Na matéria desta semana, vou recorrer, mais uma vez a Wittgenstein. “O homem é um animal ritualístico“. Ou de uma forma mais poética, a Clifford Geertz. O homem é um animal suspenso em uma teia de significados que ele mesmo teceu (…). A cultura é esta teia“. Somos mesmo, bichos que gostam de uma cerimônia. Do mais simples aperto de mão à mais opulenta coroação. Ritos são parte de nossa comunicação diária, e definem nossa cultura e comportamento.
Em Edimburgo, acontece, anualmente, uma cerimônia que encapsula a essência da observação de Wittgenstein e Geertz. A Cerimônia das Chaves. É um ritual, em que o Lorde Reitor cede as chaves simbólicas da cidade ao monarca, que as devolve, apontando que ninguém melhor do que aquele cedente como guardião daquelas. É só isso.
A Cerimônia das Chaves geralmente acontece em julho, e marca o início do período de férias da monarquia britânica na capital escocesa. Em outras palavras, é basicamente quando o proprietário do AirBnB que o rei vai ficar entrega as chaves da casa pra ele. Só que a casa é a Escócia inteira.
É este breve rito que a Royal Salute, marca de blended whiskies de luxo escocesa, presta homenagem com seu lançamento. O Royal Salute 30 anos Keys to the Kingdom. A referência não é novidade. A marca sempre se pautou em datas importantes da realeza para inspirar seus whiskies. É o caso do recente Coronation Blend, criado para marcar a coroação de Charles, que virou rei na flor da idade.
Ao contrário do Coronation Blend, entretanto, o Royal Salute 30 anos Keys to the Kingdom não é uma edição limitada. Mas, sim, uma nova expressão permanente na linha de whiskies da Royal Salute. Por conta disso, é bem difícil encontrar qualquer informação específica sobre o blend, incluindo seus ingredientes. É óbvio: a receita deve ser adaptável a cada período, para que o padrão e perfil sensorial sejam mantidos.
De acordo com Nathan Wood, embaixador global da Royal Salute “30 anos é um período incrível de maturação. Ele envelhece tanto em abrris de carvalho americano quanto europeu. E é uma expressão levemente mais defumada que os Royal Salute tradicionais, mas ainda assim, um blend com perfil clássico de Speyside“. A base, segundo Nathan, continua sendo o single malt Strathisla.
Sensorialmente, o Royal Salute 30 anos Keys to the Kingdom traz no aroma uma sutil nota enfumaçada, seguida pelo tradicional floral presente nas demais expressões. No paladar, é levemente enfumaçado também – a ponto de lembrar o Lost Blend – mas mais puxado para amêndoas. Há um frutado, que sugere o uso de barris de ex-jerez nos whiskies que o compõe. Para este Cão, apaixonado por whiskies defumados, o Royal Salute 30 anos Keys to the Kingdom é quase o gabarito de um blended whisky de luxo. A drinkability é assustadora.
É até engraçado, isso. Porque você tem que, mentalmente, contornar o fato de que a garrafa – que tem quinhentos mililitros – custa cinco mil reais. Ainda que o preço seja bem compatível com um whisky de luxo altamente maturado como ele, pensar nos cifrões ingeridos torna-se quase um exercício de culpa. Apesar disso, trazer o copo à boca é um ato praticamente automático. Não há qualquer cerimônia.
Muito provavelmente, o Royal Salute 30 anos Keys to the Kingdom é uma extravagância. Mas, como disse Wittgenstein, somos animais ritualísticos. Não tem nada demais em entregar uma chave para outro ser humano. Mas receber as chaves de Edimburgo clama por uma cerimônia. E o Royal Salute 30 anos Keys to the Kingdom é daqueles blends capazes de transformar qualquer momento mundano em uma cerimônia real.
ROYAL SALUTE 30 ANOS KEYS TO THE KINGDOM
Tipo: Blended Whisky
Marca: Royal Salute
Região: N/A
ABV: 40%
Notas de prova:
Aroma: frutado e levemente enfumaçado, com nozes.
Sabor: Frutas vermelhas, amêndoas, alcaçuz. O final é longo e levemente enfumaçado, com baunilha.
comentário ridículo e de mau gosto, no rodapé da 2ª foto.
Oi Zé, acho que voce nao entendeu. É que o rei sempre anda com seus documentos pessoais – o personal ID, Driver’s Licence etc (aliás, ele é até piloto licenciado né?!). – muito próximo a ele. Se ele for nadar, dar um pulo numa piscina etc., pode molhar. Aí não é bom secar na cortina, porque pode dar fungo né?
gostei do trecho
“Ainda que o preço seja bem compatível com um whisky de luxo altamente maturado como ele, pensar nos cifrões ingeridos torna-se quase um exercício de culpa. ”
você escreve com um linguajar elaborado, gostei. Abraços do Paraná
haha! Muito obrigado, caro Leonardo!