Bowmore 12 anos – Renúncias

O filósofo existencialista Jean-Paul Sartre escreveu que somos livres porque podemos escolher. Mas que cada escolha é uma renúncia. Já o dinamarquês Søren Kierkegaard – aliás, não faço a menor ideia de como se pronuncia um ó cortado – delineou que é o ato de fazer escolhas que traz significado à vida. O que é bem curioso vindo de um cara cujo sobrenome é uma variação de Kirkegård, que significa cemitério em sua lingua, e que morreu aos quarenta e dois anos de idade. Mas deixemos o senso deturpado de ironia de lado. Pela doutrina da dupla sertaneja do existencialismo Søren e Sartre, somos a soma de nossas escolhas. Não das pequenas, claro, porque você pode escolher comer um dogão um dia, miojo na outra e depois uma pizza, e isso não fará muita diferença na sua existência, exceto se continuar se alimentando estupidamente por um longo prazo. Mas, das maiores. Escolher um ofício significa renunciar a todos os outros, por exemplo. Deixar de escolher algo também, porque não tomar qualquer decisão é, na verdade, decidir pela passividade. Entretanto, as escolhas são limitadas por nossas possibilidades. A liberdade, para eles, na verdade não está em poder ser YOLO e sair […]

Bowmore Vintner’s Trilogy 18 – Manzanilla Cask – Drops

Talvez você seja um apreciador de vinhos. Ou, talvez, você goste apenas de whisky. Mas há uma coisa inegável. O mundo daqueles possui uma enorme influência no deste. Isso fica claro observando a quantidade de whiskies que possuem alguma espécie de maturação em barricas previamente utilizadas para vinho. Um exemplo é o recente lançamento da Johnnie Walker aqui no Brasil – o Blender’s Batch Wine Cask. Outra, o maravilhoso Port Charlotte MRC:01, finalizado em barris de ex-Mouton Rothschild. Mas não apenas eles. Há uma miríade de maltes e blends envelhecidos em barricas de vinho de diferentes tipos, como jerez, porto, madeira e sauternes. Há, porém, uma certa dificuldade em se trabalhar com barricas de vinho quando se tem um malte predominantemente defumado. Em muitos casos, os aromas e sabores frutados daquele fermentado acabam sobrepujando o enfumaçado do new-make. E, em outros, é o contrário – a fumaça eclipsa a barrica e seu conteúdo prévio. Encontrar um equilíbrio é difícil. Exige conhecimento e tempo. Mas isso, a Bowmore – a mais antiga destilaria da ilha de Islay – tem de sobra. Eles são reconhecidamente uma das destilarias que mais bem trabalha com essas influências aparentemente conflitantes. Prova disso é a Vintner’s […]

Bruichladdich Black Arts – Drops

A maioria das coisas que compramos, passam, em algum momento, por uma decisão racional. Claro que a primeira coisa que avaliamos é o preço. Mas entre produtos equivalentes, procuramos sempre qualidades que nos interessam para tomar uma decisão. Um celular por exemplo. Preferimos certa marca a outra porque a câmera é melhor, ou porque a definição de tela é mais acurada. Vamos pensar em um mercado cujo consumidor é bastante desenvolvido, e que a maioria das decisões é feita com base em fatos. O de automóveis. Imagine um mundo em que você pode comprar uma McLaren. Pensando bem, não imagine, porque talvez você possa. Imagine um mundo em que eu posso comprar uma McLaren. Aí, certo dia, a marca inglesa resolve vender um carro sem passar quase qualquer informação ao consumidor. Ou melhor, tudo que ela diz é “de forma a explorar a relação exotérica entre a gasolina e os pistões, a McLaren lançou um de seus melhores automóveis até agora“. Nada de zero a cem. Nada de torque, informações sobre a transmissão ou emissões. E aí ainda desenha o carro como se ele fosse o cruzamento entre um F-117 e um gramofone. Eu provavelmente pensaria que a marca enlouquecera. […]

