Drink do Cão – Whiskey Sour

Hoje, a caminho do trabalho, meu carro me disse que precisava de revisão. O módulo do controle eletrônico de amortecimento – ou algo assim – não estava funcionando. Chegando lá, liguei para a oficina enquanto preprava um café na nova máquina. Mas me confundi. A secretária atendeu bem na hora em que eu ajustava a temperatura e escolhia se meu expresso seria longo, normal ou ristretto. Acabei fazendo um chafé escaldante. Marquei a revisão do carro às pressas, e, irritado, fui à cafeteria. Pedi um café e um brigadeiro. A caixa então perguntou qual brigadeiro eu queria. Sei lá, brigadeiro não é tudo igual, retruquei. Não, agora temos uma seleção de mais de dez diferentes, tem, por exemplo, paçoca, chocolate belga, pistache, doce de leite, café.

Sabe, não sou um nostálgico da desafetação. Mas naquele dia queria apenas um pouco de simplicidade. Um café espresso, um brigadeiro de brigadeiro e um carro que não sabe falar e que não tira peças com nomes esquisitos da sua metafórica cartola eletrônica. Mas eu sei que esse é um movimento natural das coisas em nossa sociedade. Elas começam simples, mas à medida que o tempo passa, vão se sofisticando. É uma característica que não é exclusiva de cafés, carros e brigadeiros. O whisky sour é um exemplo bem claro no mundo da coquetelaria.

É que a primeira receita escrita do Whiskey Sour figurou no livro The Bartender’s Guide, de Jerry Thomas. E com a graça singela de tudo aquilo que começa a tomar forma, a mistura continha apenas três elementos: açúcar dissolvido em água, suco de meio limão e uma taça de bourbon e rye whiskey. Com o tempo, porém, o drink foi se sofisticando – ou melhor, complicando – e ganhando versões. Cereja em calda, calda de cereja, água com gás. A adição destes elementos na verdade tem uma função clara. Destaque. É uma forma de fugir do comum e criar uma identidade. E todo mundo quer isso hoje em dia.

Whisky Sour

Mas o elemento mais polêmico adicionado ao Whiskey Sour foi, sem a menor sombra de dúvida, a clara de ovo. Este – que muitos atualmente afirmam caracterizar o coquetel – porém, somente figurou em sua receita quase um século mais tarde. E até hoje permanece debatido. Por exemplo, a versão do coquetel ilustrada no Joy of Mixology de Gary Regan (2003) não contém a clara de ovo. E o The Essential Cocktail de Dale DeGroff (2008) a menciona como opcional. A ideia da clara não é alterar o sabor do coquetel, mas melhorar sua textura.

A polêmica a respeito da clara de ovo não tem nada a ver com a originalidade da receita, mas sim com saúde. O ovo cru pode transmitir salmonela, uma desagradável bactéria que causa vômitos, diarreia e todo tipo de sintoma gastro-escatológico. Em alguns casos, a salmonela pode ser até fatal. Acontece, no entanto, que somos bichos bem resistentes, e – considerando um bar que respeita os padrões de higiene – o risco da salmonela é bem pequeno para a maioria de nós.  Ele é relevante apenas quando a saúde estiver bem debilitada, ou para crianças. Aliás, um parêntesis aqui: se você estiver muito doente ou for uma criança, por favor, não consuma coquetéis. Com ou sem ovo.

Originalmente, o Whiskey Sour levava rye whiskey como destilado base. A escolha não era sensorial. Ele era o produto mais fácil de ser obtido na época de sua criação. Criação, esta, que é ligada à do Gimlet e do Grogue. É que durante as longas viagens intercontinentais marítimas, muitos marinheiros sofriam de escorbuto, causado pela falta de vitamina C no corpo. Como não havia suplementos alimentares naquela rudimentar época, o jeito era consumir de frutas. Frutas, porém, podiam apodrecer. Então, o álcool funcionava como um conservante, enquanto o açúcar tornava a mistura mais palatável.  Incrivelmente – e maravilhosamente, em minha opinião – uma coisa complementava a outra também em sabor. E, por isso, a panaceia tornou-se um sucesso. A marinha britânica inventou o Gimlet (com gim) e o grogue (com rum), enquanto os americanos usaram o whiskey de centeio e chegaram ao querido coquetel tema deste post.

Bem, sem mais afetação, meus caros leitores, aí vai a receita de um dos mais famosos coquetéis de todos os tempos. Notem, por favor, que a receita abaixo não é a clássica. Mas é aquela que, na opinião deste canídeo, apenas aperfeiçoa sua singeleza. Sem frugalidades, cafés, brigadeiros e automóveis falantes. Apenas um pouco de clara de ovo, calda de açúcar, whiskey e limão.

WHISKEY SOUR

INGREDIENTES

  • 2 doses de bourbon whiskey
  • 1 dose de sumo de limão siciliano
  • 3/4 doses de calda de açúcar (1:1) – aprenda a prepará-la aqui.
  • 1 colher de sobremesa de clara de ovo
  • gelo
  • Copo baixo
  • coqueteleira

PREPARO

  1. Coloque o bourbon, o sumo de limão, a calda de açúcar e a clara de ovo em uma coqueteleira. Chacoalhe bem forte. Isso se chama dry shake. A ideia aqui é formar a espuma característica da clara.
Não confunda com o harlem shake.
  1. Abra a coqueteleira com cuidado e adicione gelo. Bata vigorosamente.
  2. Desça o conteúdo eum um copo baixo, com algumas pedras de gelo ou – preferencialmente – uma pedra grande.
  3. Beba e brinde à simplicidade.

