelo e ele é o capiroto. Ou que eu morri e fui pro inferno. Olho pra baixo, pra ver se meu corpo está inerte na cama. Mas tudo que eu vejo é o travesseiro. É verdade. Não só acordei de madrugada no sábado, como tenho que acompanhar a criança nessa quermesse do diabo. Mas nem sempre foi assim. Quando eu era criança, também amava festa junina.
Mas, pra mim, hoje, festa junina – especialmente da escola – siginifica pegar fila pra comer um hot-dog mais ou menos, carregar uma porção de prendas inúteis que vão abarrotar minha casa, e depois descobrir vinte reais em dinheirinho de mentira no bolso. Que raiva. E nem vem me falar que a festa junina do seu clube é genial porque tem comida daquela parrilla argentina caríssima e show do Falamansa. Isso aí não é a festa junina padrão.
A original tem que dar azia de tanto comer doce de leite e ter um sugar rush do quentão ou vinho quente. Tudo isso embalado pelo som de algum cantor de churrascaria. E não tem muito como fugir. Junho tem dessas. Mas tem coisa boa também. Como, por exemplo, o Mês da Turfa, na destilaria Union.
Viva São João
O “mês da turfa” na destilaria da Union é a época do ano em que destilam cevada maltada turfada, que mais tarde será destinada aos rótulos enfumaçados da destilaria. De acordo com Luciano Borsato, diretor da Union, o aroma de cevada turfada pode, inclusive, ser sentido durante as visitações à Union este período. E é para marcar essa data que a destilaria lançou mais um whisky de sua linha Autograph. O Union Autograph Extraturfado PX Finish
O “mês da turfa” – ou qualquer período, pra falar a verdade – é uma prática comum na Escócia. “Isso porque os aromas da turfa são tão marcantes que, além de espalhar-se pelos ambientes, impregnam os equipamentos, exigindo uma profunda limpeza antes de seguir a rotina de produção”, explica Borsato. É lógico, então, concentrar a destilação em um único período.
O Union Autograph Extraturfado PX Finish foi maturado por 8 anos em barris de carvalho americano de ex-bourbon, e depois finalizado por 18 meses em barris de vinho Pedro Ximenes. Apesar de ser o primeiro whisky brasileiro assim- turfa e PX – a combinação é bem conhecida no exterior. Há, inclusive, rótulos bem conhecidos, como o Laphroaig PX. O que, de forma alguma, tira o mérito da Union de produzir e equilibrar um malte com esse perfil.
Talvez pareça preciosismo, mas cabe aqui uma digressão. PX, ou Pedro Xímenez, Jimenez ou qualquer outra variação com “s”, “z”, “x” ou “j”, é um vinho de sobremesa, produzido com ao menos oitenta e cinco por cento das uvas homônimas. Essas uvas tem, naturalmente, bastante açúcar. Então, chega-se a uma graduação alcoólica alta ainda com açúcar residual, resultando num vinho adocicado e licoroso. É bem diferente do Oloroso, que é seco.
Uvas PX
Sensorialmente, o Union Autograph Extraturfado PX Finish é vínico, com notas de frutas vermelhas, e incrivelmente apimentado. O aroma defumado está lá, mas bem amenizado se comparado ao Extraturfado de linha. O que não é nada surpreendente – barris de vinho tendem a reduzir a percepção da turfa, e a finalização do Autograph PX é longa até mesmo para padrões escoceses. Quem dirá, então, no Brasil, onde o clima é menos ameno.
Para aqueles que – como este Cão – adoram whiskies vínicos e defumados, o Union Autograph Extraturfado PX Finish é uma pedida certa. Aliás, bem que podiam ter uma dose na quermesse. Para um desses, não ligava de acordar cedo no sábado e ir na quermesse.
UNION AUTOGRAPH EXTRATURFADO PX FINISH
Tipo: Single Malt
Destilaria: Union – produzido na unidade de Veranópolis
Você sabe quem é Michael Phelps? Provavelmente sim. Ele é o nadador mais famoso do mundo, maior medalhista olímpico da história e atualmente detentor de quatro recordes mundiais, ainda que eu não tenha a mais frágil ideia de quais sejam.
Para você ter uma ideia, há uns anos, o Phelps estava empatado com a Índia – sim, o país – no número total de medalhas. Mas ele tinha bem mais de ouro. Considerando toda a história dos jogos olímpicos, Phelps conquistou mais medalhas do que Portugal, Chile, Bahamas e o Quirguistão, seja lá onde isso for.