Drops – Bowmore Feis Ile 2008

Você sabe o que é a Feis Ile? Feis ile é a maior festa anual da ilha de Islay, famosa pela produção dos whiskies turfados. Feis Ile celebra a cultura de Islay. Há aulas de gaélico, peças tradicionais, campeonatos de golfe e boliche e infinitas degustações de whisky. Há também uma miríade de atividades curiosas. Como, por exemplo, observação pública de aves e campeonato de pesca com mosca, além de shows de grupos de folk-rock. Mas nada disso é muito importante. O importante são as garrafas comemorativas. Para a Feis Ile, as destilarias de Islay costumam lançar edições limitadas comemorativas, muitíssimo concorridas por colecionadores – e por certas lojas, que preferem comprar direto da fonte e guardar as garrafas, para que valorizem. Por conta disso, durante a festa, a ilha é invadida por centenas de turistas e entusiastas da melhor bebida do mundo. Alguns chegam a acampar do lado de fora das destilarias para ter a chance de colocar as mãos em uma dessas edições. Outros, porém, tem mais sorte. Graças à generosa insanidade da Single Malt Brasil este Cão teve a oportunidade de provar uma dessas singelas jóias. O Bowmore Feis Ile 2008, servido em uma degustação no Rio de […]

The Botanist Gin – Spinoff

Quando eu era adolescente, eu via bastante televisão. Aliás, talvez a única coisa que eu fazia mais do que ver TV fosse comer. Mesmo porque dava para comer vendo TV. Assumo que o hábito de passar horas na frente da tela com um pacote de bolacha recheada e um balde de coca-cola normal do meu lado não era nada saudável. E provavelmente não ajudou muito na construção de relações interpessoais durante meus anos áureos. Mas, por outro lado, fomentou meu interesse por cinema e, indiretamente, literatura. Uma das séries que mais gostava de assistir era Friends. Friends certamente não era um expoente da alta cultura, mas foi uma febre durante minha adolescência. A série durou dez temporadas – uma expectativa de vida quase impensável para qualquer show televisivo de hoje em dia – e terminou bem onde deveria. Na transição da pós-adolescência para a vida adulta, onde a comédia, a esperança e o sonho perdem território para, bem, deixa pra lá. Mas Friends possui uma mancha em sua alva reputação. Um spin-off, lançado pouco tempo depois, e entitulado singelamente de Joey. O que foge à minha lógica é como alguém poderia achar aquela uma boa ideia. Acompanhar Joey Tribbiani em […]

Drops – Laphroaig 10 Cask Strength

Uma vez falei aqui do Ariel Atom, um automóvel que quase não poderia ser considerado um automóvel. Não há rádio, nem pára-brisas, tampouco ar-condicionado. Não tem teto também, nem portas. Bagageiro, nem pensar. O Ariel Atom é tipo aquela casa muito engraçada da musica infantil, que não tinha nada. E assim como a casa, não tem pinico para fazer xixi. Mas deveria ter, porque dá um medo desgraçado. O Atom possui um volante, um motor violento e o poder de arrancar a pele da sua cara ao acelerar, ao estilo motoqueiro fantasma. O Atom acelera de 0-100 em menos de três segundos. É muito rápido. Mas como para alguns loucos isso não parece o suficiente, a empresa resolveu que lançaria um carro ainda mais forte. O Atom 500, com um motor V8 com 507 cavalos, capaz de sublimar o carro até cem quilômetros por hora em 2,3 segundos. Além de aumentar a potência, a Ariel o deixou ainda mais leve – para compensar o bloco mais pesado – e adicionou uma asa, para aumentar o downforce. O carro ficou a cara de um brinquedo de criança. Um brinquedo muito rápido e absolutamente insano. No mundo do whisky, talvez o paralelo […]

Especial Escócia – Visita à Laphroaig

“Uma mistura maltada com a infusão de turfa em urina de ovelha, filtrada através de meias de lã molhadas e suadas de pastores.” “é como lamber turfa queimada de uma fogueira na praia, que grudou na bota de um pescador”. e minha preferida: “como um dragão em conserva de iodo, assado sobre um vulcão, e servido em uma cama de algas marinhas.”. Não é um campeonato de metáforas nojentas. Não. São opiniões sinceras de consumidores que – assim como este Cão – são apaixonados pela Laphroaig. Estas opiniões fazem parte de uma campanha de marketing, e estão impressas por toda parte na destilaria. E apesar de parecerem todas desfavoráveis, na verdade, são apenas francas. Não há como descrever Laphroaig sem vigor. Se Ardbeg é bravura; Bruichladdich, inovação,Lagavulin, aristocracia, Bowmore, detalhismo e Bunnahabhain sutileza, então Laphroaig é intensidade. Os maltes da Laphroaig são conhecidos como alguns dos mais medicinais e iodados de Islay. Não é bem a turfa que o diferencia. Mas este caráter iminentemente marítimo, que também o torna bem polêmico. Com Laphroaig, a relação somente pode ser de intenso amor ou ódio. Para mim, de amor. A Laphroaig é uma das minhas destilarias preferidas – e a que mais queria […]

