Entrevista com Chris Fletcher, master Distiller da Jack Daniel’s
Há um axioma, proferido a Peter Parker por seu tio Ben, que atingiu status de aforismo. “Com grande poder, há grande responsabilidade“. O conceito é de fácil absorção, a ponto de parecer até estranho que ninguém tenha o condensado antes. De fato, versões da citação são bem mais antigas do que o nosso querido herói da Marvel. O que, de nenhuma forma, tira o mérito dele ou de Stan Lee pela menção.
Por exemplo, em 1817, o futuro primeiro ministro da Inglaterra, William Lamb, disse em um discurso ao parlamento que “a posse de um grande poder necessariamente implica em grande responsabilidade“. A nova versão da bíblia, de rei James, também possui uma passagem que menciona algo semelhante. “Para todos que muito é dado, muito será solicitado“. O conceito foi também abordado por Chomsky, que, aliás, é contemporâneo e conterrâneo de Lee. Mas, estou a divagar.
Grandes poderes trazem grandes responsabilidades. O que nos leva a imaginar que, implicam também em um enorme ego, e uma inacessibilidade quase intransponível. Isso é verdade para muita gente. Mas não Chris Fletcher, master Distiller da Jack Daniel’s. Fletcher é responsável por quase tudo que se refere a Jack. Ele cuida da padronização, criação de novas expressões e da produção.
Fletcher é acessível e apaixonado por seu trabalho. Fica especialmente entusiasmado ao falar de assuntos técnicos da Jack Daniel’s, e sobre o legado e autenticidade da marca – valores que parecem permear todas as decisões da destilaria. Durante nossa viagem ao Tennessee, nosso grupo passou uma tarde inteira com Fletcher. Com direito a degustação e uma entrevista exclusiva, que você confere abaixo.
Então seu avô Frank Bobo era o master distiller, certo? Você se lembra de como era o Jack Daniel’s quando ele trabalhava? Mudou muito?
Sim, muito! Ele começou em 1957. E a marca era vendida principalmente no sudeste dos Estados Unidos, só isso. Não exportamos nenhum Jack Daniels na década de 1980, então na verdade foi todo alocado. O clássico Old Number 7 foi alocado somente nos Estados Unidos até 1980. Então mudou muito, com o crescimento, obviamente . Mas você sabe, meu avô e os fabricantes de uísque naquela época – o que eles estavam tentando fazer era produzir o máximo de uísque que pudessem. <ais e mais e mais, mantendo o mesmo sabor, então é incrível o que eles fizeram.
E você não tinha planos de se tornar um master distiller no início?
Isso mesmo. Eu não tinha planos até ir para a faculdade e estudar química. Eu pensei “bem, ei, por que não fazer uísque, seria uma coisa muito divertida de fazer, certo?” E eu tive meu avô. Ele ainda estava por aí, porque faleceu só em 2020. Certamente ele era uma fonte valiosa de informações!
Como foi seu primeiro dia como master distiller? Você ficou animado? Você estava ansioso?
Hum, não, eu não estava. Não fiquei ansioso, foi interessante porque estava em plena COVID! Era 1º de outubro de 2020. Este era meu primeiro dia e tínhamos em casa um garotinho de três meses – nosso filho. E então vivenciamos tudo isso durante a pandemia. Então foi um período um pouco estressante, mas não por causa do trabalho.
O trabalho era na verdade o menor problema.
Exatamente.
Sobre Jack Daniel’s Rye. Por que 70% de centeio na mashbill? Por que não 90 ou 51, como fazem a maioria das grandes destilarias?
Em última análise, 70% é ótimo para o equilíbrio entre sabor e finalização. Mas em segundo lugar, porque só dependemos do malte de cevada para a conversão do amido em açúcar fermentável. Então, não poderíamos ultrapassar 90%.,Você precisa de pelo menos 10% de grãos maltados na receita para converter os amidos em açúcares fermentáveis. Sem isso, você teria que adicionar enzimas de uma fonte externa. E não é isso que fazemos aqui, e por isso nunca consideraríamos algo acima de 90% de grãos não maltados. Normalmente usamos um mínimo de 12%. Então foi isso que realmente nos motivou.
Agora, para chegar a exatos 70%, havia um ex-gerente de destilaria aqui. Ele foi bastante inflexível quanto a 70% de centeio para equilibrar o sabor e acho que ele estava certo. Então vou dar-lhe o crédito.
