Dewar’s 15 anos – Do Instinto

Sabe aquele momento que você tem quase certeza que vai morrer, mas luta vigorosamente pela vida? Aqueles derradeiros cinco segundos – quando a luta pela sobrevivência é mais vigorosa? O momento do tudo ou nada? Bem, descobri aos doze anos e pouco, durante um passeio a cavalo na chácara de um amigo, que não tenho nada disso. Vou contar, brevemente, para vocês.

Passeávamos tranquilamente por uma estrada de terra quando meu cavalo, um belo pangaré branco que andava meio de lado, se assustou com algo. Jamais saberei o que foi. Mas, tão somente, que o animal tracionou as quatro pernas e, num pulo, foi direto da marcha ao galope. Assustado, puxei a rédea – inutilmente – e fiz força nos pés, tentando me manter reto na sela.

O que sucedeu não levou mais do que cinco segundos. Ouvi um barulho metálico e perdi o equilíbrio. Me virei para trás – o estribo desprendera, e rodopiava e quicava no chão de areia batida como um ginasta olímpico. Olhei reto, à frente, onde a estrada descrevia um cotovelo fechado. O cavalo não fazia a menor menção de reduzir a velocidade, literalmente, galopante. E, naquele momento, naquele exato momento, um par de segundos antes daquela curva, eu aceitei.

Pronto morri.

Era inevitável. Não estava nervoso – não mais – nem amedrontado. Talvez, apenas um pouco triste por morrer de uma forma tão estúpida tão cedo. Mas, na iminência do desfecho, não havia qualquer tensão porque não havia dúvidas. Balbuciei baixinho algum palavrão desses com “m” ou com “f” que dizemos quando as coisas dão errado e relaxei. Mas, incrivelmente, há menos de um metro daquele desvio, o cavalo parou, me jogando com toda força contra seu pescoço. No final, dolorosamente sobrevivi. Mas descobri que, decididamente, não sou um lutador.

Quer dizer. Não pela vida. Mas, por uma garrafa de whisky, certamente. Mais especificamente, um Dewar’s 15 anos. Era o meio da Black Friday, e, havia arriscado um pulo no supermercado mais próximo de minha casa para conferir as ofertas. E lá, no meio de centenas de garrafas pela metade do dobro do preço estava um Dewar’s 15 anos. O último. Sozinho, ladeado por uma dúzia de outros Dewar’s 18 e 12 anos. Cento e quarenta e poucos reais – realmente, uma pechincha.

Tão logo encostei na garrafa, senti outra mão raspar na minha. Um rapaz de óculos e bigode a segurava do outro lado da prateleira. Essa garrafa é minha, disse. Não é não, não tá escrito Ned Flanders nela retruquei, e puxei com força. Senti que ele ficou ofendido com a alcunha, e puxou mais forte. Notei que a embalagem escorregava pelas minhas falanges. Pensei em desistir. Não, jamais. Peguei uma garrafa de Dewar’s 12 com a outra mão e fiz menção de golpeá-lo com ela. Ele soltou. Maluco, ainda ouvi baixinho. Tratei de passar no caixa rapidamente e voltar para casa.

Já no conforto e segurança do lar, decidi abrir meu prêmio. Tão logo puxei a rolha, notei os aromas daquele blend. Vínico, frutado e adocicado. Muito delicado, e nada defumado – como é tradição na linha Dewar’s. Desci uma pequena dose na taça e dei um gole. Adocicado, frutas amarelas. Bem menos apimentado do que o Dewar’s 12 e o 18 – o que, para mim, talvez tenha sido um tanto desapontador. Afinal, é justamente o equilíbrio entre dulçor e apimentado que torna a linha Dewar’s tão interessante. Além disso, o 15 anos é provavelmente a versão mais adocicada da família, e rivaliza com o magnífico Dewar’s 25 anos em suavidade.

Resolvi pesquisar sobre o whisky. Descobri que ele fora criado pela master blender Stephanie MacLeod e lançado em 2010. Incialmente, no mercado asiático e duty-frees. Depois, distribuído mundialmente até chegar àquela prateleira de supermercados. Seu nome “The Monarch” é uma homenagem a um quadro de 1851 por Edwin Landseer, que retrata um cervo nas highlands escocesas, e foi intitulado “The Monarch of the Glen” – “o Monarca do vale” – e que hoje faz parte do acervo do National Museum of Scotland, em Edimburgo.

Stephanie Macleod

Segui minha pesquisa. O Dewar’s 15 anos tem como protagonistas os single malts do portfólio da Bacardi, proprietária da marca. Aberfeldy é seu coração, com participação de Craigellachie, Aultmore e Brackla. Aberfeldy é bastante adocicado, com mel e própolis. Craigellachie traz dulçor e talvez castanhas. Aultmore é leve e adocicado, com uma incomum nota herbal. E Brackla é vínico e traz frutas secas. É uma combinação interessante – ainda que claramente voltada para o dulçor.

A maturação ocorre em barris de carvalho americano de ex-bourbon e também de carvalho europeu de ex-jerez. Ele emprega um processo conhecido como “double ageing” – após o processo de blending, o whisky é transferido para tonéis de carvalho, onde passa mais seis meses.  Segundo a marca, ainda que esta maturação encareça o processo produtivo, ela também torna o whisky mais suave e harmônico.

