Chivas Regal Mizunara – Tentáculos

O Japão. Uma nação tão bizarramente fascinante quanto fascinantemente bizarra. Por muitos séculos, especialmente por se tratar de um país insular, o Japão desenvolveu sua cultura com pouquíssima influência exterior. E daí surgiram uma porção de coisas mesmerizantes, como palácios, culinária, samurais e trens que chegam a trezentos quilômetros por hora.

E apareceram também algumas coisas bem esquisitas. O Japão, aliás, tem uma tolerância incrível ao esquisito. Por exemplo, melancias quadradas. Lojas de abraço. Privadas que tocam música. Gente usando orelhas de gato – aliás, uma obsessão incompreensível por felinos, que talvez só seja superada em sua inexplicabilidade pela adorada pornografia com tentáculos. Se vocês duvidam de mim, basta googlar. Ou melhor, não façam isso não. Dados nunca morrem. Daqui duzentos anos, seu legado digital ainda estará manchado por pornografia com tentáculos (não clique aqui, por exemplo).

Meu carro tem menos botões.

E tem o whisky. Os japoneses também são obcecados por whisky. Tanto é que no começo do século vinte, dois malucos – Masataka Taketsuru e Shinjiro Torii – resolveram que produziriam whisky tão bom como o escocês por lá. E conseguiram. Atualmente, o whisky japonês é uma febre tão grande que a própria Escócia voltou seus olhos – e língua – para o país, para inspirar algumas de suas criações. E é daí que surgiu o tema desta prova. O Chivas Regal Mizunara.

De acordo com a Chivas Regal, a concepção do Chivas Regal Mizunara partiu de Colin Scott, ex-master blender da marca, durante uma viagem ao Japão. Colin teria se baseado no Chivas Regal 12 anos e criado um whisky para agradar ao paladar japonês. E, para isso, decidira utilizar barricas de carvalho japonês para maturar alguns maltes que compuseram o blend.

Aqui, deixe-me fazer uma pausa para uma explicação talvez sonífera. O carvalho japonês, também conhecido como Mizunara. Mizunara na verdade define duas espécies diferentes de carvalho, cujos nomes científicos são quercus mongolica e quercus crispula. Ambos crescem no leste asiático e Japão. A madeira de Mizunara é clara – próxima àquela do carvalho americano – bastante porosa e um tanto quebradiça. Para se produzir um barril de mizunara, as árvores de quercus mongolica devem ter aproximadamente trezentos anos. Já as de quercus crispula, duzentos anos de idade. Uma madeira muito jovem é ainda mais frágil e maleável.

Por conta disso, o preenchimento e armazenamento de barricas de mizunara demanda um cuidado especial. A madeira é bastante propensa a rachaduras e vazamentos. Assim, mesmo no Japão, tradicionalmente se usa mizunara mais para finalizar whiskies, aportando complexidade sensorial, do que maturar totalmente a bebida. Soma-se a isso o fato de que, por conta da porosidade, a madeira do quercus mongolica é bastante potente, e pode desequilibrar a bebida, se maturada excessivamente.

E para piorar ainda mais, apenas uma pequena fração de Mizunara pode ser usada para produzir barricas. O tronco dessas espécies é cheio de nós e porosidades. A taxa de aproveitamento da madeira de mizunara tangencia os 10% – contra mais de 20% do carvalho americano, por exemplo. Isso tudo faz com que as barricas sejam extremamente caras. Para cada barril de mizunara, dá pra comprar mais de vinte de carvalho americano.

Falei que elas existiam!

Sensorialmente, o carvalho japonês traz um sabor que se aproxima mais do carvalho americano (quercus alba) do que do carvalho europeu (quercus robur). Porém, bem mais intenso e carregado em vanilina, que traz o característico aroma de baunilha, bem como especiarias, como pimenta do reino. O que, não por coincidencia, é o aroma predominante do Chivas Regal Mizunara.

Por conta de tudo isso que contei, o uso de Mizunara é bem raro fora do japão. E, mesmo no japão, é incomum. A madeira somente começou a ser utilizada em 1930, quando o país teve dificuldade de importar barricas de carvalho para suas bebidas. Isso torna o Chivas Regal Mizunara um whisky bastante único. Mais ainda, considerando que talvez o segundo rótulo escocês mais conhecido que usa a madeira é o Bowmore Mizunara Cask Finish, que custa a pechincha de oito mil reais – isso se você tiver sorte de encontrar um.

O Chivas Regal Mizunara, sensorialmente, se aproxima do Chivas Regal 12 anos – como seria de se esperar – mas apresenta uma influência clara do carvalho oriental. Há notas de caramelo e baunilha bem aparentes. O whisky chega até a ser levemente desequilibrado para o lado da madeira, o que, aqui, não é nenhum demérito. É um propósito.

No Brasil, uma garrafa custa em torno de R$ 400,00, e por enquanto, está à venda exclusivamente no website próprio da Pernod Ricard, o Drinks & Clubs. Não é exatamente uma pechincha em termos relativos – por R$ 50,00 a mais, leva-se o clássico Chivas 18 anos. Porém, trata-se de uma edição especial, bastante desejada. Assim, se você procura um whisky fácil de ser bebido, mas com personalidade única e uma bela história de fundo, o Chivas Mizunara é perfeito. E incomparavelmente melhor que qualquer coisa gráfica que envolva tentáculos.

CHIVAS REGAL MIZUNARA – 12 ANOS

Tipo: Blended Whisky com idade definida – 12 anos

Marca: Chivas Regal

Região: N/A

ABV: 40%

Notas de prova:

Aroma: floral e adocicado, com caramelo, alcaçuz e baunilha.

Sabor: suave, mas mais intenso que o Chivas 12 tradicional. Madeira, caramelo, baunilha, pimenta do reino, cravo. Final longo e progressivamente mais adocicado.

Com água: A agua torna o whisky menos adocicado.

Preço: Aproximadamente R$ 300 na Drinks & Community, com desconto exclusivo deste Cão Engarrafado: clique aqui

4 thoughts on “Chivas Regal Mizunara – Tentáculos

  1. Quero muito provar este, mestre!
    Talvez seja por ser fã do Chivas ou talvez seja por ainda não ter provado nenhum whisky japonês.
    Eu estava ansioso por esta análise. Agradeço hahaha
    Abraço!

  2. Impressionante como seus textos instigam a conhecermos mais sobre o whisky, garimpei e achei uma garrafa em um vendedor de boa reputação, atualmente está difícil achar esta versão.

    Mas é um blend que me impressionou muito, tem uma característica sensorial inédita para mim (madeira e pimenta do reino muito pronunciados mesmo), o álcool incrivelmente bem integrado me remeteu mais ao 18 que ao 12 anos.

    Mesmo junto de uma turma de gabarito que tenho em casa (glenfiddich 15 anos, chivas 18 anos e johnnie walker swing) ele atualmente é o que mais aprecio. Uma pena ser tão raro, mas nada é perfeito na vida.

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