Se você, como eu, tinha outras prioridades durante suas aulas na escola, aqui está uma pequena chance de remissão. Vamos hoje conhecer Gibraltar. Gibraltar é uma península insignificante, mas que fica num lugar incrivelmente estratégico – que, caso você tenha alguma noção de geografia, já deve ter presumido qual é – O Estreito de Gibraltar. Também conhecido como aquela entradinha que liga o Oceano Atlântico ao Mar Mediterrâneo.
Como você já deveria saber se seus hormônios tivessem permitido alguma atenção à aurora de sua vida acadêmica, Gibraltar foi matéria de disputa entre o Reino Unido e a Espanha, durante o século dezoito. O território era originalmente espanhol e foi capturado pelos ingleses numa batalha sangrenta. Depois, foi reconquistado pelos ibéricos até finalmente voltar a ser britânico, pelo tratado de Utrecht. Por conta de Gibraltar, as relações diplomáticas e políticas entre Espanha e Reino Unido não eram das melhores – algo que, com o tempo, claro, foi recuperado. Ou não.
Hold my Beer!
Mas ainda que os dois países tivessem relações eivadas de animosidades no campo do imperialismo internacional, na área etílica, sempre houve uma incrível sinergia. É que o whisky escocês sempre dependeu de barris vindos da Espanha. Explico. O vinho jerez espanhol é maturado em barricas de carvalho europeu. Barris que, depois de usados pelos espanhóis, tornam-se perfeitos para maturar whisky, por conterem, em seu indrink, vinho jerez. Soma-se a isso o fato de que, por já terem sido utilizados uma vez, as arestas pontudas da maturação foram removidas, e combinam perfeitamente com o new-make elegante do whisky escocês.
Por conta desta quase simbiose, há até hoje um enrome fluxo de barris de ex-jerez para a Escócia. É uma situação em que ambas as partes se beneficiam – os espanhóis dão vazão a seus barris e levantam capital, e os escoceses aumentam a complexidade de sua bebida. E é dessa sinergia que nasceu a inspiração de Rodolfo Bob – bartender do Caledonia Whisky Co., nosso bar de São Paulo – para criar seu coquetel para o WorldClass. O Speyside & Triangle – uma homenagem a rota Escócia e ao Triangulo de Jerez.
O Worldclass, pertencente à Diageo, é um dos maiores campeonatos de coquetelaria do mundo. São mais de dez anos de competição, em mais de cinquenta países. Nessa década de existência, mais de sessenta mil profissionais participaram do campeonato. E o whisky sempre esteve no centro do World Class – em boa parte, devido à enorme importância da diageo no mercado da bebida escocesa.
O SPEYSIDE & TRIANGLE
A base para o Speyside & Triangle não poderia ser outra senão Singleton of Dufftown. É um single malt que matura em boa parte em barris que antes contiveram vinho Jerez. Isso lhe traz uma marca conhecida, com notas de frutas cristalizadas e ameixa. Além de ser um whisky relativamente acessível e de perfil sensorial bem democrático. Excelente tanto para ser bebido puro quanto na coquetelaria.
O novo Singleton (que mudou só o rótulo)
Nas palavras de Rodolfo Bob “Para equilibrar o drink, desenvolvi um blend cítrico de Jerez, perfeito para acentuar e harmonizar (o whisky) . O Jerez Fino é seco e com acidez alta, recebe óleo de casca de laranja Bahia para ressaltar a percepção cítrica, o Jerez PX é quase um mel de uva passas e traz uma nota mais escura de frutas e dulçor
O Licor de Elderflower, por fim, desperta frutas tropicais e cítricas favorecendo o complexo tom em oposto ao meu ingrediente artesanal. O resultado é um coquetel que tem o The Singleton evidente no primeiro gole, e que é realçado após uma mordida no queijo Grana Padano – salgado, ácido lácteo, gordura e compõe os aromas do coquetel. A ideia é unir as harmonizações para uísque e Jerez, queijos e frutas. O Jerez tem aquele toque amendoado e acompanha bons goles de uísque especial!”
Se quiser saber mais sobre o World Class e sobre o Speyside & Triangle, fique ligado neste blog e no Instagram de nosso querido Caledonia Whisky & Co. Por enquanto, fique com este vídeo sobre o coquetel, com essa maravilhosa narração a la Barry White de Bob (clique abaixo para levar ao YouTube).
Quando era criança, minha mãe me dizia que era muito importante aprender matemática. Você vai usar tudo que aprender de matemática em algum momento da sua vida. E ainda que não visse utilidade nenhuma em saber sobre números primos, imperfeitos, defectivos, perfeitos, mais que perfeitos ou abundantes, o conselho – e os conceitos – ficaram bem amarrados em minha mente.
