Gigante Oculto – Evan Williams 1783

A fama pode ser enganosa. Não apenas com pessoas, mas com todo tipo de coisa. Vamos falar de fast-food. McDonald’s todo mundo conhece, que tem aquele clássico sanduíche que leva dois hambúrgueres, alface, queijo, molho especial e mais alguns acepipes. Além daquela batata frita fininha e crocante, que algumas pessoas sem costume tem o hábito de enfiar no sorvete.

Por outro lado, você nunca deve ter ouvido falar da Yum!. Acontece que ela é talvez a segunda onomatopéia mais poderosa do mundo corporativo, logo depois do Yahoo!. A marca é uma das mais importantes do mundo no ramo dos fast-foods. Só que você não a conhece porque seus acionistas tem vergonha do nome cretino que escolheram. Ou talvez porque a fama resida em suas subsidiárias. A Yum! é a responsável por controlar e franquiar conhecidíssimas marcas, como KFC, Taco bell e Pizza Hut.

Impressionante!

Ela nasceu da Tricon Global Restaurants, antes controlada pela Pepsico. Atualmente, a megacorporação, sediada no Kentucky, tem presença em mais de uma centena de países. Em 2015, ela possuía mais de trinta mil franquias, cinquenta mil restaurantes e faturou aproximadamente treze bilhões e cento e cinco milhões de dólares. Eu não fiz a conta, mas me parece muito frango, burrito e pizza de pepperoni.

A Yum!, no entanto, não é a única gigante desconhecida do Kentucky. Há outra no ramo dos bourbon whiskeys – a destilaria Heaven Hill. Ainda que bem menos conhecida que Maker’s Mark, Jim Beam e Jack Daniel’s, a Heaven Hill é responsável por alguns dos whiskeys mais vendidos no mercado mundial. É dela as linhas Parkers, Elijah Craig e Evan Williams, da qual o Evan Williams 1783, tema desta prova, é parte.

O próprio website da companhia nos dá um bom panorama de seu tamanho. Segundo eles, a Heaven Hill é a maior destilaria independente, detida e operada por uma família – assim como a Grant’s, a Heaven Hill é uma empresa familiar. É a sétima maior fornecedora de destilados nos Estados Unidos, e seus armazéns contém o segundo maior estoque de Kentucky Whiskey no mundo, com mais de um milhão de barris – o que equivale, mais ou menos, a 17% de todo bourbon distribuído no mundo.

Wow! – Col. Sanders

A Heaven Hill possui dois enormes estabelecimentos. O primeiro é a destilaria em Bernheim, Louisville, Kentucky, que produz o destilado para as diferentes linhas da companhia – inclusive, com diferentes mashbills. O outro é um conjunto de armazéns, dedicado à maturação dos whiskeys. De acordo com a Heaven Hill, a produção é toda supervisionada por Craig Beam, Denny Potter, e Charlie Downs, seus três master distillers.

O Evan Williams 1783 foi batizado em homenagem ao ano em que a familia Williams – fundadores da destilaria – estabeleceram suas raízes no Kentucky. Ele é uma versão mais exclusiva, produzida em lotes menores, do Evan Williams tradicional. Seu tempo de maturação é maior, ainda que não seja divulgado com precisão. No passado, porém, a idade estampada no rótulo era de dez anos.

A composição da Mashbill do Evan Williams 1783 é a mesma dos outros whiskeys da linha. Como todo bourbon whiskey, o grão predominante é o milho, com 75%. Adiciona-se a ele 13% de centeio e 12% de cevada. Essa composição, aliada à graduação alcoolica de 43% e maturação em barricas virgens de carvalho americano bastante queimadas torna o Evan Williams 1783 um whiskey leve e adocicado, com clara presença de caramelo.

Por aqui, uma garrafa do Evan Williams 1783 custa R$ 200,00 (duzentos reais). É o mesmo preço de outros bourbons premium à venda em nosso país, e sensivelmente mais barato do que o Maker’s Mark, cujo perfil de sabor é muito semelhante. Para aqueles que buscam um whiskey com perfil pouco picante e bem puxado para o caramelo, o Evan Williams 1783 é uma ótima opção. Um gigante anônimo, que não deve nada a seus célebres irmãos.

Evan Williams 1783

Tipo: Bourbon whiskey

Destilaria: Heaven Hill

Região: N/A

ABV: 43%

Notas de prova:

Aroma: caramelo, açúcar mascavo, mel.

Sabor: balinha de caramelo, baunilha, mel. Final médio, progressivamente mais adocicado e com baunilha. O alcool está bem integrado.

Preço: R$ 200,00 (duzentos reais)

Disponibilidade: Lojas brasileiras

 

 

 

Como Whisky é Feito – Parte 1 de 3

 

A Cãzinha está finalmente na fase dos porquês. Ela é capaz de indagar sobre a razão de uma centena de coisas por dia. E, para mim, na maioria das vezes é absolutamente delicioso explica-la por que o céu é azul, por que ela precisa comer, ou como um avião voa. Mesmo que às vezes ela não entenda bem todos os conceitos.

Há, porém, algumas perguntas meio perniciosas. Na verdade, duas categorias de questões que me desafiam. Da primeira, fazem parte todas aquelas que não seria apropriado responder agora. Papai, como eu fui feita? Não sei filhota, vai perguntar pra mamãe, vai. Ela sabe.

A segunda é a categoria das indagações que nem eu sei direito a resposta. E essas são as mais difíceis. Como se faz um carro? E um nugget? Filhota, papai não sabe direito, e vou te falar um negócio, papai não quer saber. Papai quer viver no conforto da ignorância, imaginando que eles surgem magicamente do ar. Mesmo porque um é complicado de explicar, e o outro bem asqueroso. 

É claro que eu não contei isso para a Cãzinha. Mas whisky, porém, é outra história. Ao contrário de automóveis e embutidos, o processo de produção de whisky é relativamente simples e bem interessante – apesar de alguns detalhes meio nojentos. Com uma noção elementar de química e alguma introdução bem safada (sem duplo sentido aqui) em biologia, podemos ter uma boa ideia de como a melhor bebida do mundo é feita.

Veja bem, não é que ao ler este texto e os outros que o seguirão você estará imediatamente habilitado a produzir whisky. É como dizem, o difícil não é fazer. É fazer bem feito. No entanto, poderá entender com certo grau de generalidade os diferentes processos e seus resultados. Para simplificar as coisas, me concentrarei em single malts, com alguma eventual e corajosa incursão no fascinante mundo dos blended whiskies.