No universo dos bourbons, Phelps poderia ser comparado ao Eagle Rare 10 anos, que acaba de desembarcar oficialmente no Brasil. Ele é um dos mais premiados whiskies americanos do mundo. O Eagle Rare conquistou mais de trinta prêmios na última década, incluindo alguns da Los Angeles International Wine & Spirits Competition, International Spirits Competition e International Wine & Spirits Challenge, três dos mais importantes campeonatos mundiais de bebidas. Ele foi o único whiskey a conseguir cinco medalhas de duplo ouro na San Francisco Spirits Competition, sendo que três delas foram concedidas em anos consecutivos – de 2003 a 2005.
E o Eagle Rare é mais bonito que o Phelps.
O Eagle Rare 10 anos é produzido pela Buffalo Trace Distillery, localizada em Frankfort, no Kentucky, e controlada pela Sazerac. Além dele, a destilaria produz uma variedade enorme de whiskies, como o George T. Stagg, E. H. Taylor, W. L. Weller, Sazerac Rye, a preciosíssima linha de Pappy Van Winkle e os Blanton’s e Stagg. Jr., já revistos por aqui. O motivo disso será explicado a seguir.
O Eagle Rare, aliás, foi um desses bourbons que forjou e reergueu a indústria de whiskey americano. Ele foi lançado na década de 70, época que muitos consumidores preferiam beber vodka. Seu criador foi Charles Beam, master distiller da Four Roses e sobrinho neto de James Beam. Charles apostou em criar um bourbon premium, para paladares (e carteiras) distintas. Durante muitos anos, o Eagle Rare foi produzido na Four Roses.
Pouco depois de uma década, em 1989, entretanto, a marca foi comprada pela Sazerac Company. A empresa buscava expandir seu portfólio, e o Eagle Rare – junto com o Benchmark Bourbon – eram escolhas óbvias. A Sazerac, porém, não possuía uma destilaria. Assim, o Eagle Rare passou a ser produzido por alguns anos, sob encomenda, na Heaven Hill. Em 1992, a Sazerac comprou a Buffalo Trace. E até hoje, é lá que está localizado o ninho da águia.
Em 2008 ocorreu outro capítulo interessante na história do Eagle Rare. O caso virou até capítulo de uma série da Netflix, chamada Roubos Inacreditáveis. Gilbert Curtsinger, funcionário da Buffalo Trace, subtraiu e vendeu no mercado secundário quantidades copiosas de Eagle Rare – junto com outros produtos da Buffalo Trace, como Pappy Van Winkle. O homem chegou a roubar barris inteiros – 20 deles. O prejuízo estimado foi de mais de 100 mil dólares.
E bebeu algumas garrafas também
A composição da mashbill do Eagle Rare talvez tenha mudado ao longo do tempo. Atualmente, ela é conhecida simplesmente como a Buffalo Trace #1, e é secreta. Porém, sabe-se que há pouco centeio, resultando em um destilado adocicado e com poucas especiarias. É a mesma receita de mosto do querido Buffalo Trace. O que muda, aqui, é o tempo de maturação, que, como o nome indica, é dez anos.
O Eagle Rare é um whiskey muito equilibrado, relativamente adocicado, com notas de açúcar mascavo e caramelo. O álcool está completamente integrado e é pouquíssimo agressivo. E ainda que sejam semelhantes, o Eagle Rare é notadamente mais elegante e complexo que o Buffalo Trace tradicional. Se tiver a sorte de encontrar essa ave, não deixe de experimentar. Nem o Phelps deixaria passar.
EAGLE RARE 10 ANOS
Tipo – Bourbon Whiskey
ABV: 45%
Destilaria: Buffalo Trace
País: Estados Unidos
Notas de prova
Aroma: adocicado, com caramelo e baunilha.
Sabor: doce, com açúcar mascavo, caramelo, baunilha, trufas de caramelo. Final com mais açúcar mascavo e um pouco de especiarias. O alcool está completamente integrado e mal é percebido.
Onde comprar: Caledonia Bar, por WhatsApp: 11 93022-2291
Eu não me lembro da primeira vez que vi o oceano. Nem deveria. Provavelmente tinha menos de um ano de idade. Mas bastava chegar perto de algo com o mesmo aroma, que minha memória remetia, imediatamente, àquela praia apinhada de guarda-sóis, com a rebentação das ondas no fundo. O cheiro de mar é inconfundível.