Vamos rememorar, e eu prometo que chegarei a algum lugar. Números perfeitos são aqueles cuja soma de seus divisores é igual a seu próprio número. Seis, por exemplo, que é igual à soma de um, dois e três – seus divisores. Imperfeitos, são aqueles que referida soma é menor do que o número. Já mais que perfeitos são o contrário – a soma é superior ao numeral. Como doze, porque um mais dois mais três mais quatro mais seis dá dezesseis, que é mais que doze.
E há também aqueles números cuja soma de seus divisores é igual a seu antecessor. Como, por exemplo, oito. Estes são convenientemente chamados de números quase-perfeitos. E é engraçado como o conselho de minha mãe tem uma estranha forma de fazer sentido depois de quase trinta anos, porque a Diageo acaba de lançar o Johnnie Walker Blue Label Legendary Eight (os oito lendários). Um whisky que não poderia ser definido de outra forma senão quase-perfeito.
Glenury Royal – A edição anterior da série Ghost & Rare.
O Johnnie Walker Blue Label Legendary Eight é a edição de 2020 da cobiçada série Ghost & Rare – que já teve expressões incríveis colocando em evidência destilarias há muito desativadas, como Port Ellen e Brora. Este ano, no entanto, ao invés de evidenciar uma única destilaria, a edição presta tributo a oito lendárias – grain e malt distilleries. Quatro de ghost distilleries (leia mais sobre isso aqui) – Brora, Cambus, Carsebridge e Port Dundas. E outras quatro de destilarias ainda em operação – Blair Athol, Oban, Teaninich e Lagavulin.
De acordo com Aimee Morrison, blender do time da Diageo “estamos fazendo história com este whisky, mas, também, recapitulando a história da marca. Usando maltes como Oban. Oban bem maturado é raro até mesmo para nós. É uma destilaria pequena, e a maioria é usada na linha de single malts. Isso, além do iso de quatro “ghost distilleries” faz do Legendary Eight um whisky muito especial. “
E a exclusividade não para por ai. o Johnnie Walker Blue Label Legendary Eight faz parte de uma série de lançamentos da Diageo para comemorar os duzentos anos da Johnnie Walker. Além dele, foram lançados mais dois blends: o Celebratory Blend e o Johnnie Walker & Sons Bicentennary Blend. Além disso, foi lançada também uma garrafa especial de Blue Label – a não ser confundida com o Legendary Eight – serigrafada com uma bela ilustração especial.
Em comparação aos outros whiskies da série Ghost & Rare, o Johnnie Walker Blue Label Legendary Eight se aproxima mais do Glenury Royal, e se distancia de Brora e Port Ellen. De certa forma, ele é uma amplificação do tradicional Johnnie Walker Blue Label. O perfil sensorial é o mesmo, mas elevado e ainda mais refinado, e também mais intenso. Há uma nota de malte que permanece do aroma à finalização, e que dá uma estrutura surpreendente para o blend.
Cambus – Uma das silenciosas
Assim como as edições anteriores da série Ghost & Rare, o Johnnie Walker Blue Label Legendary Eight é uma demonstração de como a marca do andarilho pode criar whiskies extraordinários, sensorialmente excelentes e cheios de história. O trabalho de Jim Beveridge, master blender da marca, parece até mesmo uma ciência exata. Há um pouco de tudo no blend, em perfeito equilíbrio, e com enorme complexidade.
Minha mãe jamais me aconselharia a provar determinado whisky. Mas, se o fizesse, certamente escolheria o Legendary Eight. Este é quase uma ciência exata – é quase perfeito.
JOHNNIE WALKER BLUE LABEL LEGENDARY EIGHT
Tipo: Blended Whisky sem idade definida (NAS)
Marca: Johnnie Walker
Região: N/A
ABV: 43%
Notas de prova:
Aroma: Adocicado, com frutas cristalizadas e ameixas.
Sabor: frutado (frutas em calda), nozes e ameixa seca. Final longo e adocicado, com passas e pimenta do reino.
Portugal e Japão possuem uma ligação muito mais profunda do que se imagina. Os portugueses foram o primeiro povo ocidental a ter contato e travar relações comerciais com os japoneses. E como qualquer contato, dali surgiram curiosas influências para os dois lados. Os portugueseses herdaram algumas palavras do vocabulário nipônico, como, por exemplo, catana e biombo.
Já os japoneses passaram a utilizar uma série de palavras de origem portuguesa, adaptadas para a sonoridade de sua língua. Por exemplo, pan, koppu, tabako e arkoru – que seu poder de dedução etimológico já deve ter indicado que são respectivamente pão, copo, tabaco e álcool. Aliás, uma combinação de palavras que demonstrava que havia também certa afinidade entre as culturas quando o assunto era estabelecer prioridades e se divertir.
Na verdade, a cultura japonesa possui uma característica belíssima. Essa, de incorporar elementos de outras culturas, e transmutá-las em algo essencialmente japonês. O Tempurá – sim, a fritura – é um exemplo. Os japoneses não conheciam a técnica até a chegada dos portugueses. E, claro, o whisky. O Whisky no Japão possui aproximadamente um século de idade. A técnica foi aprendida com os escoceses, mas o líquido japonês já possui uma identidade toda própria. Tanto é que virou uma enorme febre no mundo.