A CEVADA

Single malts são produzidos de cevada. Que, caso você não saiba, é uma gramínea ou, bem, capim. Existem duas variações principais de cevada. Cevadas de seis fileiras (six-row) e dupla fileira (two-row). As de dupla fileira são as mais utilizadas, por conter mais açúcares. As de seis fileiras costumam ser utilizadas como ração de gado.

cevada maltada

O problema, porém, é como utilizar este açúcar. Aí entra o processo de malteação (ou maltagem). Como você já deve ter deduzido pelo nome, a malteação produz o malte, matéria prima do whisky e de mais uma porção de coisas boas, como cerveja e Ovomaltine.

Durante a malteação o grão de cevada é molhado, para que comece a germinar. Isso permite que o amido seja acessado pelas enzimas da própria cevada. Esse amido mais tarde será transformado em açúcares por aquelas enzimas, e, finalmente, em álcool. Mas calma que chegaremos lá. O prazo de germinação varia, e depende de fatores como variação de temperatura e umidade, mas leva em média 4 dias.

Após algum tempo de germinação, o processo deve ser interrompido – porque, claro, se continuasse, teríamos uma plantação de cevada, e não whisky. A germinação é interrompida antes que o grão absorva os açúcares. Este processo é conhecido como kilning. Há duas formas de fazer isso. A primeira é pela temperatura. Aumentando a temperatura do galpão onde a cevada germina, o grão acaba desidratando, secando e – consequentemente – deixando de germinar. Porque, claro, um prerrequisito para crescer é estar vivo.

A segunda forma é utilizando um dos mais incríveis e nojentos compostos já criados pela natureza. A turfa – uma espécie de pré-carvão, formada por matéria vegetal decomposta, e que é inflamável. Aqui, a cevada em fase de germinação é aquecida em um forno abastecido por turfa. Isso seca o grão, mas também o impregna com o delicioso aroma de fumaça tão característico de alguns whiskies, como Laphroaig e Lagavulin.

kilning na Laphroaig

Há aqui um detalhe importante. Dependendo do tempo de secagem no forno e da quantidade de turfa utilizado, pode-se criar um malte mais ou menos turfado. Certa destilaria pode, assim, especificar o nível de defumação pretendido para seu malte (caso tenha terceirizado este processo) ou controlar o quão turfado será seu malte. Esse nível é medido em partes por milhão de fenóis – que são os compostos responsáveis pelo sabor medicinal e enfumaçado.

Talvez eu tenha me apressado. Deixe-me ilustrar. O excelente Ardbeg 10 anos, por exemplo, possui em torno de 55-65 ppm de fenóis. Já o Talisker 10, apenas 16-22 ppm. Há monstros defumados, como o Bruichladdich Octomore, com mais de duzentas partes por milhão. Quanto mais partes por milhão, mais defumado será o whisky. No entanto, a impressão de fumaça também pode advir da torra do barril – mas vamos deixar esse papo para mais tarde.

Blended whiskies, por outro lado, são uma mistura entre single malts e whiskies de grão. Estes últimos são produzidos com cereais maltados (inclusive a cevada maltada) ou não maltados. Quando não há malteação, um processo de cozimento e torra o substitui. No mais, o começo do processo é bem semelhante àquele dos single malts.

Aqui vale um parêntesis. Se você prestou atenção em suas aulas de história durante o colégio, talvez lembre de outro ilustre escocês. O economista e filósofo Adam Smith. Smith, além de usar uma peruca ridícula e ter conseguido a proeza de ser sequestrado por ciganos, pregava que a divisão do trabalho era importantíssima para fomentar a economia e atingir melhores resultados.

As destilarias atualmente seguem bem os ensinamentos de Smith. Assim, a grande maioria delas compra seu grão maltado pronto. Há locais especializados na produção de malte, como a finada Port Ellen, destilaria que foi convertida em Malting Floor num passado não muito longínquo, e que hoje abastece a maioria das destilarias de Islay.

interior da Port Ellen – drums

MOSTO E FERMENTAÇÃO

Após o processo de secagem, o grão maltado é moído até que se torne uma espécie de pó, que leva o nome de “grist”. Este grist é então colocado em grandes tanques – mash tuns – e misturados com água quente, em diversas etapas, com temperatura entre 63ºC e 83ºC. Essa água dissolve os açúcares e amidos no grão moído (aliás, as enzimas contidas na cevada transformam o amido em açúcares aqui).

Mash tuns são uma versão gigante do que seria o resultado do cruzamento entre uma batedeira e um bule de chá. Há braços mecânicos que constantemente mexem a mistura de água e grist (o grão moído). Após certo tempo, o líquido – ou melhor, o mosto – é drenado do tun, e vai para outro tanque, até que seja transferido para os washbacks.

Washbacks são também grandes tanques, onde o mosto é misturado com levedura, para que fermente. Estes tanques podem ser feitos de metal (como a Glenfiddich e The Macallan) ou de madeira (como na Glen Grant). Diz-se que os de madeira contribuem para a produção de um whisky mais leve, mas possuem também maior custo de manutenção.

A levedura mais utilizada é a Saccharomyces. Que não é nada além de um fungo, responsável por converter os açúcares – agora acessíveis graças ao processo de malteação – em nosso tão querido e inebriante álcool e em gás carbônico. Este é o processo de fermentação. O tempo de fermentação varia de destilaria para destilaria, mas o resultado sempre será uma espécie de cerveja – chamada wash – cuja graduação alcoólica está entre 8 e 10%.

Washbacks da Glenfiddich

DESTILAÇÃO 1/2

Este wash é então colocado em alambiques de cobre, para que seja destilado. Na Escócia, o tradicional para single malts é que seja feita a dupla destilação. Os alambiques de primeira destilação, que convertem o wash em um produto com graduação alcoólica entre 21% e 30% são chamados wash stills. Já os alambiques de segunda destilação, que produzem um destilado com graduação de aproximadamente 70%, são conhecidos como spirit stills. Após sair dos alambiques, o destilado então pode ou não ser diluído com água.

No próximo texto da série (aqui) este Cão falará um pouco mais sobre destilação, alambiques e sobre maturação. Enquanto isso, aprendam como se faz um nugget.