Muitos anos mais tarde, li uma matéria que dizia que o cheiro de mar não era sal. Mas, sim, um composto químico, chamado dimetilsufeto (DMS). É uma substância liberada por bactérias marinhas e plâncton. Para criaturas marinhas, tem cheiro de almoço, porque é desses microorganismos que os peixes menores se alimentam. E os maiores se alimentam dos menores. Não é poético, não tem água de coco, raspadinha e castelos de areia. Ao menos, não para os peixinhos convertidos em refeição. Mas é o que é.
Agora, imagine tentar identificar os aromas de certo whisky, e se deparar com essa memória do oceano. Soa estranho, e na verdade é mesmo. Mas, faz todo sentido. Muitos whiskies possuem um sabor salgado. É o caso, por exemplo, do Old Pulteney, recentemente lançado no Brasil. E muitos outros, como Clynelish, Oban e Talisker. Como um bom whisky geek, indaguei – e pesquisei – sobre a origem desse delicioso aroma.
Vamos nadando devagar
Vamos começar com o básico. Precisamos de sal – ou melhor, de sódio – para sobreviver. O sódio, convertido como vilão da boa alimentação, quando em quantidades razoáveis, auxilia numa porção de funções corporais, como a rigidez muscular e a realização de sinapses. Um ser humano relativamente saudável e de porte normal possui em torno de 92 gramas de sódio em seu corpo. Número que deve pular para uns mil e duzentos depois de comer miojo ou chuchar o sushi no shoyu – numa aliteração quase onomatopeica – naquele rodízio.
Eu, depois de saber que miojo faz mal
Quando bebemos água, nosso corpo elimina parte desse sódio, que deve ser reposto pela alimentação. Por isso, é importante que detectemos – e apreciemos – o sabor salgado. O sal é detectado, especialmente, na língua, juntamente com outros sabores básicos, como doce e amargo. Faz parte de nosso arsenal de sobrevivência. Salgado é bom. Doce também, porque traz energia. Amargo, talvez nem tanto. Pode denotar algo venenoso ou putrefato. O que explica o desvio de caráter de muita gente que bebe café puro. Eu incluso.
E no whisky?
Em teoria, num mundo acadêmico onde um trem de comprimento desprezível se choca com um caminhão de massa desprezível, não há sal no new-make spirit (o destilado sem maturação). Isso porque o processo de destilação é um dos mais eficientes para se dessalinizar líquidos. O sódio não evapora junto com a água, e fica preso na base do pote. Pense, por exemplo, em água destilada. Sensorialmente, também não tem muito sal. Entretanto, após alguns anos, ele aparece. É notável na língua, a ponto de ser descritivo sensorial de diversos maltes. Como, por exemplo, Old Pulteney, Talisker e Clynelish.
E eu sei o que você está pensando. Que essas três destilarias têm uma característica geográfica em comum. Estão, todas, bem pertinho do mar. E que isso explica por que tem sal no whisky, até porque você leu no rótulo do Talisker que ele é “made by the sea” (feito ao lado do mar), então isso deve ser relevante para alguma coisa, não só pra turma que pesca lá do lado.
Nessa versão romântica – eivada de uma verdade relativa – o sal está no whisky por causa da maturação à beira mar. O revolto oceano que banha a Escócia, com suas abespinhadas ondas que pulverizam sal no ar, criam um verdadeiro orvalho marinho. Ele penetra nos barris silenciosamente, ano após ano, transferindo sua alma iodada ao espírito. É bonito, é poético. Mas não explica como whiskies que foram maturados centenas de quilômetros da costa retém o mesmo sabor. Caol Ila, por exemplo. E nem como whiskies maturados à beira mar, como Glenmorangie, não possuem esse sabor.
Glenmorangie e o oceano, ao fundo
E aí, vem a ciência. Em um artigo publicado na Whisky Magazine, o jornalista Peter Woods aponta um fato muito curioso. A Universidade de Aberdeen estudou a concentração de sódio em 31 single malts diferentes. A concentração variou entre 3 e 23 miligramas por litro. Algo semelhante à concentração de qualquer água potável. É uma concentração que seres humanos nem sentem. E, incrivelmente, o whisky com maior concentração de sódio foi Glenfarclas – uma destilaria no coração de Speyside, que tem zero influência marítima.