Uma febre sem leis. Até agora. Porque em fevereiro de 2021 a Japan Spirits & Liqueur Makers Association (JSLMA) anunciou novos padrões de identificação para Whisky Japonês. Uma medida que, convenhamos, era há muito tempo necessária. Antes de entrarmos nos pormenores legais, entretanto, creio que seja importante uma recapitulação básica sobre o cenário do whisky japonês.
Até hoje, quase não havia leis no Japão relativas à produção e comercialização de whisky. E, por conta disso, era permitido – ou melhor, não era ilegal – que um whisky destilado e maturado em outro país e engarrafado no Japão fosse rotulado como whisky japonês. Ou seja, determinado produtor poderia comprar cem por cento de whiskies escoceses, enviar para o Japão, engarrafar lá e chamar de whisky Japonês.
California Roll – mais japonês que muito whisky japonês
Essa prática pode parecer absurda, mas, historicamente, fazia sentido. Primeiro porque, antigamente, o whisky japonês não era a febre que é hoje. O país possuía poucas destilarias na aurora de sua produção. E, importar o produto a granel, pronto, e misturar com whisky japonês feito no Japão (não, isso não é um pleonasmo) ajudava a baixar os custos e aumentar a riqueza sensorial.
Ocorre que, com o tempo, o cenário mudou. O whisky japonês se tornou inacreditavelmente cobiçado. Consequentemente, o estoque de whiskies verdadeiramente japoneses mais maturados quase zerou. E, os que restaram, passaram a ser vendidos a preços astronômicos. Além disso, a falta de regulamentação de mercado – antes benéfica por permitir riqueza sensorial – deu espaço para o oportunismo. Certas empresas passaram a se aproveitar desta permissividade histórica para ludibriar o consumidor. Comprar whiskies baratos e engarrafar no Japão, rotulando-os como whisky japonês.
Com a ascensão à fama do whisky japonês, as antigas regras se tornaram obsoletas. ou melhor, não se tornaram nada, porque não havia regras neste faroeste oriental que era o whisky japonês. Até agora. Porque, a partir da sugestiva data de 1 de Abril de 2021, a Japan Spirits & Liqueur Makers Association (JSLMA) – uma espécie de SWA japonesa – finalmente anunciou novas diretrizes para rotulagem de whiskies no Japão.
É verdade.
O PONTO DA JSLMA
Talvez, neste ponto do texto, seja preciosismo. Mas resolvemos traduzir parte da declaração que antecede a regulamentação da Japan Spirits & Liqueur Makers Association, e que esclarece as razões por trás de tão desejada regra.
“É lamentável que nos ultimos anos tenha havido casos de marcas que usam apenas whiskies importados e os vendam como “Whisky Japonês”, e casos de produtos que nem mesmo se qualificam como “whisky” de acordo com as leis fiscais japonesas, mas que são vendidos como tal em outros países, semeando confusão entre os consumidores
Olhando em retrospecto para a história da produção de whisky no Japão, é importante notar que nossa jornada começou por aprender as artes e ofícios dos produtores de Whisky Escocês, à medida que nossos antecessores começaram a criar um tipo distinto de whisky, aperfeiçoado pela natureza do Japão, estabelecendo uma técnica singularmente japonesa ao longo dos anos.
Na Escócia, é uma prática comum que empresas façam intercâmbio de estoques de whisky. Isso permite que estas empresas blendem os whiskies comprados com whiskies produzidos por suas próprias destilarias, para fins tanto de desenvolvimento quanto para manter a qualidade das marcas existentes. No entanto, no Japão, esta prática não é familiar. Produtores de whisky no Japão tiveram que ser autossuficientes, desenvolvendo técnicas para criar vários tipos de whisky em suas próprias destilarias, adquirindo destilarias no exterior ou utilizando whisky importado para criar um produto adequado para o paladar japonês.
Não é preciso dizer que esses desenvolvimentos fazem parte da história, tradição e cultura da produção de whisky no Japão. Os produtos criados por meio desse processo enriqueceram a cultura do whisky no Japão, e contam com o apoio de muitas pessoas ao redor do mundo. Nós, membros da JSLMA, somos gratos pelos esforços de nossos antepassados.
(…) ao claramente definir o que é ‘Japanese Whisky”, e ao divulgar e tornar disponível essa informação para o público no Japão e exterior, buscamos esclarecer a situação confusa para os consumidores. “
Yamazaki – 100% adaptada
AS NOVAS REGRAS DE ROTULAGEM DE WHISKY DA JSLMA
Vamos a um esclarecimento prévio. A Japan Spirits & Liqueur Makers Association (JSLMA) não é um órgão governamental japonês. Mas, sim, uma associação privada, aprovada pelo governo nipônico. É uma espécie de entidade de autorregulação, semelhante ao que seria a BSM ou a ANBIMA no Mercado de Capitais Brasileiro. É, por essa você não esperava, né Gordon Gekko?