Drops – Jack Daniel’s Unaged Rye

Não é segredo para ninguém que eu gosto muito de automóveis. Passo boa parte do meu tempo livre – quando não estou bebendo, lendo sobre whiskies ou escrevendo este blog – pesquisando sobre carros. Sou especialmente fanático por sedans esportivos. O que não significa, de forma alguma, que não me encante com algumas invenções bem esquisitas.

Uma das minhas preferidas é o Ariel Atom. O Atom é a destilação daquilo que todo apaixonado por esportivos procura. O carro não tem rádio, nem ar-condicionado, tampouco pára-brisas. Teto, nem pensar. E pra falar a verdade, ele não tem portas também. E quase nenhuma lataria. Ele possui apenas o essencial para os puristas (quem disse que portas são essenciais?) – um motor violento, suspensão horizontal e a capacidade de acelerar a ponto das entranhas do piloto grudarem em sua espinha dorsal.

E ele faz isso com a sua cara também.

Talvez o paralelo perfeito para o Atom no mundo do Whisky seja o Jack Daniel’s Tennessee Unaged Rye. Ele é o primeiro whiskey com predominância centeio produzido pela Jack Daniel’s desde a época da Prohibition.   A Prohibition foi a época em que vigorava a lei seca nos Estados Unidos, de 1920 a 1933, em que grandes mafiosos, como Al Capone, fizeram dinheiro importando bebidas para o país. Foi essa a época que surgiu a cultura “speakeasy”.

Quer dizer, nem de whiskey ele pode ser chamado. O Jack Daniel’s Unaged Rye não é envelhecido em nenhum barril. Por isso é incolor e não tem o sabor característico de baunilha e caramelo dos outros whiskeys da marca. Foi uma edição limitada lançada em 2012. A ideia era que os fãs da marca pudessem experimentar o destilado puro, antes que fosse maturado.  Alguns anos mais tarde, a Jack Daniel’s lançou a versão envelhecida, que até hoje é produzida.

Aliás, aí vai uma curiosidade. O destilado sem maturação nos Estados Unidos é chamado de White Dog (Cão Branco). Talvez os americanos também achem que o whiskey é o melhor amigo do homem em estado líquido, não?

Se você é apaixonado pela Jack Daniel’s ou se – assim como esse Cão – é um whisky geek, experimentar o Jack Daniel’s Tennessee Rye será interessantíssimo. Pode até ser que você não vá gostar. Mas também, quem negaria andar em Ariel Atom pelo menos uma vez na vida?

JACK DANIEL’S TENNESSEE UNAGED RYE

 Tipo – Rye White Dog (destilado sem maturação)

ABV – 40%

Região: N/A

País: Estados Unidos

Notas de prova

Aroma: adocicado, com aroma de grãos e um pouco de acetona.

Sabor: doce e picante. Final curto, progressivamente seco e picante. Não há qualquer traço de baunilha ou mel.

Especial de St. Patrick’s – Cinco Ótimos Irish Whiskeys

Antes de estudar sobre whiskies, a Irlanda para mim era um país quase caricato. Meu conhecimento se limitava a duendes, trevos de quatro folhas, Bono, chapéus pontudos, cerveja – desagradavelmente – verde e o Colin Farrell. Ah, e claro, uma dezena de escritores geniais.

Acontece que a Irlanda não é apenas talentosa na parte literária. Na verdade, para um apaixonado por whiskies, ela é um dos mais importantes players no mercado. A ilha possui tradição na produção da bebida, inclusive, com técnicas e identidade próprias. A Irlanda é tão importante que até mesmo compete com a Escócia pelo título de quem inventou a chamada “água da vida”.

Deixando as especificidades muito técnicas de lado, a maior diferença entre whiskies irlandeses e escoceses é o processo de destilação. Tradicionalmente, o whiskey irlandês é triplamente destilado, enquanto o whisky escocês é apenas duas vezes. Isso torna os irlandeses notavelmente mais leves e menos oleosos. Há, no entanto, exceções à tradição nos dois países. Mas vamos parar com o whisky-geeking e voltar ao assunto.

Do Brasil, é difícil enxergarmos a diversidade de whiskey – sim, com o “e” mesmo – que a Irlanda produz. O único irlandês que desembarca em nossas terras é o Jameson, produzido por uma das maiores destilarias daquele país: a Midleton. Que, aliás, não tem nada a ver com a Kate, caso você esteja se perguntando.

Mas para além de nossas fronteiras, a terra de St. Patrick oferece uma miríade de excelentes whiskeys. Confira alguns deles abaixo:

MIDLETON VERY RARE

Olha, quando uma garrafa se autodenomina “muito rara”, é bem provável que ela esteja falando a verdade. O Midleton Very Rare é um irish whiskey produzido pela mesma destilaria do afamado Jameson. No entanto, a produção é limitadíssima.

Os barris de whiskey que compõe esta expressão são selecionados um a um pelo master distiller (o mestre alambiqueiro deles) da Midleton, Brian Nation (ou Barry Crockett, para edições mais antigas).

As garrafas são individualmente numeradas e altamente colecionáveis. O preço da exclusividade? Cento e cinquenta e cinco euros (€155.00).

TEELING SMALL BATCH

A Teeling é uma jovem e promissora destilaria independente irlandesa. E por jovem, quero dizer muito jovem. Ela foi fundada em 2015 por dois irmãos, Jack e Stephen Teeling.

A espinha dorsal de seu portfólio de irish whiskey é o Teeling Small Batch. Ele é produzido da tradicional forma irlandesa – uma mistura de whiskeys de malte triplamente destilados e whisky de grão – mas passa um período em barris que antes contiveram rum. Esse diferencial lhe confere notas de coco e caramelo.

Apesar da pouca idade, a Teeling é uma das mais importantes e inovadoras destilarias independentes irlandesas.

CONNEMARA PEATED

A destilaria Cooley, que produz o Connemara foi fundada em 1985 por um cavalheiro chamado John Teeling, pai dos rapazes já citados, Jack e Stephen Teeling. Atualmente ela produz uma gama impressionante de whiskeys, como Kilbeggan, Tyrconnell e claro, Connemara.