Então talvez não seja sódio
E quiçá, aqui, eu esteja me aligeirando. Mas, se há sabor de sal em whiskies que tem pouco sódio, e se tem muito sódio em whiskies que não tem nenhum sabor salgado (vide Glenfarclas), talvez o sal que sentimos na língua não seja sal. Ou melhor, não seja sódio. Mas sim, algum outro composto químico, proveniente de algum processo – ou vários – de produção. Podem até ser vários. Worm tubs, que trazem aroma sulfúrico, aliado à cevada turfada, que, per se, já possui um sabor iodado e medicinal.
Aliás, worm tubs. Ou, melhor conhecidas aqui no país da cachaça como serpentinas de resfriamento. É um tubo de metal em forma de serpentina, que serve para resfriar o new-make spirit do whisky depois que ele passa pelo lyne arm do alambique. Na Escócia, poucas destilarias as usam. O método mais popular de arrefecimento lá é o shell-and-tube, que traz menos interferência sensorial para o destilado final. Mas há aquelas que ainda conservam as serpentinas.
Worm tub
A condensação do new-make nelas pode trazer um aroma mais carnudo, ou sulfúrico. Sulfúrico como (pausa dramática) dimetilsulfeto (DMS). Exemplos são Clynelish, Mortlach, Talisker e Old Pulteney. Então, será que o sal que está na nossa língua ao tomar uma bela dose de Old Pulteney não seja, na verdade, DMS? E por conta de memória sensorial, associemos este aroma ao mar, e consequentemente, ao sal?
Na verdade, o assunto aqui é um pouco mais geek e complexo. E tudo bem se você quiser pular esses próximos parágrafos e seguir pro título seguinte. Só os escrevi porque sinto-me na obrigação de concluir um pensamento. Eu prometo que só terá informação a mais (como foi o papo que gerou essas informações*), mas você continuará entendendo (ou não) o que estou a dizer. De verdade, se ficar chato, pula e vai pro próximo capítulo! Mas vamos lá:
Num estudo de Akira Wanikawa e Toshikazo Sugimoto para o Technical Development Center da Nikka Whisky Distilling Co., “whisky é produzido pelos processos de malteação, cozimento, fermentação, destilação e maturação. Durante esses processos, diversos compostos sulfúricos são formados e reduzidos. Há diversos apontamentos de formação de DMS durante a malteação” (…) adicionalmente, Além disso, sulfeto de hidrogênio e etanotiol podem ser transformados quimicamente em metanotiol. A partir do metanotiol, três alquilsulfetos (DMS, DMDS e DMTS) podem ser produzidos por reação química, enquanto o S-metil tioacetato pode ser formado por leveduras.“
E talvez você esteja indagando, ou não, sobre o poder de remoção de compostos da destilação. Mas, acontece aqui um fato curioso. O cobre remove compostos de enxofre, mas também reagem com sulfeto de hidrogênio e tióis alquilos, que são os precursores do DMDS e DMTS. Ou seja, há a formação de compostos que podem trazer sabor salino durante a destilação.
Durante a maturação, os compostos se comportaram distintamente. DMTS não mudou. DMDS reduziu lentamente, enquanto o DMS reduziu drasticamente. Isso explica, de certa forma, a razão de whiskies mais maturados trazerem menos impressão de sal, como é o caso dos Old Pulteney 12 e 18. Pronto, vamos voltar ao normal.
Complica mais porque tá fácil
A discussão sobre o sal, inclusive, leva a uma mais complexa. Sobre terroir. De acordo com Mark Reynier, ex-CEO da Bruichladdich “há uma diferença entre os Bruichladdich maturados na ‘mainland’ escocesa, e na ilha (de Islay), baseado em percepção sensorial (…) desde que a Murray McDavid comprou a Bruichladdich em 2000, o estoque foi repatriado para Islay.”. Para Robert Ricks, da Laphroaig, é a mesma coisa “a gente tem Laphroaig maturado na ‘mainland’, e ele ainda retém um sabor iodado, mas é bem mais gentil“. Para eles, a maturação em Islay é responsável em boa parte pelo sabor salgado.
Bem pertinho
Outro ponto a se considedrar é o tempo. Novamente, em um mundo em que um ônibus de massa desprezível atravessa uma estrada de atrito desprezível, whiskies mais maturados deveriam trazer notas mais salinas do que seus pares mais jovens. Mas não é o que acontece. O pico sensorial salgado está lá pelos doze anos. Depois, ele se torna mais brando. Isso pode acontecer porque a influência do barril supera o aroma salino. Mas, também, pode ser uma pista que aponte para algo inconclusivo: talvez o sabor salgado venha do DMS.