Fogo da paixão – Lagavulin 16 anos

Se você gosta de filmes antigos, talvez já tenha assistido a 12 Homens e Uma Sentença (12 Angry Men). Não é muito fácil descrevê-lo positivamente com base somente em seu roteiro. É um filme cult dos anos cinquenta, baseado em uma peça teatral. Ele é filmado em preto e branco e se passa totalmente em uma única sala, onde os personagens discutem princípios éticos e valores sociais sem parar por uma hora e meia. Apesar do descritivo torná-lo tão tentador quanto ficar nu e levar uma surra de um pé de cabra enferrujado ao som de Katy Perry, o filme é bem bom. O ritmo é excelente e os diálogos incrivelmente engajadores para o tema. Ele trata da relativização das normas, da justiça e da inegável diferença entre o mundo do ser e do dever ser. Mas o mais incrível sobre 12 Homens é que, pelo jeito, todo mundo gosta dele. Ele está entre os cinco melhores filmes do mundo no website IMdB, e possui cem por cento de aprovação no Rotten Tomatoes. Além disso, foi listado como um dos melhores filmes do mundo pelo crítico Roger Ebert, e eleito um dos 100 mais inspiradores pelo American Film Institute. De certa […]

Especial Escócia – Visita à Lagavulin

Bruichladdich é inovação, Ardbeg é bravura. Lagavulin, por sua vez, é aristocracia. A Lagavulin é o representante perfeito de um cavaleiro medieval no mundo dos whiskies. Por fora, elegante, polido e respeitado. Mas, ao mesmo tempo, violento e direto. Ele foi por muito tempo meu single malt preferido, e provavelmente um dos lugares que mais queria conhecer em minha vida. Ter a oportunidade de atravessar os corredores da destilaria e participar de uma degustação lá, onde o líquido é produzido, foi incrível. Tudo que emana do copo está representado em seus ambientes. As instalações da Lagavulin são o lugar-comum da cultura do whisky. Chão de madeira que range a cada passo, não importa quão leve. Poltronas botonê de couro, lareira e galhadas de cervos penduradas na parede. Luz quente e luminárias verdes. E claro, infinitas cristaleiras, exibindo todas as glórias daquela destilaria. Se uma garrafa de Lagavulin pudesse agir como uma pessoa, sua casa seria decorada justamente daquele jeito. Ao contrário do que aconteceu com as demais destilarias, não pudemos percorrer os prédios da Lagavulin. Nosso tour permitia apenas a uma degustação em um de seus saguões, acompanhados de uma guia – que aliás, parecia tão apaixonada pela destilaria quanto […]

Ardbeg An Oa – Sobre o Caos

Sabe, eu não acredito muito em destino. Na verdade, é bem o contrário. Acho que estamos aqui bem por acaso, que o mundo é um enorme caos que tende, cada vez mais, à entropia. Arrumar é mais difícil que bagunçar, encontrar é mais penoso do que perder. As coisas naturalmente se deterioram, ainda que, implacavelmente, tentemos conservá-las. É um movimento antinatural, em um universo que não é muito mais do que uma enorme bagunça. Destino é meramente coincidência. Deixe-me explicar, sem soar pedante ou descrente, com uma metáfora bem imbecil. O destino é uma espécie de roleta de cassino. Quando a bolinha estaciona em uma casa que não apostamos, simplesmente ignoramos o resultado. Não há reconhecimento. Porém, se ela porventura acabar naquela que elegemos, bem, aí nos deslumbramos com o destino. Reconhecemos que aquela bolinha e nós estávamos predestinados àquele resultado. Mas vou assumir algo aqui. Ainda que eu acredite nisso na maioria das vezes, em poucas delas, é realmente difícil aceitar que não existe qualquer espécie de destino. Uma delas aconteceu comigo há poucas semanas. Havia marcado uma viagem à Escócia, para visitar as destilarias de Islay. Sem qualquer razão específica, apenas curiosidade. No dia do meu embarque, soube […]