Há duas coisas que tornam o Connemara especial. A primeira é que ele é um single malt – enquanto que a maioria dos irish whiskeys é uma mistura entre single malts e whiskies de grão. A segunda é que ele é defumado. Isso mesmo, seu malte é secado em um forno abastecido por turfa, e isso torna seu sabor esfumaçado – algo bem comum em whiskies escoceses, mas muito raro nos irlandeses.

TULLAMORE DEW

A Tullamore Dew é a segunda em número de vendas quando o assunto é Irish Whiskey. Ela só perde mesmo para a Jameson. A versão mais comum é o Tullamore Dew Original, um blend entre whiskies de grão e whiskies triplamente destilados em alambiques de cobre e maturado em uma combinação de barris de carvalho americano e europeu.

Tullamore Dew é também a única marca de whiskeys que a personagem Lisbeth Salander, do livro “Os Homens que Não Amavam as Mulheres” bebe, ainda que essa informação não tenha qualquer utilidade.

JAMESON CASKMATES

Não poderia terminar uma lista de Irish Whiskeys sem citar a marca mais conhecida do mundo. A Jameson. Produzida pela Midleton, a Jameson possui mais de dez rótulos diferentes de whiskey. Um dos mais curiosos é o Caskmates.

O Jameson Caskmates é uma colaboração entre a Jameson e a cervejaria Franciscan Well. A destilaria empresta barris de Jameson à cervejaria, que os utiliza para armazenar e maturar cerveja stout. Depois, a Franciscan Well devolve os barris para a Midleton, que os reutiliza para envelhecer seu irish whiskey. O resultado é um produto leve, com notas de café e chocolate provenientes da cerveja. Quase um Jameson de sobremesa.

Assim, neste dezessete de março, deixe de lado a cerveja e a indumentária verde. Esqueça o Colin Farrell e o Bono. Sirva-se de uma dose de Irish whiskey e comemore o dia de St. Patricks com a melhor bebida de todas. Whisk(e)y. Tudo bem, pode pegar um livro de James Joye, Oscar Wilde, Yeats, Samuel Beckett ou Bernard Shaw para acompanhar.


BONUS 2019 – REDBREAST SINGLE POT STILL 12 ANOS CASK STRENGTH

O Redbreast é o irish whiskey para todos aqueles que acham os irish whiskeys muito delicados. Ele é produzido exclusivamente em alambiques de cobre, com cevada maltada e não maltada na Midleton, já mencionada aqui.

Mas o que o diferencia mesmo dos demais irish são duas características. A primeira, uma generosa graduação alcoólica de 57,2%. A segunda, sua maturação, que acontece predominantemente em barricas de carvalho que antes contiveram vinho jerez espanhol. Algo bem incomum para whiskeys irlandeses, que costumam depender fortemente das barricas de ex-bourbon.

Drink do Cão – Brown Derby

Você sabe o que é uma toranja?  Eu descobri apenas recentemente. Uma toranja é uma fruta. Mais especificamente, uma fruta híbrida, resultado do cruzamento entre uma laranja e um pômelo – outra coisa que eu nunca tinha ouvido falar. Se você é afeito a americanismos, talvez a conheça pelo nome internacional: grapefruit.

A toranja – como quase toda fruta – possui um punhado de vitaminas e substâncias benéficas à saúde. Ela ajuda no emagrecimento, e há até uma dieta baseada nela (ainda que exista dieta baseada em tudo hoje em dia). Ela também ajuda a prevenir doenças do coração, como infarto do miocárdio. Como se não bastasse, reduz também a chance de algumas moléstias bem nojentas e feias, como a gota. Por fim, também evita o envelhecimento precoce, por ter propriedades antioxidantes.

A toranja é um milagre em forma de vegetal. No entanto, até a semana passada, ignorava totalmente a existência do fruto. Para mim, não passava de uma laranja que cresceu demais. Porém, meu desdém por ela desapareceu tão logo esbarrei em algo que muito me chamou a atenção. Um elixir da juventude. Um coquetel que une as maravilhas da toranja com a melhor bebida do mundo. o whisky. Aquele era o Brown Derby.

Antes de explicar como prepará-lo – algo estupidamente fácil – deixe-me contar um pouco de sua história. Segundo o mestre Dale Degroff, o Brown Derby foi criado em Hollywood, na década de vinte, em um restaurante chamado Vendome Club. Curiosamente, seu nome seria uma homenagem a um restaurante rival, o homônimo Brown Derby, que, por sua vez, recebeu seu nome graças ao imóvel em que estava instalado, no formato de um chapéu derby.

O restaurante. Elegante, né?

A homenagem a um restaurante concorrente têm seu fundamento. Reza a lenda que a razão da improvável denominação se deve a Douglas Fairbanks, um senhor que frequentava os dois estabelecimentos. Durante uma de suas muitas visitas ao Brown Derby, Douglas teria experimentado um coquetel semelhante (ou melhor, naqueles primórdios, igual) – denominado De Rigueur. Então, trouxe a ideia ao Vendome, que reproduziu a criação.

O De Rigueur, por sua vez, apareceu pela primeira vez no livro Here’s How, de Judge Jr., publicado em 1927 e já citado nestas páginas caninas. A receita original – publicada naquele livro- pede por um scotch whisky. No entanto, Harry Craddock, ao dar sua versão do coquetel no clássico Savoy Cocktail Book,publicado em 1930, especificou apenas “whisky”.

O que pode ter sido apenas um deslize editorial abriu as portas para um mundo muito interessante. Porque, segundo a interpretação do livro de Craddock, seria possível usar whiskey americano. E é justamente isto que faremos hoje. Porque, bem, porque eu acho que fica melhor assim, e se você discordar, pode fazer com scotch whisky que não vou achar ruim. Note, porém, que você terá que adaptar as quantidades de calda de mel e de suco de toranja.

Perceba também que usar mel em coquetéis não é exatamente algo simples. Porque o mel, se adicionado puro, tende a encapsular. Em outras palavras, ele não mistura bem com os componentes do coquetel, criando pequenas bolhas, como óleo na água. E isso além de feio, pode deixar o coquetel completamente desequilibrado e sem padrão. Daí a solução de criar uma calda de mel, que leva também água.

Muito inteligente!