E provavelmente é isso. Como tudo na ciência de produção de whisky, é a conjunção de diversas técnicas e características que faz daquele produto o que ele é. Raramente há uma única explicação. No caso do sal, talvez seja a aliança entre a poética maresia, os worm tubs, o DMS e a turfa. Ou talvez não seja nada disso. Mas só nosso cérebro, evocando memórias não vividas daquela dose ao lado da fogueira, em uma casa erigida sobre um penhasco ao lado do mar. Janelas fechadas, com sal cristalizando em suas bordas, e aquele maravilhoso aroma de ozônio no ar.
Quando eu tinha uns vinte e poucos anos, decidi, durante uma viagem, que ia tentar mergulhar. Na verdade, não decidi. Fui delicadamente coagido pela Cã, que, àquela altura, era minha recém consorte, e eu faria tudo para agradá-la. Na vertical, eu não fazia o menor sentido. Snorkel na boca, calção florido, pés de pato. Não poderia estar menos à vontade em uma camisa de força. Na horizontal, cabeça no mar e costas ao sol, tudo fez sentido.
Mergulhar de snorkel era bem legal. Dava para ver um pequeno recife de corais e peixes que deslizavam graciosamente pelas cores do leito marítimo. Passei uma boa meia-hora lá – ou talvez umas três – e prometi que repetiria. Até, claro, descobrir que minhas costas haviam adquirido um curioso tom salmão, e ardiam ao primeiro toque. E, também, que meu ouvido, ao menor sinal de água, tornava-se uma enorme bexiga capaz de explodir, por pura pressão, meu canal auditivo.
Pelo menos nao dormi e acordei assim
No final das contas, adorei e destestei a experiência ao mesmo tempo. Mas descobri que, às vezes, não é preciso muito esforço para descobrir algo completamente novo. Só uma certa boa vontade e uma natural inconsequência. Que, reconheço, é bem mais fácil de ostentar às duas décadas de idade do que quase às quatro.
Com coquetelaria, a história é meio igual. Muitos de nós ficamos sempre nos mesmos. Negroni, Boulevardier, Gim-Tônica, Whiskey Sour, Manhattan, Dry Martini e, talvez mais recentemente, Fitzgerald. Mas acontece que cada um destes drinks representa uma pequena ilha num arquipélago de possibilidades. Troque o xarope de açúcar de um Old Fashioned, e você terá um fancy. O mesmo acontece com os sours – que talvez estejam par a par com os martinis em variações. Uma dessas é o Frisco, coquetel tema deste post.
O Frisco leva, basicamente, Rye Whiskey, Benedictine, Limão Siciliano e Limão Tahiti. Exceto talvez pelo Benedictine – que está em diversas outras receitas de clássicos – é um dos drinks obscuros a figurar nestas páginas com os ingredientes mais acessíveis.
De acordo com o website Tuxedo No.2, há duas versões de Frisco. O Frisco, e o Frisco Sour. O Frisco é basicamente rye com um xabláu de Benedictine e uma rodela de limão. O Frisco Sour, entretanto, leva suco de limão em sua receita, e tem as medidas um pouco mais definidas. O Frisco (não sour) apareceu pela primeira vez no livro World Drinks and How to Mix Them, de William Boothby, em 1934. Depois, ganhou diversas mudanças. Dentre elas, a conversão para um sour.
Uma dessas versões é a do bar Employee’s Only, de Nova York. Ela usa dois tipos diferentes de limão, para regular a acidez e trazer complexidade. Mas, você pode testar da forma que mais lhe agradar. Lembre-se que quanto mais ácida for a fruta, mais Benedictine será usado. Este Cão não aconselha trocar o rye por bourbon neste caso. O drink carece da pegada herbal, mentolada, dos rye.
Employees Only
Assim, caros leitores, sem maiores mergulhos, vamos à receita. Equipem-se com seus snorkels etílicos para uma submersão nos sabores cítricos e adocicados do Frisco. Ou Frisco Sour.
FRISCO
INGREDIENTES
60ml Rye (use Jim Beam Rye. Vai dar certo, confie na minha visão)
30ml Benedictine
45ml suco de limao tahiti
15ml suco de limão siciliano
Parafernália para bater
PREPARO
Adicione tudo numa coqueteleira com bastante gelo e bata vigorosamente
Adicione a uma taça gelada
Se estiver se sentindo sofisticado, decore com uma cereja maraschino ou um twist de limão.