E quanto ao Single Malt, quando começou o projeto? Como isso se desenvolveu? Qual foi a ideia?
Começamos a experimentar no final de 2012. E realmente levamos isso mais a sério em 2013 e 2014, quando estávamos destilando. E ele maturava apenas no novo barril de carvalho – o novo barril de carvalho americano – ao longo de 5, 6 e 7 anos. Mas sentimos que precisávamos adicionar uma camada de riqueza e doçura, e foi isso que nos levou a usar alguns barris de xerez.
Temos algumas destilarias parceiras da nossa empresa na Escócia que são muito famosas pelos seus belos uísques de jerez [Glendronach]. Estivemos lá anos atrás. E provamos algumas expressões maturadas em jerez. Aí, pensamos que deveríamos fazer uma experiência. Foi isso que realmente nos levou ao caminho do jerez. E agora estamos comprando diretamente da Espanha. Nossas novas “sherry butts”!
Eu vi uma nova expressão nesta viagem. O Triple Mash. E quanto a isso? Qual foi a ideia?
Foi quando começamos com os bottled-in-bond. Quando fizemos isso, também estávamos pensando em diferentes maneiras de experimentar e inovar. Então uma mistura, um blend, foi uma ideia! Mas eu não queria misturar nada além de american straight whiskey.
Obviamente, temos feito o straight tennessee whiskey, o straight rye whiskey e o single malt também. E percebi que cada uma dessas bebidas atendia aos regulamentos para serem bottled-in-bond. Você sabe, destilados nas mesmas temporadas, e claro, atendendo a todos os requisitos das bonded warehouses.
Eu apenas pensei que seria realmente diferente e novo, se pudéssemos pegar três bottled-in-bond diferentes e misturá-los todos na mesma garrafa. Isso nunca foi feito antes, que eu saiba. E foi isso que nos levou ao caminho do triple mash.
E bem, eu acho que se você pudesse experimentar livremente e criar uma nova expressão, o que faria?
Bem, continuamos fazendo isso. Vamos continuar a fazer coisas que representam a nossa história. Estamos fazendo isso com nossos whiskies de 10, 12 anos, e há um de 14 anos chegando. Todos esses são uísques com idade determinada que Jack fez. Então, estamos apenas recriando o passado. É muito divertido poder honrar nosso passado dessa forma. Mas também fazemos coisas que nunca foram feitas antes em nenhuma destilaria, como Triple Mash.
Acho que é importante ter um equilíbrio. Entre o antigo e a inovação. O que nunca foi feito e, depois, também, recriar a nossa história e o nosso património.
Todos nós ouvimos sobre o Lincoln County Process e como ele é realmente importante. Você acha que é isso que torna Jack único?
Não! Acho que é o nossa levedura. Isso é o mais importante. A filtragem no carvão seria provavelmente o terceiro ou quarto na lista do que realmente impulsiona nosso sabor único.
Em primeiro, nossos barris. É muito importante a forma como os nossos barris são primeiro torrados e depois carbonizados.
Nossa cepa de levedura, que tem muito impacto no sabor de um whisky, que ninguém mais tem. Nós mesmos a cultivamos, fresca, todas as semanas em nosso próprio laboratório na destilaria. É a mesma que usamos desde 1938.
Além disso, como administramos nossos destiladores. Destiladores de coluna ligados a um pequeno alambique, um doubler. Você sabe que é uma configuração bastante única. Muitas pessoas usarão doublers, mas farão isso de maneiras diferentes. Nós administramos o nosso mais como um Thumper. Isso significa que não estamos condensando os low-wines entre a coluna e o alambique.
E então eu diria que o Lincoln County Process não está criando nenhum sabor. Ele está removendo floculação. Então está tirando muitas notas de grãos de cereais. Embora seja muito importante, provavelmente estaria em quarto lugar na lista.
E bem, essa é a última pergunta. Além do Old No.7, qual é a sua expressão especial favorita de Jack?
Eu adoro todos os nossos Single Barrels, porque cada um é engarrafado separadamente. E assim você pode obter diferenças de sabor de barril para barril, o que é muito divertido. Grande parte do meu trabalho está focado na consistência. É divertido poder experimentar essas diferenças sutis da mãe natureza!