Tomei mais um gole do Dewar’s 15 anos. Dessa vez, mais longo, e contemplei o que conseguira. Talvez ter sobrevivido àquele incidente equestre tenha me ensinado algo. A ter resiliência, fibra. Mas, o mais provável é que não. O mais provável é que eu realmente tenha as prioridades todas erradas. Isso, entretanto, pouco importa. Porque, por algumas coisas, realmente vale a pena lutar.

DEWAR’S 15 ANOS

Tipo: Blended Whisky com idade definida – 15 anos

Marca: Dewar’s

Região: N/A

ABV: 40%

Notas de prova:

Aroma: aroma frutado, quase nada enfumaçado, com um certa calda de açúcar e mel.

Sabor: leve, com frutas cristalizadas, mel e baunilha. O álcool quase não é sentido. Final médio e adocicado.

Disponibilidade – Lojas brasileiras e na Caledonia Store.

11 thoughts on “Dewar’s 15 anos – Do Instinto

  1. Cão, preciso reconhecer que talvez eu nunca tenha dado o devido valor que mereça aos dewards, embora já os tenha provado e os definido como bem agradável.
    Mas preciso ser franco, nada como uma resenha dessa para me fazer voltar a prestar mais atenção nesse blend.
    Nem digo sobre sua experiência com o pangaré, que por sinal é muito boa..rs rs….quem nunca né? mas sim pelo fato de te-lo disputado na prateleira do mercado..kk….enfim, de qualquer forma acabou de entrar na lista de próximas aquisições….

    obrigado cão..e um grande abraço

    1. hahahah, apenas nao golpeie ninguem com uma garrafa se comprá-lo no Caledonia, meu caro Luiz! De resto, recomendo 100%!

  2. O melhor na faixa de 150/200 reais , conheci a Dewar’s pelo mesmo e me apaixonei , notei que em meu exemplar o líquido deixava várias gotas sobre o copo comprarei mais um e notarei se esse detalhe persiste.

  3. Eu não sei o que acontece com esse Dewar’s 15, e nem quero entender!

    Whisky excelente, 15 anos e vive nessas promoções. Não sei se uma tática para dominar o mundo ou eles só decidiram distribuir felicidade aos homens de boa vontade – ou ao menos bom gosto. Já cheguei a ter umas 4 latas dessa aqui em casa. Por um tempo eram os brinquedos favoritos da minha filha.

    Só sei que, erro do estagiário, estratégia de marketing, plano sinistro de dominação… se começar a correr o risco de um segundo ou terceiro lockdown vou deixar a estômago de papel higiênico para os fracos, eu vou sair estocando esse Deward’s 15!!!

  4. Caro Maurício,
    Você acabou de fazer um exercício inútil sobre a razão dos nossos ímpetos. Além de inútil, injusto com um garoto de 12 anos que não tinha opções, logo, não tomou decisão. Também já caí de cavalo. Literalmente. No caso nem sela havia e se houvesse não sei até hoje o que poderia fazer.
    Quem sabe definir os homens conforme sua capacidade de resistência e reação é Bertold Brecht. Eu, Sócrates, posso lhe garantir que é uma bobagem. É uma faísca. Pode provocar uma explosão ou pode nem ser percebida.
    O passar do tempo mostrou que o garoto de 12 anos amadureceu como os melhores whiskies. Optar por uma garrafa de Dewar’s 12 anos, e não uma de 18 anos, para golpear o oponente, você fez uma inusitada declaração de amor. Quem nem pela cabeça de Robert Burns passou. Acho… Se era para jogar whisky no chão, que seja um 12 anos. Onde está o inusitado? Você não pensou.
    Recomendo elaborar esse texto icônico, apresentar no consulado britânico e solicitar cidadania escocesa.
    Forte Abraço

    1. Caro Sócrates, como sempre, spot-on. Aquilo é tipo um filme do Indiana Jones – tudo que acontece pouco depende de ação do protagonista!

      Dizem que aquilo que fazemos sem pensar é o que nos define. Justamente, o ímpeto. Não havia pensado na questão do 12 anos, mas sinto que jamais poderia ter agido de outra forma!

  5. Primeiramente parabéns pelo texto, eu me sinto totalmente imerso na história ao ler suas crônicas. Em segundo, mas não menos importante, este whisky é uma boa alternativa ao Chivas XV que disparou de valor ? Obrigado mestre cão.

  6. A minha segunda melhor compra durante a Black fraude. Primeiro o chivas extra por 89 e segundo o monarca por 128.

  7. Caro Maurício após uns bons dois anos sempre olhando para o Dewars 15 anos, e pensando se o adquiria e no final desistindo e sempre migrando para um Double Black ou um Chivas XV ontem tive a oportunidade de compra-lo.
    E que whisky, infinitamente superior ao 12 anos, este é um rótulo que apartir de agora sempre manterei na minha coleção.
    Muito bom para beber com cervejas IPA.
    Abc forte, Gabriel.

  8. Ganhei um dewars 15 e fiquei desapontado, parece muito com o famous grouse. Muito alcoolico, muito doce e pouca entrega. Como qualidade, destaco somente aquela sensação de estar tomando um vinho seco. Acho que o famous grouse entrega algo muito similar, e é bem mais barato.

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