Escolha rápido: Rolling Stones ou Beatles? Ferrari ou Lamborghini? Batman ou Iron Man? Eva Green ou Scarlett Johansson? E se sua preferência for por homens, Brad Pitt ou Tom Cruise? Você provavelmente ficou em dúvida com alguma das escolhas anteriores, certo?
Existe um nível de excelência em que fica realmente difícil apontar um vencedor. Ou argumentar, com propriedade, qual é melhor. Eu preferiria não ter que escolher. Sério mesmo que eu não posso comer um spaghetti carbonara com pancetta e outro com bacon?
Aliás, escolher entre duas coisas excelentes é ainda mais difícil do que entre duas coisas péssimas. Tipo, sei lá, fazer um tratamento de canal sem anestesia ou passar o resto dos meus dias ouvindo apenas Anitta no rádio. Eu não teria dúvidas. Ficaria com o canal, fácil. Pelo menos o tratamento acabaria em umas duas horas no máximo, e seria bem menos doloroso.
Já que falei da Anitta, para elevar o nível desse blog, citarei o filósofo existencialista francês Jean Paul Sartre, que certa vez escreveu que “cada escolha é uma angustia”. Sartre, ao conceber essa frase pela primeira vez, provavelmente olhava com indecisão para a prateleira dos whiskys de uma magasin d’alcool, tentando escolher entre o de Laphroaig 18 anos e o Lagavulin 16 anos.
E se eu fosse Sartre, também não conseguiria escolher. É que os dois são tão excepcionais quanto semelhantes. Ambos são produzidos por destilarias localizadas à beira do mar, na costa de Kildalton, na parte sudeste da ilha de Islay, na Escócia. A cevada maltada, matéria prima dos dois, passa pelo mesmo processo de secagem utilizando turfa, conferindo a eles aroma defumado e medicinal. A Laphroaig, inclusive, compra parte de sua cevada dos mesmos fornecedores da Lagavulin, a Port Ellen Maltings. Além disso, os dois destilados são maturados em barris de ex-bourbon, apenas com uma discreta finalização em ex-jerez, para manter a consistência.
No entanto, além da óbvia diferença de idade, existem certas particularidades no processo de fabricação dos dois. Dentre elas, está a turfa utilizada como combustível para secar a cevada maltada, que é extraída de locais diferentes de Islay. Por essa razão, o aroma conferido aos destilados é diferente. Além disso, há diferenças na altura e formato dos alambiques das duas destilarias, o que tem resultado direto no destilado por eles produzido – os alambiques da Laphroaig tem seu pescoço voltado para cima, produzindo refluxo e selecionando apenas a parte mais leve do destilado, enquanto que o pescoço dos da Lagavulin é voltado para baixo, favorecendo a condensação e passagem de mais destilado. Por fim, a graduação alcoólica dos dois é diferente: O Laphroaig tem 48%, enquanto que o Lagavulin, 43%. Mas, como eu disse, ambos são geniais.
As barricas também são bastante semelhantes. Ambos são maturados em barricas de carvalho americano, que antes maturaram bourbon whiskey, e usam barricas de ex-jerez apenas numa breve finalização. A Laphroaig, inclusive, utiliza barricas que antes amadureceram o conhecido bourbon Maker’s Mark. A maturação do Laphroaig ocorre integralmente em sua destilaria, próximo ao mar. Já as barricas de Lagavulin maturam tanto na prória destilaria, quanto em outras destilarias da Diageo. Entretanto, segundo a própria Lagavulin, aquelas enviadas para fora de Islay são utilizadas apenas nos blended whiskies do grupo Diageo, e não na produção de single malt. E eu já disse que os dois são uma delícia?
Tanto o Laphroaig 18 anos quanto o Lagavulin 16 anos possuem aroma bastante defumado. O Laphroaig 18 anos é mais adocicado, e tem um final mais cítrico e salgado. O aroma defumado e o sabor levemente frutado escondem bem a graduação alcóolica. Já o Lagavulin 16 anos é mais encorpado, medicinal e seu final é longo, e lembra um pouco o aroma de grama. Ainda que eu nunca tenha comido grama para realmente confirmar se o sabor também corresponde.
Ambos ganharam diversos prêmios importantes em competições internacionais recentes. O Lagavulin sai na frente, com duplo ouro na San Francisco World Spirits Competition em 2013 e ouro por dois anos consecutivos, em 2013 e 2014 pela International Wine & Spirit Competition. Já o Laphroaig ganhou medalha de prata pela ISC em 2013, e ouro pela San Francisco World Spirits Competition em 2011.
Se você ainda estiver em dúvida, não será o preço que solucionará o problema. Fora do Brasil, o Lagavulin sai por umas £55,00 (cinquenta e cinco libras), enquanto que o Laphroaig custa em torno de £70,00 (setenta libras). Já em nosso país, o Laphroaig 18 anos custa, em média, R$ 500,00 (quinhentos reais), enquanto que o Lagavulin, bem, o Lagavulin não é importado para o Brasil. Por enquanto, os únicos single malts da Diageo disponíveis por aqui são Glenkinchie e o Cardhu.
E se quiser saber qual deles este cão prefere, responderei solenemente que prefiro aquele que estiver mais perto da minha mão. Sério, não dá para errar com esses dois.
LAGAVULIN 16 ANOS
Tipo: Single Malt com idade definida – 16 anos
Destilaria: Lagavulin
Região: Islay
ABV: 43%
Notas de prova:
Aroma: Predominantemente carvão, com verniz e gramíneas e pimenta.
Sabor: bastante defumado e rico, levemente frutado e com amargor acentuado. Sabor final amargo, levemente salgado e bastante prolongado.
Com água: o aroma fica quase totalmente defumado. Na boca, o amargor fica menos evidente e um sabor de frutas secas fica evidente.
Preço: £55,00 (cinquenta e cinco libras)
LAPHROAIG 18 ANOS
Tipo: Single Malt com idade definida – 18 anos
Destilaria: Laphroaig
Região: Islay
ABV: 48%
Notas de prova:
Aroma: defumado, com bastante maresia e aroma de tangerina.
Sabor: Defumado, salgado e mais picante do que o Lagavulin. Final muito mais curto e menos amargo. O gosto residual é de pimenta do reino.
Com água: A agua elimina o aroma cítrico, e o torna mais defumado. Um leve sabor de caramelo surge. A pimenta continua lá, mas o gosto residual fica mais curto.
Preço: £70,00 (setenta libras) ou R$ 500,00 (quinhentos reais)
Beatles, Lamborghini, Batman, Eva Green, Brad Pitt, Laphroaig 18 anos e Lagavulin 16 anos. Sem negociação.
Não consegui abrir nenhum outro texto completo ao clicar (…). Poderiam ajudar?
Grato,
Roberto, clica no título que funciona! 🙂
Parabéns! Textos excelentes.
Não escolha, compre os dois !!! Se não, ao beber um vai se arrepender de não ter comprado o outro também; olha só o problema existencialista que você criou e que vai grudar em você como um carrapato. Não tem psiquiatra, nem filósofo como o Sartre que vai te curar. Nada de arrependimento ou culpa; para single malt de alto nível não tem saída, tem que ter os dois para poder usufruir com prazer, serenidade e consciência de estar frente a uma prova real e líquida da existência de Deus.
PERFEITO
Vindo de sua parte, Mestre Cão, é um grande elogio. Meu ego agradece, mesmo se a minha pessoinha não tem certeza de tal merecimento !
Garrafas queridas, melhor ter as duas e tomar juntas, sem dilema.
Muito bom texto. Saúde!