A receita abaixo é baseada na de Craddock. Ela é pouco adocicada, mas é talvez a mais equilibrada – ao menos para um paladar que gosta de cítricos. Se você achar que está muito azedo, tem duas alternativas. A primeira é aumentar a dose da calda de açúcar. A segunda é aumentar a proporção entre o mel e o açúcar ao produzir a calda. Calma que eu explico melhor, se você não tiver entendido. Por enquanto, tome nota desta poção da juventude eterna:

BROWN DERBY

INGREDIENTES

  • 2 doses de bourbon ou tennessee whiskey.
  • 1 dose de suco de toranja (aka grapefruit). Normalmente não sou muito fresco sobre usar sumo pronto, mas, neste caso, faça-me o favor de espremer na hora. Suco de toranja é dificil de encontrar, e se você achar, há razoáveis chances de já ter açúcar ou adoçante.
  • 1/2 doses de calda de Mel (aqueça 1 parte de água e adicione 1 parte de mel. A proporção é de um para um, independente da quantidade. Aqui você pode aumentar a quantidade de mel até uns 3/4, se achar que o coquetel está azedo. Ou isso, ou aumentar a dose de calda mesmo).
  • Taça Coupé
  • gelo
  • Coqueteleira

PREPARO

Bata o bourbon, suco de toranja e a calda de mel em uma coqueteleira com gelo e desça na taça coupé. Simples assim.

 

Dupla Nacionalidade – Nomad Outland Whisky

nomad-o-cao-engarrafado-0284

Se você acessou o Cão Engarrafado, é muitíssimo provável que tenha notado o cachorro ali de cima. É engraçado que, mesmo que isto seja um blog sobre whisky, muita gente me pergunte sobre ele. O cão do Cão. Então resolvi que hoje vou falar um pouquinho sobre nosso garoto propaganda e revelar sua identidade.

Seu nome é Maverick. Ele é um mini collie – também conhecido como Sheltie – ainda que a gente ache que a parte do “mini” foi esquecida durante sua concepção. Ele tem seis anos, e pesa em torno de dezesseis quilos. Um pouco grande, mas tudo normal até aqui.

Acontece que o Maverick é, na verdade, um gato por dentro. Ou melhor, um gatorro. Porque por mais estranho que pareça, ele raramente quer algum contato. Ele passa o dia andando pela casa e olhando com desdém para as pessoas e não é muito chegado em gente nova. Além disso, ele despreza biscoito de cachorro, mas é apaixonado por atum em lata. O Maverick pode ter nascido cão, mas, por dentro, bate um coração cheio daquele ódio passivo tão característico dos gatos.

Se eu pudesse comparar o Maverick com algum whisky, este certamente seria o Nomad: Outland Whisky. Um blend de whiskies escoceses, mas com alma incontestavelmente espanhola. Ou, como a garrafa mesmo diz: Nascido na Escócia, mas criado na Espanha.

Aliás, sua genética ibérica é tão forte que ele nem pode ser chamado de blended scotch whisky. Porque, para isto, ele teria que ter passado sua maturação integralmente na Escócia, de acordo com a Scotch Whisky Regulations de 2009. E não é isso que acontece. O Nomad é finalizado na Espanha, mais especificamente, na vinícola Gonzalez Byass, em Jerez.

Um brinde a boas ideias como esta!
Um brinde a boas ideias como esta!

O Nomad é fruto da colaboração entre Richard Paterson – o homem por trás do single malt The Dalmore e os blends da Whyte & Mackay – e Antonio Flores, master distiller da Gonzalez Byass, famosa bodega de vinhos espanhola.

Ele é composto por mais de trinta whiskies, entre single malts e whiskies de grão, cuja idade varia entre cinco e oito anos. Até aqui, nada o diferenciaria de um blended scotch whisky tradicional.

A grande diferença está na sua maturação. Depois de reunidos, os whiskies passam mais três anos em barricas que antes continham vinho Jerez, num processo semelhante àquele do Whyte & Mackay the Thirteen.

Por fim, o líquido é enviado para a vinícola Gonzales Byass, em Jerez, na Espanha, onde é transferido para barricas de Jerez Pedro Ximénez (PX). Lá ele passa mais um ano. E é por conta deste último passo em sua maturação que o Nomad se auto denomina Outland Whisky – e não Scotch Whisky.

E este derradeiro ano em território estrangeiro que muda sua alma. Porque sob influência do clima quente da região da Andaluzia, a maturação nas barricas de PX ocorre muito mais rápido. Há mais expansão e contração, graças à maior amplitude térmica.

E ainda que este intercâmbio corresponda a aproximadamente um décimo de sua idade – basta fazer a conta – é ele que molda o caráter definitivo do outland whisky e lhe concede a personalidade jerezana.

A Gonzalez Byass

O Nomad é bastante puxado para o vinho Jerez PX. Possui aroma claro de uvas passas, panetone, especiarias e chocolate amargo. O final é doce e frutado. Se este Cão o provasse em um teste cego, muito provavelmente pensaria se tratar de um single malt.

O Nomad não está à venda no Brasil. No entanto, neste caso, há uma vaga esperança. É que outros produtos da Gonzalez Byass – como Jerez fino Tio Pepe e o brandy Lepanto – são trazidos pela importadora Inovini para nosso país. Por isso, quem sabe, em um futuro breve possamos contar com a visita desde nômade por aqui, capaz de encantar corações escoceses, espanhóis e, claro, brasileiros.

NOMAD OUTLAND WHISKY

Tipo: Blended Whisky sem idade definida

Marca: Nomad

Região: N/A – Escócia / Espanha

ABV: 40%

Notas de prova:

Aroma: adocicado, frutas vermelhas, frutas em calda. Vinho fortificado.

Sabor: frutas vermelhas, açúcar mascavo. Um certo amargor final próximo àquele de vinhos do porto e vinhos jerez. Final longo e persistente.

Disponibilidade: apenas lojas internacionais.

Dia Internacional da Mulher – Mulheres do Whisky II

Este é o segundo texto sobre mulheres no mundo do whisky, publicado aqui no Cão Engarrafado. O primeiro contou com a participação da Carolina Ronconi, autora do blog Meninas no Boteco. Confira o texto aqui.


Verão de 1932. A jovem Bessie Williamson desembarca na remota ilha escocesa de Islay. É seu primeiro dia em um trabalho temporário – datilógrafa de Ian Hunter, proprietário e diretor da Laphroaig, uma das mais conhecidas destilarias da ilha. Seu objetivo é permanecer por apenas três meses e reunir dinheiro para seguir seu sonho: tornar-se professora.