De acordo com a JSLMA, os novos padrões têm o propósito (…) de contribuir para a seleção apropriada de whiskies pelos consumidores no Japão e no exterior, e proteger os interesses dos consumidores, bem como garantir a competição justa e melhorar a qualidade“. e continua “estes padrões se aplicam aos whiskies vendidos no Japão, ou vendidos a partir do Japão para o exterior, por operadores de negócios (ou seja, empresas)”
A regulamentação da JSLMA traz uma tabela com as regras a serem seguidas pelos produtores de whisky no Japão, para que possam rotular seus produtos como “japanese whisky” ou “whisky japonês”. A primeira delas é que as matérias primas devem ser limitadas a grãos maltados, ou outros cereais, e água deve ser extraída do Japão. Grãos maltados sempre devem ser utilizados.
A segunda determinação diz respeito à produção em si. A sacarificação, fermentação e destilação devem ser feitas por uma destilaria no Japão. Aqui, há um ponto importante. A maltagem, ou malteação, é uma espécie de sacarificação. O que significa que, aqui, há uma divergência entre Escócia e Japão. E que as novas regras nipônicas são ainda mais restritivas que as escocesas da SWA. Na versão oriental, a malteação deve ser feita no Japão. Não é permitido comprar cevada maltada de outros países. Adicionalmente, a graduação alcoólica após a destilação não deve superar 95% – para que depois seja, obviamente, cortado com água.
A terceira se refere à maturação, e é quase um espelho da regra escocesa. Quase. O new-make spirit deve ser colocado em barris de madeira no máximo setecentos litros por, no mínimo três anos. Caso você tenha lido rápido, talvez tenha olvidado de um detalhe. Ou, talvez, estejamos apenas lost in translation, como o Bill Murray. Mas é curioso o uso da palavra “madeira” – não fica claro se carvalho é o único barril permitido. Deveremos aguardar novidades.
Não entendi.
Por fim, o engarrafamento deve acontecer no Japão, e a graduação alcoólica deve ser de no mínimo 40%. Esta regra é também mais restritiva que a escocesa, que permite que blended scotch whiskies sejam engarrafados fora da Escócia. Pela regra da Scotch Whisky Association, apenas single malts devem ser obrigatoriamente engarrafados em seu país de origem. Adicionalmente, apenas corante caramelo simples pode ser usado nos Japanese Whiskies.
A regra determina também que não deve haver quaisquer expressões ou termos entre as palavras “japanese” e “whisky”, exceto para indicar o tipo de whisky – por exemplo, single malt ou blended. E para os espertinhos, sinônimos também estão abarcados pela regra. Então, nada de um whisky nipônico, por exemplo. A regulamentação vai além, e também diz que não vale fazer um whisky com cara de japonês, com ideogramas, nomes e expressões claramente japonesas. Nada de “Hokusai Whisky” ou “Mount Fuji“.
Todas esssas diretrizes, entretanto, tem um prazo de adaptação. A partir de primeiro de abril, produtos novos (lançados após referida data) devem seguir as regras publicadas. Entretanto, whiskies que não seguiam a regra antes poderão continuar rebeldes até 31 de março de 2024, como é – surpreendentemente – o caso do Nikka From the Barrel. Ou seja, até lá, nem todo whisky japonês será japonês de verdade.
É importante apontar que, ao contrário da Escócia e sua Scotch Whisky Association, as regras da JSLMA não tem força de lei. Mas, são válidas para os integrantes da associação. O que, na prática, não significa o fim do whisky japonês não japonês. Mas é um passo importante na transparência de um mercado já há anos carente de alguma transparência. E mais transparência e isonomia trazem mais segurança ao consumidor – e ajudam a manter o bom nome do japanese whisky no mundo. Kampai a isso.
Quando em 1799, o biólogo britânico George Shaw recebeu um ornitorrinco para estudo, pensou que estivessem lhe pregando uma peça. “Acho que é uma preparação enganosa, por meios artificiais” descreveu. Shaw imaginou que algum maluco tivesse grudado o bico de um pato no corpo de um castor, e enviado de frete naval internacional da Austrália para a Grã-bretanha, numa estranha espécie de pegadinha interoceânica. A veracidade da espécime só realmente se revelou por meio de um exame bem mais detalhado.
Para nós, hoje em dia, pode parecer ingenuidade de Shaw. Mas, temos que concordar em uma coisa. O Ornitorrinco é um bicho bem esquisito. Ele tem nadadeiras, pelos, bico e não tem estômago. Os filhotes bebem leite direto do pelo das fêmeas. Aliás, falado em filhotes, apesar de serem mamíferos e amamentarem as crias, os ornitorrincos botam ovo – uma special feature que levou mais uns cem anos para ser descoberta pelos cientistas.