14 thoughts on “Drink do Cão – Whiskey Sour

  1. Como vai, mestre?
    Realmente, as vezes queremos apenas a simplicidade. Outro dia ia te perguntar se vc, assim como eu, costumava ter um whisky simples por perto. Para aqueles momentos em que não se quer pensar. Apenas apreciar sem preocupação.
    Estou muito interessado em arriscar um coquetel qualquer dia. Ainda mais nesse calor devastador.
    Abraço!

  2. O Pisco Sour também leva clara de ovos. Acho que o álcool mata as samonellas (rsrsrsrs).
    Parece ser uma delícia! Vou preparar. Obrigada!

  3. O título teve o efeito de uma madeleine para mim. Há muitos anos, adolescente, fui apresentado ao whisky sour em uma reunião de adultos. Foi preparado com White Horse (o que tínhamos aqui no interior na época), gotas de limão comum e pouquíssimo açúcar. A borda do copo baixo foi “crustada” com suco de limão e açúcar. Só isto. Preparado por um deputado federal daqui da região que trazia as novidades para o interior. Disse ele que era um cocktail para mulheres. De onde teria tirado esta versão? Memórias cãoninas…

    1. Felício, essa é uma boa pergunta! Muita gente coloca a borda de açúcar no sour. É uma tentativa de cortar o azedo. Outros fazem isso e servem sem o gelo, na taça de dry martini ou coupé. Não é a receita tradicional, mas também não é nenhum sacrilégio! 🙂

  4. Caro Maurício,

    Sou um aventurei principiante no mundo dos coquetéis, mas dentro das irrelevâncias dos meus conhecimentos, o fascínio do trio destilado-limão-açúcar chama a atenção. As motivações são diversas e o caso mais curioso imagino ser o do pisco sour. A questão entre Chile e Peru bateu em tribunal internacional. No caso, a disputa pela propriedade imaterial não é meu interesse, mas a danada da clara. Certamente há razões de sobra que justificam essa dificuldade operacional. O suporte para as indispensáveis três gotas (nem mais nem menos) de Angustura me parece suficiente. Felizmente essa trapalhada está superada com a clara em pó. Cada um terá seu destilado de preferência e defenderá a escolha, mas meu problema está onde o mora o diabo. A proporção de destilado e suco de limão não é algo banal. Se o limão passar do ponto a bebida fica insuportável. Se faltar destaca indevidamente o álcool. A manjada receita de pisco sour 3:1:1 (pisco:suco de limão:xarope) não me agrada. Acho mais equilibrado 2:1:1. Aliás, sua receita para o whisky sour é quase isso (60:25:25). Quanto ao limão, prefiro o siciliano para qualquer coquetel. A adição de açúcar é outra bronca. A idéia do xarope foi uma grande sacada, mas ainda não é a solução de todos os males. Para meu paladar, e mantendo as mesmas proporções, prefiro o xarope 2:1 (água: açúcar). Essa conversa comprida foi só para estimular os colegas que acompanham esse fantástico blog a se aventurar na alquimia dos coquetéis.

    Abraços,

    Sócrates

    1. Caro Sócrates, você me lembrou de minha viagem ao Peru, onde os bartenders defendiam com unhas e dentes a receita peruana sobre a chilena. Realmente, não me recordava dessa polêmica, que é ótima, by the way.

      Estou contigo sobre o 2:1:1 do Pisco Sour. Sobre o xarope, aí está uma boa observação a ser feita. Se for um xarope 2:1, eu colocaria 1 dose inteira de calda. Não sou um cara muito apaixonado pelo adocicado – sempre fui para o cítrico e o enfumaçado – e essa é uma proporção que já fiz e me agradou muito também!

      E sim, devemos estimular o pessoal a entrar nesse mundo da coquetelaria! Não são excludentes, são tangentes.

  5. Fala Maurício boa tarde meu amigo.
    Tudo bem ?!
    Uma dúvida me surgiu aqui, quanto a Angostura após o coquetel pronto.
    Não o vê alguns Dashes como necessários ?!
    Eu sempre utilizo um pouco dela para dar um belo acabamento ao coquetel e para disfarçar o aroma da clara de ovo.
    Abc forte, Gabriel.

    1. Mestre, muita gente usa. Eu não, acho que é mais uma variação. Não está errado. Mas não é necessário tbm!

  6. Grande Maurício.
    Me encontro novamente nesse elegantíssimo post recordando-me de bons momentos com meu Avô paterno que foi um amante de coquetelaria a base de Bourbon.
    A elegantíssima grafia de seus textos, assim como a história introdutória sobre o tema tornam a leitura leve e extremamente prazerosa.
    No momento “brindando a simplicidade” e me recordando do meu Avô Rodolpho que foi um grande amante de Whiskey e coquetelaria.
    Grande abraço.

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