Hunter é um homem irascível, mas sua personalidade geniosa parece poupar a menina. Com o tempo ela ganha sua confiança, e aquele trimestre se estende por mais de meia década. A garota– agora com vinte e oito anos – não pensa mais lecionar. Atenta, tenaz e muito inteligente, ela aprende todos os detalhes do trabalho de Ian.

Em 1938 Ian sofre um derrame e falece alguns anos mais tarde. Sem filhos, deixa o negócio da família para Bessie, que acaba tornando-se a mais importante mulher na trilha do whisky até então. Em um dos mais difíceis momentos da humanidade – a Segunda Guerra Mundial.

Eram tempos de guerra, e Williamson consegue convencer o ministério da defesa do Reino Unido a poupar os armazéns da destilaria – que poderiam ser usados como depósitos secretos de armamento. Ela também percebe que sua destilaria precisa mudar de foco para prosperar. Começa então a viajar o mundo, como a primeira embaixadora mundial da bebida. Seu plano dá certo, e as vendas da Laphroaig decolam.

Bessie

Mas Bessie não é a única. Pelo contrário. Ela é uma das muitas mulheres que, com dedicação, esforço e talento, enfrentaram as regras de um mercado iminentemente machista, e provaram que o whisky está longe de ser uma bebida naturalmente masculina.

Conheça aqui mais quatro grandes mulheres importantíssimas para a história e apreciação da melhor bebida do mundo.

ELIZABETH CUMMING

Elizabeth Cumming foi a sobrinha de Helen e John Cumming, fundadores da destilaria Cardhu – hoje, um dos principais componentes dos mundialmente conhecidos blended scotch whiskies da Johnnie Walker. Elizabeth, no entanto, foi muito mais do que uma simples proprietária e diretora. Sob seu comando, a Cardhu foi reconstruída e expandida, ganhou fama e reconhecimento.

E foi graças a Elizabeth que a Johnnie Walker se interessou por aquele negócio. Se não fosse por ela, talvez a cena atual do whisky fosse bem diferente do que é.

ALWYNNE GWILT

Nossa vida pode mudar em poucos segundos. Esta foi a impressão de Alwynne, após participar de uma degustação de whiskies em uma conhecida loja de Londres. Sua paixão e identificação foi imediata.

Em 2011 Alwynne fundou o website misswhisky.com, que fornece informação sobre tudo aquilo que orbita a bebida. A página contém entrevistas com algumas das mais importantes mulheres para a indústria do whisky, além de notícias e histórias sobre o whisky e as incríveis mulheres deste universo. Seu objetivo é desmistificar a crença de que o whisky não é apreciado por mulheres.

ALICE ELIZABETH PARSONS

Alice Parsons é a autora do livro Lore of Whisky, uma das mais importantes publicações especializadas na bebida, e o primeiro livro sobre whisky escrito por uma mulher. A obra fornece um panorama completo das diversas variedades de whisky e sua produção. Segundo ela, o whisky pode mover qualquer pessoa. Seja algo adorado ou desprezado, todo mundo se interessa. Quem poderia discordar?

PAULA LIMONGI

Paula é a representante brasileira dessa lista de ilustres mulheres que apreciam whisky. Formada em jornalismo, Limongi tornou-se embaixadora da Chivas Regal na cidade que mais consome whisky per capita fora da Escócia – Recife.

Para Paula, beber a “água da vida” é algo cultural. Em Recife, Limongi cresceu rodeada pelo consumo de whisky – principalmente na praia, inclusive por mulheres. Sua avó, mãe e tias sempre apreciaram a bebida.

Hoje o trabalho de Paula é promover os whiskies da Chivas Regal e marcas relacionadas, como The Glenlivet e Ballantine’s, organizar degustações e atividades relacionadas a whisky em Recife, propagando – inclusive entre as mulheres – o gosto pela bebida que tanto nos fascina.

Monotemática – Grant’s Family Reserve

A querida Cã me disse hoje que quando estou produzindo algum texto para o blog, as vezes fico uma pessoa monotemática. Ela disse aquilo de uma forma meio neutra, quase como uma constatação científica. E aí, fiquei pensando se era um elogio ou uma crítica. Poderia ser um agrado, afinal, como escreveu Jenny Holzer uma vez em um de seus clichês-pastiches, “a monomania é um prerrequisito para o sucesso”.

Não consegui decidir qual o tom daquela sua frase. No entanto, enquanto refletia, acabei tendo meus pensamentos sequestrados por uma ótima ideia para mais uma prova deste blog.  Falar do Grant’s Finest, um whisky criado por um cara que também tinha uma certa fixação por whisky – William Grant. Antes de analisar o blended whisky, vou contar um pouco a história deste distinto cavalheiro.

William Grant nasceu em Dufftown, Banffshire, em 1836. Trabalhou em uma fábrica de sapatos e na famosa destilaria Mortlach, onde tornou-se rapidamente gerente. Mas William era um homem obstinado e ambicioso – ou melhor, monotemático. Seu sonho era possuir a própria destilaria. E isto tornou-se realidade quando soube que a Cardow (essa é a Cardhu de hoje em dia) venderia seus equipamentos. Com uma oferta de pouco mais que £119,00, conseguiu comprar tudo que precisava.

Menos do que custa um Glenfiddich 21 anos hoje em dia!

Vou ter aqui que fazer uma pequena intermissão em minha própria narrativa. É que disse que William era monotemático. Isso é mentira. Ele era algo como bi-temático. Sua segunda (ou primeira, vai saber) grande paixão era ter filhos. Grant tinha nove deles. Assim, tendo conseguido o equipamento, nada mais natural do que empregar a própria família como mão de obra para construir sua herança.

Em 1887 a obra estava concluída, e a destilaria foi ativada. William Grant batizou-a de Glenfiddich – que significa “vale do cervo”. Imagino que, neste ponto da história, nosso protagonista não sabia bem o que pensar. Se ficava feliz por ter atingido seu objetivo ou triste, por te-lo alcançado e agora não ter mais nada a perseguir.

Aparentemente, foi a segunda alternativa. Porque em 1892 ele resolveu novamente empregar seu sindicato hereditário para construir uma segunda destilaria quase adjacente à primeira. Aquela, por sua vez, foi batizada de Balvenie – em homenagem ao palácio homônimo pertencente ao Duque de Fife, também muito próxima. William faleceu em 1923, quando as duas destilarias já estavam bem estabelecidas.