Por fim, e para coroar – perdão pela ambiguidade um pouco escatológica – os ornitorrincos são monotremes. O que significa, literalmente em grego “único buraco”, em referência a, bem, uma abertura abdominal que serve para uma porção de coisas na vida íntima dos ornitorrincos. Mas é curioso como o bicho, apesar de parecer uma coleção aleatória de partes de outros animais, é extremamente bem adaptado.
E o mundo dos coquetéis tem também seus ornitorrincos. Aqueles que mais parecem a improvável combinação de dois coquetéis de verdade – mas que tem uma personalidade toda própria. Um destes casos é o singelamente batizado Whiskey Smash – um híbrido entre o Whiskey Sour e o Mint Julep com um quê de caipirinha. Um clássico do século dezenove, que leva limão, hortelã, açúcar e, claro, whiskey.
A receita de Whiskey Smash apareceu pela primeira vez no livro How To Mix Drinks do mítico Jerry Thomas, em 1862 – ainda sem referência ao nome da invenção. Lá, ele foi definido simplesmente como uma variação de mint julep. O que faz sentido, porque a única coisa que separa um do outro é a adição de limão siciliano. Em 1888, no entanto, Harry Johnson em seu Bartenders’ Manual batizou a combinação de “Old Style Whiskey Smash“, e recomendou seu preparo com açúcar, hortelã, gelo picado, frutas da estação – sejam lá que frutas forem essas – e “uma taça de vinho de whiskey”.
Com o tempo, os smashes evoluíram e passaram a incluir uma gama maior de destilados – ainda que sempre bem próximos aos juleps. Como, por exemplo, no Savoy Cocktail Book de 1930 – quando apareceram como variação daqueles. A receita recomendada por Craddock em sua publicação sugeria o uso de “barcardi rum, brandy, gim, irish whiskey ou scotch whisky“.
Independente da discussão quase acadêmica sobre sua classificação, o whiskey smash é uma belíssima criação. Poucos coquetéis de whiskey trazem tamanha drinkability. Talvez ele seja um whiskey sour com hortelã. Ou, talvez, um julep com limão. Mas a parte importante é que ele é, realmente, delicioso. Afinal, pouco importa se um ornitorrinco é um pato com corpo de castor, ou um castor com corpo de pato, não é mesmo?
WHISKEY SMASH
INGREDIENTES
60ml bourbon ou rye whiskey
15ml de xarope de açúcar 1:1
2 dashes (isso são sacodidelas) de Angustura Orange Bitters
2 rodelas de limão
hortelã (bastante – eu sei, isso é uma medida discricionária)
gelo
copo baixo
parafernália para misturar
PREPARO
Num copo baixo, macere (amasse) o hortelã com o xarope de açúcar. Isso fará com que os oleos essenciais do hortelã sejam liberados.
Adicione as rodelas de limão, e amasse novamente.
Adicione gelo picado, ou pequenos cubos de gelo e coloque o bourbon por cima.
misture cuidadosamente, tentando evitar que tudo fique sujo, grudento e molhado com os pedaços de gelo com whiskey e açúcar que você vai derrubar para fora do copo por conta de sua imperícia.
Este post foi originalmente escrito para o Mixology News há aproximadamente dois anos. De lá para cá, algumas coisas mudaram – whiskies saíram, whiskies entraram. Whiskies baratos encareceram. E os caros ficaram ainda mais caros, porque boa notícia é difícil mesmo. Então, resolvemos criar uma versão 2021 da lista. Para ver o post original, clique aqui.
Minha chaleira elétrica de casa quebrou. Tudo bem. Ela já tinha mais de cinco anos e era utilizada implacavelmente por minha esposa quase todo dia. Após uma rápida ligação à assistência técnica, soube que estava além de reparação. Decidi, então, passar na loja de eletrodomésticos mais próxima para conseguir uma substituta. Ao chegar lá, fiquei completamente perdido.
Chamei a vendedora. Quanto é essa daqui, muito bonita? Ah, essa é novecentos. Ela tem cinco temperaturas, pode ser controlada do smartphone, fala e faz chá quase sozinha. Puxa, legal, mas tá meio fora do orçamento. E aquela ali, bem feia? Ah, essa é cento e cinquenta. Ela esquenta água e pronto. Puxa, mas é feia. E aquela vermelhinha alí? Aquela é igual a esta, só que é bonita. Custa quatrocentos.
Parei. Não tenho maturidade para comprar uma chaleira sozinho. Sério, quatrocentos só porque é bonita? Queria que alguém pegasse em minha proverbial mão e me guiasse pelos melhores custo-benefício de chaleiras de chá. Como algo tão prosaico pode ser tão complicado? Aí tive um momento de epifania. Pensei que alguém pudesse ter a mesma dúvida com whiskies. Prepararia então uma lista.
