Este é um post sazonal, que já teve três edições. Depois, leia a primeira, segunda e terceira aqui, se quiser.
Ah, o prazer de viajar. Preparar uma lista de tudo que precisa levar, com cuidado, para não esquecer nada. Escova de dentes, pasta, shampoo, sabonete, desodorante. Camisetas, camisa, blazer, malha. Calça jeans. Meias, sapatos. Calção para praia, se tiver praia, óculos escuros. Checar tudo de novo, e mais uma terceira vez, só para garantir. Passar dois dias arrumando mala, acordar as quatro e meia da manhã para pegar um voo.
Usar seu corpo e boca para bater papo com o taxista por uma hora, enquanto sua alma silenciosamente cochila até chegar ao aeroporto. Fazer força para tirar as malas do táxi. Fazer força para colocá-las no carrinho. Descobrir que a roda direita do carrinho está emperrada e novamente fazer força, para compensar o atrito. Tentar não cair no sono. Tentar não cair. Aproximar-se vagarosamente do guichê. Fazer força ainda mais uma vez para colocar as malas na esteira e despachá-las. Tentar não cair na esteira, duro, dormindo, durante essa inglória tarefa.
Check-in, polícia federal. Aguardar sentado, naquele estado entre o sono e a realidade e equilibrar a cabeça para não se aconchegar confortavelmente em seu vizinho de cadeira, numa intimidade embaraçosa e involuntária. Embarcar. Ser atingido na cabeça pela mala de mão de outra pessoa enquanto tenta acomodar sua própria, no compartimento superior. Passar horas sentado no avião, nariz seco, sem conseguir dormir. Comer aquele salgadinho ou prato requentado, pelando. Queimar a língua. Acordar do sono não dormido, pousar.
Recuperar a mala de mão, desembarcar. Resgatar suas malas despachadas, que foram vandalizadas pelos carregadores do aeroporto na esteira de número nove, que, por acaso, é a mais distante. Imigração. Fazer força tudo de novo para colocar as malas no táxi, chegar no hotel quase desacordado. Desarrumar as malas apenas para descobrir que esqueceu de colocar cuecas, e agora terá que andar esquisito até algum lugar para comprar algumas.
Eu adoro viajar. Mas tudo, da porta da sua casa até o quarto do hotel é privação. Tudo menos o Duty Free. O Duty Free é o oásis. É um dos únicos prazeres conferidos ao apaixonado por whiskies durante essa via-crucis aeronáutica. Ele é muito importante. E é por isso que este Cão, sempre preocupado com a sanidade de seus leitores, preparou uma lista com cinco whiskies à venda em nossos freeshops. Os whiskies estão organizados por preço, do mais caro para o mais barato. Aproveitem.
BRUICHLADDICH BLACK ARTS
O Bruichladdich Black Arts é um mistério. Apenas Jim McEwan, ex master distiller da Bruichladdich, conhece sua composição – e ele provavelmente jamais a revelará. A ideia é que o whisky seja intrigante para o consumidor. A única informação é obtida no website da destilaria, que diz “trabalhando com os melhores carvalhos americanos e franceses para explorar ao máximo a relação esotérica entre destilado e madeira, o Black Art é uma viagem pessoal de Jim McEwan ao coração da Bruichladdich.”
Temos que admitir que a destilaria tem um senso de humor refinado. Assim como pessoas, não há qualquer relação esotérica entre destilado e madeira. E a Bruichladdich sabe disso – tanto é que Jim já admitiu que o Black Arts é quase uma paródia com as histórias muitas vezes hiperbólicas contadas nos rótulos de whiskies de outras destilarias. Além disso, cobrar mais de U$ 300,00 (trezentos dólares) por um whisky sem idade e com pouquíssima informação, é quase uma pegadinha.
Aliás, seria uma pegadinha, se o Black Arts não fosse divino, independente de seu signo do zodíaco. É um whisky carregado no vinho jerez, com especiarias, baunilha e canela. A especialidade da Bruichladdich, cujo armazém é povoado de barricas de vinhos como Mouton Rotschild, Château d’Yquem e Château Margaux. O preço dessa garrafa mágica? US$ 370,00 (trezentos e setenta dólares).
ROYAL BRACKLA 16
O Royal Brackla 16 anos é a realeza engarrafada. Aliás, a destilaria foi a primeira a receber o Royal Warrant – uma espécie de selo de qualidade concedido pela família real, para produtos por eles apreciados. O Royal Warrant da Brackla foi concedido pelo Rei William IV em 1833, quando a destilaria possuía apenas 23 anos de idade. Em 1838 a Rainha Victória renovou o Warrant. Por conta dessa história os whiskies da Brackla até hoje são vendidos com os dizeres “The King’s Own Whisky” ou “O Whisky do Próprio Rei” em seus rótulos.