No início, as duas destilarias forneciam exclusivamente maltes para a produção de blended whiskies, comercializados com um rótulo próprio, cujo nome variou bastante ao longo dos anos, até estabelecer-se finalmente como Grant’s Family Reserve. Onde desembocamos, finalmente, no blended scotch whisky tema desta prova.

O Grant’s Family Reserve possui, até hoje, os single malts The Balvenie e Glenfiddich em seu coração. Além deles há um terceiro single malt, de uma terceira destilaria construída em 1990. A Kininvie, também pertencente à família Grant. Estes três maltes são, aliás, justamente a composição de um blended malt já revisto nestas páginas caninas. O Monkey Shoulder. O Family Reserve, porém, leva também outros single malts, além de whisky de grão da destilaria Girvan – que, adivinhem, também é da familia Grant!

Girvan

Jim Murray, um dos mais conhecidos especialistas em whisky do mundo, em seu livro “Classic Blended Scotch“, descreveu o Grant’s Family Reserve como “um whisky espetacular, um dos mais complexos blends que a indústria jamais produzirá“. Este Cão, em sua humildade, está muito longe da envergadura e experiência de Murray. No entanto, ele suspeita que o grande crítico tenha sido sensivelmente hiperbólico em seu comentário.

O Grant’s Family Reserve é um blend leve – aliás, bem leve – de sabores suaves e quase nenhuma defumação. Ao contrário do que escreveu Jim, ele não é exatamente um whisky multifacetado (exceto no que se refere à garrafa triangular). Mas o que ele perde em complexidade, ganha em drinkability. Não há qualquer dificuldade em bebê-lo puro, além de ser um whisky ótimo como base para coqueteis que exigem scotches mais neutros.

No Brasil, uma garrafa do Grant’s Family Reserve custa, em média, R$ 80,00 (oitenta reais), para um litro do líquido. É um ótimo preço pela oferta. Assim, se você está em busca de um whisky bem honesto e que agradará a maioria dos gostos, o Grant’s Family Reserve é uma excelente opção. Pode ficar tranquilo e voltar a pensar em outra coisa. Deixe a monomania e a monotemática com a gente.

GRANT’S FAMILY RESERVE

Tipo: Blended Whisky sem idade definida (NAS)

Marca: Grant’s

Região: N/A

ABV: 40%

Notas de prova:

Aroma: adocicado, malte, mel.

Sabor: Adocicado, açúcar refinado, mel, cereais. Muito leve e fácil de beber. Bem menos agressivo do que outros whiskies em sua faixa de preço.

 Preço: em torno de R$ 80,00 (oitenta reais)

 

Luxo Portátil – The Trunk by The Macallan

O pôr do sol projetado em feixes, atravessando as diminutas janelas de um enorme hangar. Em seu interior, jatos executivos, helicópteros e automóveis de luxo, dividindo espaço com elegantes homens de terno. No porta-malas de um esportivo, uma belíssima caixa de couro, contendo três garrafas de single malt The Macallan e um curioso aparato cor de cobre.

Pode parecer o prólogo de algum filme de James Bond. Se fosse, no entanto, os homens estariam armados. Aquela curiosa peça de metal maciço provavelmente seria uma ogiva nuclear, pronta para aniquilar a cidade. E todos estariam tensos, aguardando a chegada do agente menos secreto do mundo.

Mas lá não havia nenhuma tensão. Aliás, muito pelo contrário. Todos pareciam relaxados, e conversavam animadamente com copos de whisky na mão. Porque aquilo não era um filme de espião. Era o Hangar Passaro Azul em Congonhas. Foi lá que aconteceu o lançamento de um exclusivíssimo kit da The Macallan na última quarta-feira, dia 22 de fevereiro. O The Trunk, um baú de madeira produzido artesanalmente, revestido de couro nobre e alcântara em seu interior. Interior, aliás, recheado de maravilhas.

O The Trunk contém um Ice Ball Maker – uma peça metálica capaz de moldar os famosos gelos esféricos, perfeitos para gelar a bebida, mas com a menor diluição possível – copos tumbler exclusivos e uma pinça de cobre. O kit ainda conta com uma garrafa de cada expressão da destilaria à venda no Brasil: Amber, Sienna e Ruby. Cada um sai pela pechincha de R$ 15.000,00 (quinze mil reais). Os baús são numerados e gravados a mão.

O Lançamento do The Trunk contou também com a participação da CB Air, conhecida empresa de fretamento de jatos e helicópteros executivos e da concessionária CB Motors, especializada em Mercedes-Benz. Os baús foram distribuídos nos automóveis e aeronaves e pareciam absolutamente integrados com o ambiente luxuoso. Aliás, um dos destaques do evento – além dos belos whiskies, claro – foi a possibilidade de visitar o interior das aeronaves e conhecer um pouco mais sobre seus detalhes.

Caso você esteja preocupado, ele também cabe dentro do seu Agusta AW139.

Apesar do peso do Ice Ball Maker, o The Trunk foi desenvolvido para ser totalmente portátil. As paredes da caixa e ferragens são ultra-resistentes e o peso é uniformemente distribuído quando carregado. As garrafas, copos e a peça de cobre são presas por resistentes tiras de couro, garantindo que mesmo na turbulência mais intensa, nenhum The Macallan seja desperdiçado no carpete de seu jatinho.

Se você se interessou pelo The Trunk e tem o capital necessário para a empreitada, saiba que há apenas onze peças disponíveis. Elas poderão ser adquiridas em contato direto com a Aurora, responsável pela importação dos single malts The Macallan para nosso país.

Tão portátil que cabe em um hangar gigantesco, junto com seus dois jatos particulares, dentro de sua Mercedes ML.

 

 

Bebendo o Oscar – Whiskies para assistir os filmes do Oscar

Whiskies para o Oscar - O Cão Engarrafado

Ligo a televisão e sou imediatamente lembrado. Estamos nos aproximando do Oscar, a mais conhecida – e consequentemente polêmica – premiação no mundo do cinema.

O Oscar é um déja-vu anual, quando centenas de celebridades se reúnem sob um tapete vermelho assistir a Merryl Streep levar uma estatueta para casa. Há também uma festa com entrevistas, onde você pode novamente ouvir informações relevantíssimas, como a que a Cate Blanchett é a mais bem vestida, e meios-discursos traduzidos para o português tão bem quanto os títulos dos filmes indicados.