Como a internet vive de polêmica, é importante aqui fazer duas observações. A primeira é que o whisky não deve necessariamente ser barato para entrar nesta lista. Ele apenas tem que parecer, sensorialmente, bem mais caro. Assim, se um whisky de mil e quinhentos reais tiver sabor de cinco mil, ele está dentro. Mas sinceramente, isso é bem improvável. Dentro desta altitude de atmosfera rarefeita, eu não conseguiria apontar a diferença.
A segunda é que isto não é um ranking. Desculpem. Os números são apenas uma forma de organizar. O número um não é melhor custo-benefício do que o quatro, por exemplo. Eu sei que todo mundo gosta de um ranking. De certa forma, eu mesmo gostaria que isso fosse um ranking. Mas nós, adultos e maduros, sabemos que é impossível comparar coisas cujas naturezas são essencialmente diferentes. Bourbons são diferentes de single malts, que são diferentes de blends. Como as proverbiais maçãs e laranjas. Então isso não é um ranking. Sem mais tergiversações, vamos aos whiskies.
1 – Glenlivet 15 anos
O Glenlivet 15, no último par de anos, se sobressaiu como o single malt com idade superior a doze anos oficialmente à venda no Brasil com melhor preço – normalmente, abaixo dos quinhentos reais. O que pode parecer, e na verdade realmente é, muito dinheiro. Mas estranhamente é também uma pechincha. Single malts de sua classe facilmente ultrapassam o meio milhar de leite-condensados.
Mas nem é só isso. O Glenlivet 15 é bem interessante, também. Ele é finalizado em barricas virgens de carvalho europeu – algo que, por si só, já é bem especial. Isso traz a ele uma característica vibrante, com pimenta do reino e frutas vermelhas. É a expressão mais intensa do portfólio permanente da The Glenlivet. À venda na Caledonia Store.
2 – Singleton of Dufftown
É um single malt por menos de R$ 200,00. Só isso bastaria para incluí-lo na lista. É um whisky democrático e perfeito para os iniciantes do single malt. Como o nome sugere, o Singleton of Dufftown é produzido na destilaria Dufftown, na cidade homônima -uma das maiores em volume de produção do portfólio da Diageo.
A maturação do Singleton of Dufftown acontece em barricas de carvalho americano de ex-bourbon whiskey, “com uma alta proporção de barricas de carvalho europeu“. À venda aqui.
3 – Union Extra-Turfado (E Lamas Nimbus)
Single malts turfados são um problema. Normalmente, isso significa um preço de três dígitos, com um quatro ou um três na primeira casa. A opção de escocês mais em conta que temos é o Talisker, seguido de perto pelo Laphroaig Select.
Porém, uma alternativa muito interessante são os single malts defumados nacionais. Dentre eles, está o Union Extra-Turfado (à venda aqui). Um single malt produzido pela destilaria Union, localizada no Sul do Brasil, turfado à moda dos escoceses.
E se você estiver se sentindo mais aventureiro, há também o Lamas Caledonia e Nimbus, opções defumadas com madeira de reflorestamento, produzidos pela Lamas Destilaria, de Minas Gerais.
4 – Johnnie Walker Black Label
Não dá para fazer uma lista de custo-benefício sem citar este clássico. Ficou de fora de nossa lista inicial talvez por sua obviedade. Mas, para ser absolutamente sincero, o Johnnie Walker Black Label não é o mito onipresente que é, não tivesse seus méritos – ele é bem bom, e incrivelmente complexo, ainda mais considerando o volume de sua produção e a qualidade inabalável da padronização.
Johnnie Walker Black Label é composto por mais de quarenta single malts e grain whiskies. Todos eles – sejam eles single malts ou de grãos – devem ser maturados por um mínimo de doze anos. Os single malts mais importantes em sua composição advém das destilarias Cardhu e Talisker, com Caol Ila e outras maravilhas do portfólio da Diageo.
A venda em praticamente todos os lugares.
5 – Jim Beam Rye
Rye whiskeys são uma deficiência antiga no Brasil. Até pouco tempo, o único rótulo a desembarcar nas nossas terras era o Wild Turkey Rye – um whiskey que, apesar de bem bom, não tinha lá um preço muito acessível. Ainda mais para seu uso mais frequente – a coquetelaria em bares, para executar clássicos como o Sazerac e Vieux Carre. Essa necessidade foi suprida com a chegada do Jim Beam Rye, com um preço bem amigável – pelos R$ 150.
De acordo com a própria Jim Beam, numa tradução adaptada “o Jim Beam Rye é um rye de estilo semelhante àquele anterior à Lei Seca, que presta tributo a uma das receitas mais antigas de nossa família, e é destilado de acordo com os mesmos padrões que nortearam a Jim Beam por mais de duzentos anos. Hoje, ele se tornou essencial para bartender procurando por um whiskey de perfil mais arrojado como os antigos, e uma finalização suave de tempos modernos“
Single malts maturados em barris de jerez também não são uma pechincha. Basta ver por aí os preços dos maravilhosos – mas exclusivos – The Macallan e The Dalmore.