O Royal Brackla 16 é maturado em barricas de carvalho americano de bourbon whiskey e finalizado em barricas de carvalho europeu de ex-jerez. É um whisky leve – todo processo da Brackla valoriza o refluxo e busca um destilado pouco oleoso – com caramelo, baunilha e um final floral com vinho fortificado que é absolutamente incrível. Mais sobre ele aqui.
O preço deste líquido real é também digno da realeza. Ainda mais se for em nosso Duty Free – que inflacionou levemente o preço, por conta da novidade. US$ 200,00 (duzentos dólares).
ROYAL SALUTE THE ETERNAL RESERVE
O que pode ser melhor do que um whisky muito envelhecido? Bem, um whisky envelhecido eternamente. E é mais ou menos essa a proposta do Royal Salute The Eternal Reserve, que utiliza um método de maturação semelhante àquele de soleira utilizado por vinhos jerez. O primeiro lote do Eternal Reserve começou com a escolha de 88 barricas de diversas destilarias, que atendessem a dois critérios. Primeiro, que cada um possuísse uma finalização longa que pudesse ser extendida por meio da mistura e maturação, e, em segundo, que pudessem ser harmonizados em cada novo lote, de forma que o caráter do whisky se mantivesse inalterado ao longo do tempo. Isso tudo, e claro, tivessem ao menos 21 anos de idade.
Uma vez selecionados, as barricas são misturadas em uma soleira – um enorme tanque de madeira – e depois recolocados em oitenta e oito barricas, para passar por mais seis meses. Essa mistura é então misturada com outras 88 barricas para completar o primeiro lote. Depois, metade do blend resultante é engarrafado, enquanto a outra metade volta para as 88 barricas até que o próximo lote seja produzido, e assim por diante. Por conta disso, sempre haverá uma pequena parcela do lote original nos lotes subsequentes. Quer saber mais? Clique aqui.
O Royal Salute The Eternal Reserve é um whisky leve e floral, com álcool perfeitamente integrado e quase nenhuma fumaça. Há uma discreta nota cítrica, com alcaçuz e açúcar mascavo. O preço não é infinito, mas chega perto. US$ 180,00 (cento e oitenta dólares).
HIGHLAND PARK SIGURD
A Highland Park tem uma certa monomania com os vikings. Talvez seja por conta de sua localização – a ilha de Orkney, que era povoada por eles na antiguidade. Ou talvez porque alguém, há muito tempo, tivera resolvido batizar os whiskies da destilaria com nomes vikings, e ninguém teve uma ideia melhor desde então. Há uma série de deuses vikings – que conta com Loki, Freya, Odin e toda a turma de divindades que você conhece, porque assistiu Thor. Há outra com sentimentos, como honra viking, orgulho viking e cicatrizes (tá, isso não é uma emoção) vikings. E há a série de guerreiros vikings, da qual o Sigurd faz parte.
O Sigurd é a quarta de seis expressões que fazem parte da “warrior series” da destilaria. O primeiro, Svein, é maturado exclusivamente em barricas de carvalho americano. E a última, Thorfinn, passa apenas por barricas de carvalho espanhol. À moda da série 1824 da Macallan, as quatro expressões intermediárias utilizam as duas barricas, em proporções diferentes. Sigurd é a primeira delas que tem predominância de carvalho espanhol sobre o americano – aproximadamente 60 para 40 por cento. É um whisky levemente enfumaçado, vínico e extremamente equilibrado. Tudo isso por US$ 175,00 (cento e setenta e cinco dólares)
BLACK BOTTLE
Defumado, mas não muito. Adocicado, mas nem tanto. Apimentado, mas na medida. O Black Bottle pode não ser o mais complexo ou sofisticado dos blends, mas é um excelente custo-benefício, em um pacote inegavelmente bonito. Caso você não tenha percebido – o que indicaria uma acentuada falta de perspicácia de sua parte – o nome faz alusão à garrafa preta, adotada desde a época de fundação da marca.
O Black Bottle foi, por muito tempo, um malte inspirado em Islay. Mas desde seu renascimento, em 2013, o whisky perdeu um pouco de seu caráter defumado e marítimo, e passou a primar pelo equilíbrio – ainda que haja um percentual bem razoável de malte turfado. Incrivelmente, o único whisky de Islay utilizado em sua composição não possui qualquer traço de turfa. É o Bunnahabhain.
O preço – bem convidativo, se você me perguntar – é de US$ 33,00 (trinta e três dólares). Pela garrafa grande, não a miniatura da foto. Claro.
Muito interessante, mestre! Já havia inclusive notado esta certa mania do Highland Park de seguir o tema Viking. É um whisky que está na minha lista. Achei bacana encontrar o Black Bottle por aqui. Já havia visto para vender, cheguei a me interessar, mas estava cauteloso porque não havia encontrado qualquer análise ou matéria sobre ele.
Grande abraço!