Apesar do calvário que é ver a premiação, eu gosto do Oscar. E me obrigo a, anualmente, assistir ao maior número de filmes com indicações. Não sei bem porque, afinal, minha opinião sobre eles é tão relevante quanto a de uma criança de três anos sobre astrofísica.

Este ano, porém, resolvi colocar este inútil exercício de tenacidade em bom uso. Escolhi quatro filmes que assisti e os relacionei com algo que tenho mais liberdade para faler sobre. Whisky. O resultado foi esta improvável lista, comparando alguns momeados pela Academia com o melhor líquido do mundo. Pode parecer inútil, e na verdade é. Mas com um pouco de abstração, você poderá escolher o filme a assistir com base em seu paladar para whisky.

And the Oscar goes to…

Hell Or High Water

hell or high water - Cão engarrafado

Hell or High Water – A Qualquer Custo, em português – conta a história de dois irmãos  que fazem de tudo para salvar o sítio da família, no interior do Texas. De tudo, menos renegociar o vencimento da dívida (o que resolveria o problema, mas aí, não teria filme). Como nos clássicos filmes de faroeste, os irmãos preferem recorrer às vias de fato assaltando bancos. A primeira impressão que temos é que os dois são caubóis amadores, desesperados e com pouca metodologia. No entanto, no decorrer do filme, percebe-se que há uma certa meticulosidade. E que há muito mais por trás de seus atos do que simplesmente proteger um pedaço de terra seca.

O filme tem um quê de Paris, Texas. Sem a Natassja Kinski. E sem a direção de Wim Wenders, e sem a profundidade existencialista deste. Mas, assim como ele, há muitas cenas de deserto, estradas retas e lugares (para ser politicamente correto) pitorescos.

Ainda assim, Hell or High Water é um bom western. Um western que se passa nos tempos modernos. Assim, nada mais natural do que escolher o Bulleit Bourbon como seu acompanhante ideal. Um whiskey que se autodenomina Frontier Whiskey, com rótulo torto e cara de mal encarado. Mas, na verdade, um bourbon recém-lançado (a Bulleit foi fundada em 1987), relativamente domesticado e excelente para coquetelaria ou para se tomar puro. Prazer descomplicado sem apelação.

La La Land

La la land - O cao engarrafado

Cara, como eu odeio musicais. Só tem uma coisa no cinema que me irrita mais do que aquele momento em que o personagem começa a cantar um diálogo com o outro: gente comendo pipoca. Mas, por sorte, em La La Land não tive que aturar nenhum destes martírios.

Minha sessão estava praticamente vazia, e as músicas não atrapalham – nem contribuem, veja bem – para a narrativa. Então tudo bem. La La Land é, aliás, basicamente isto. Uma comédia romântica musical para quem não gosta muito de comédias românticas, nem musicais. O que é uma outra forma de dizer que ele não é bom nem como comédia, nem como musical. Por outro lado, a leveza do filme, aliada à excelente direção de Damien Chazelle, o tornam difícil de se detestar.

Por conta disso, talvez seu par perfeito no mundo dos whiskies seja o Chivas Regal 18 anos. Equilibrado e suave, seu principal propósito é agradar aos mais diferentes paladares. Apesar disto – e ao contrário do musical de Chazelle – o Chivas 18 agradará tanto aqueles que procuram suavidade quanto os que buscam personalidade.

Manchester a Beira Mar

manchester-by-the-sea-o cao engarrafado

Manchester by the Sea, milagrosamente traduzido como “Manchester a Beira Mar”, é um filme sobre tristeza e perdão. Só que bem mais tristeza do que perdão. A película conta a triste história – atual e pregressa – de Lee Chandler, um homem desiludido que se vê obrigado a assumir a guarda de seu sobrinho de dezesseis anos após a morte de seu irmão e pai do rapaz. Tudo no filme parece remeter a languidez. A tristeza dos personagens é complementada por cenas de Manchester cinza e cheia de neve, ao som de violinos tocando uma espécie de réquiem. É de se cortar os pulsos ao som de Mendelssohn. Há certo humor subliminar, mas o drama é o grande imperador do filme.

Drama e oceano. Nada mais apropriado, neste caso, do que um representante de Islay. Ficamos entre o Laphroaig Quarter Cask e o Ardbeg 10 anos. São whiskies defumados e com clara influência marítima. Assim como o filme, não são fáceis – inclusive, a Laphroaig admite que seus maltes são uma questão de “ame ou odeie”. Nós adoramos.

A Chegada

arrival - o cao engarrafado

A Chegada (também incrivelmente traduzido fidedignamente do inglês The Arrival) é um filme de ficção científica de Denis Villeneuve, diretor de muitos filme quase-legais que a gente quase consegue gostar, como Sicario e Os Suspeitos (Prisioners). Mas, ao contrário de seus predecessores, The Arrival é realmente bom, sem quases.

O filme estrela Amy Adams no papel de uma talentosa linguista chamada pelos Estados Unidos para tentar se comunicar com uns extraterrestres – conhecidos como heptapods – que surgiram na Terra em naves parecidas com M&Ms gigantes. A missão de Amy é descobrir por que eles resolveram vir até aqui. Mas a tarefa não é simples. Porque – sem estragar o filme caso você não tenha visto – a linguagem dos ETs, assim como quase toda linguagem do mundo, passa pela noção que aquelas criaturas tem de conceitos como tempo e vida. Esses conceitos não apenas se expressam na linguagem, mas também nas atitudes dos heptapods. 

Há romance, há drama familiar e há (bem pouca) violência. Afinal, é um filme de Hollywood. Mas, apesar de tudo isto, para este ébrio Cão, por trás de toda parte pseudo-científica, A Chegada é um filme sobre a linguagem, suas ambiguidades e limitações. E, bom, sobre ETs.

Talvez o whisky mais apropriado para descrevê-lo seja o japonês Yamazaki 12 anos. Complexo, mas capaz de ser apreciado mesmo por aqueles que não estão buscando descriptores aromáticos a cada gole. Uma pena que sua importação tenha cessado, e ele não esteja mais disponível em terras tupiniquins. Quer dizer, até ele voltar. E sumir de novo. E voltar. Não entendeu? Pare de ler e vá ver o filme.