Mas, para os amantes de um bom vinho fortificado e daquele inconfundível sabor de frutas secas, passas, ameixas e especiarias no whisky, o Tamnavulin Double Cask é um achado. O Tamnavulin Double Cask é um single malt sem idade declarada, produzido pela destilaria Tamnavulin, em Speyside. Sua maturação ocorre principalmente em barricas de carvalho americano de ex-bourbon, antes de ser finalizado por um período não declarado em carvalho europeu de ex-jerez.
Um single malt com predominância de carvalho europeu de ex-jerez, com preço bem tentador. Próximo dos R$ 290,00, à venda em nossa querida Caledonia Store também, claro!
7 – Famous Grouse Finest
Um dos únicos da lista original que permaneceram inabaláveis. Um bastião de preço para os entusiastas, um porto-seguro para os bebedores, uma lenda entre os amantes de whisky. Enfim, em resumo, um whisky, literalmente, do peru. Seu coração é o single malt Glenturret, com participação de The Macallan na mistura.
Seu sabor é de especiarias, malte e frutas secas. Sua boa complexidade o torna um excelente custo-benefício para blended whiskies de entrada e uma boa base para coquetéis que exigem um scotch whisky com mais intensidade, mas sem fumaça. Se preferir algo enfumaçado, há também o Famous Grouse Smoky Black – outro firme representante da classe.
8 – Teacher’s Escocês
Bom, se há um sinônimo de custo-benefício no mundo do blended whisky, então este sinônimo é Teacher’s. E não estou brincando. Ao contrário do que a maioria acredita, o Teacher’s agora é 100% importado. Dentro da garrafa, inclusive – nada mais de engarrafamento nacional. Em sua composição, estão single malts de mais de trinta e cinco destilarias. O principal deles é o Ardmore, produzido pela destilaria homônima, localizada na região de Speyside.
Seu custo-benefício pode ser comprovado na prática. O Teacher’s é o whisky mais consumido no Brasil, por uma boa margem de vantagem.
Allen Saunders escreveu na Reader’s Digest em 1957 que “A vida é o que acontece quando você está ocupado fazendo outros planos“. A célebre frase, promovida a aforismo, talvez jamais soasse tão perfeita quanto no último ano, para nós, aqui do Cão Engarrafado e do Caledonia Whisky & Co. – nosso querido recém inaugurado bar em São Paulo.
Veja bem, nosso habitat natural é o virtual. Foi aqui que começamos, com uma tímida prova de certo Macallan Ruby, há meia década. Com o tempo, entretanto, nosso blog foi ganhando bojo e público. Não era algo exatamente planejado, ainda que fizéssemos da forma mais caprichada que podíamos. Mas, seguimos. A inércia explica muita coisa, especialmente num ambiente digital.
Depois de algum tempo, entretanto, resolvemos sair do computador. Começamos a realizar eventos de degustação em restaurantes, hotéis e residências. Comprávamos os whiskies de varejistas e organizávamos os eventos. Mas sentíamos falta de um espaço nosso, com estoque nosso – algo que nos desse liberdade de fazer esses eventos quando e como quiséssemos.
E aí começou a ideia do Caledonia, nosso bar. Era para ser um espaço de degustação, com uma pegada educacional, no estilo “beba menos, beba melhor e entenda o que está bebendo”. Mas as ideias foram sendo incorporadas. Salão de bar, carta de coquetéis, cervejas, loja física e empório na frente. No final das contas o Caledonia se tornou a versão materializada, palpável, deste blog – O Cão Engarrafado. Estávamos, oficialmente, em terra firme.
Mas, aí entra a máxima de Saunders. 2020, o ano de abertura de nossa casa, foi também marcado pela pandemia do COVID-19. Por conta disso, tivemos que rever nossos planos. Por sorte, o passo a ser tomado nos parecia muito mais natural do que aquele que havíamos dado. Era de retornar ao mundo virtual. E foi assim que abrimos a CALEDONIA STORE.
É quase um paradoxo. O Caledonia (o bar) é uma materialização do Cão Engarrafado. E a Caledonia Store, virtual, é uma digitalização do bar. Temos tudo que temos por lá. Insumos para coquetelaria, acessórios para entusiastas de destilados e muitos whiskies.
E O QUE TEM POR LÁ?
A maior parte dos whiskies à venda em dose em nosso salão tem garrafas no Caledonia Store. E cada um dos produtos vêm com todas as informações que você perguntaria por lá. Há perfil sensorial detalhado, curiosidades sobre as marcas e notas de prova. Detalhamos, pacientemente, todos os whiskies por lá. Mas, se, mesmo assim, você tiver alguma dúvida, nossa equipe no WhatsApp estará a postos para responder.
Temos alguns whiskies bem exclusivos. Como, por exemplo, uma seleção de single malts brasileiros, produzidos pela Union, Lamas e da Code 9. Destaque para os Union Extra-Turfado e Union Virgin Oak, edição limitada, e nosso querido Lamas Caledonia – um whisky criado em parceria com a destilaria Lamas, de Minas Gerais, que é defumado com madeira de reflorestamento e finalizado por quase um ano em barris de ex-vinho licoroso.
Brasileiros
Temos, também, opções mais clássicas, como os escoceses The Macallan, The Glenlivet e Royal Salute. Temos bourbons, destaque para o incrível Buffalo Trace, que recentemente voltou ao nosso país, e os deliciosos Maker’s Mark e Woodford Reserve. E, como não poderia faltar, o fenômeno oriental – os whiskies da House of Suntory, como o The Chita e Hibiki Japanese Harmony. Por fim, há uma seção de coquetelaria com uma seleção feita a dedo de produtos que usamos no Caledonia, ou simplesmente amamos.
Estamos bastante orgulhosos desta ramificação virtual. E esperamos que você, querido leitor, entusiasta de whiskies ou frequentador também goste. Nos vemos – novamente – no mundo virtual.
Maverick. Se pudesse escolher uma palavra perfeita para resumir esta prova inteira, esta palavra seria Maverick. Ou Maverique, se preferir o neologismo. E não é por causa do carro, nem do míssil, tampouco do personagem de Top Gun, ou do apostador estrelado por Mel Gibson. E para os mais íntimos, também não tem a ver com meu finado cãozinho, mascote deste infame website, orgulhosamente apresentado na tela inicial. Todos estes significados, na verdade, são derivativos.
A palavra maverick surgiu nos Estados Unidos no começo do século dezenove, por conta de Samuel Augustus Maverick, um fazendeiro meio maluco que se recusava a marcar seu gado. É que naquela época, o Texas era um estado selvagem, cheio de grandes planícies, fazendeiros, caubóis armados e baixíssima densidade demográfica – assim como hoje, pra falar a verdade. Mas, enfim, os fazendeiros do Texas marcavam seu gado com ferro quente. Mas não o senhor Samuel. O senhor Samuel, espertamente, se recusava a marcar seu gado. E se indagado sobre a omissão, esclarecia que “Se todos os outros fazendeiros marcam, eu não preciso marcar. Por exclusão, todos os sem marca são meus“.
Com o tempo, o significado da palvra Maverick se expandiu. E passou a definir um rebelde. Uma pessoa que pensa de forma independente, e que se recusa a seguir costumes e regras do grupo a que pertence. Uma definição que se encaixa perfeitamente à Compass Box Whisky Co., empresa fundada por John Glaser em 2001, e cujos whiskies acabam de chegar oficialmente ao Brasil pela importação da Single Malt Brasil.
Glaser
É que a Compass Box é uma empresa de nicho, especializada em criar, especialmente, blended malts. Ela tem um posicionamento iconoclasta, e, ao longo de sua história, contestou de forma ora bem-humorada, ora combativa, diversas regras impostas pela Scotch Whisky Association. Como, por exemplo, a regra sobre declaração de idade mínima com seu Three Year Old Deluxe, e a proibição do uso das palavras “vatted malt” e “pure malt” com o lançamento de seu “The Last Vatted Malt”. E, com o Compass Box Spice Tree, tema desta prova, não foi diferente.
Para um whisky geek, a história do Spice Tree prescinde quaisquer floreios. Em 2005 a Compass Box – já conhecida por sua rebeldia frente às regras da Scotch Whisky Association – lançou um blended malt maturado em barris de carvalho americano, que possuíam ripas de carvalho europeu em seu interior. A ideia inicial seria que o líquido fosse influenciado pelas duas madeiras ao mesmo tempo, aumentando a complexidade sensorial do whisky. Além disso, era um experimento interessante, e, claro, um excelente pretexto comercial.
De acordo com John Glaser, fundador da Compass Box “O Spice Tree é considerado por muitos como nosso whisky de malte ilegal. (…). O que fizemos originalmente foi utilizar uma técnica emprestada do mundo do vinho. Ripas internas. Em nosso caso, ripas de carvalho europeu. Nós alinhamos as ripas no interior de barris de whisky usados, e colocamos um whisky já maturado lá dentro, para uma segunda maturação“
e continua “A SWA, porém, não gostou. Consideraram que aquilo não era uma técnica tradicional de produção de whisky (…). Depois de um debate de meses, decidimos que não podíamos mais seguir a batalha. Então, tiramos o whisky do mercado. E nos anos subsequentes, desenvolvemos um novo tipo de barril, com carvalho francês nas tampas dos barris. Ainda que a maturação levasse mais tempo, isso permitiu que devolvessemos o Spice Tree ao mercado“. É esta versão, revista, que acaba de chegar ao Brasil.
Poker Face pra SWA
É interessante como a Compass Box – ao contrário de boa parte dos produtores de scotch whisky – é bem transparente sobre a composição de seus produtos. Basta uma pesquisa superficial para encontrar os exatos componentes do whisky. A base do Compass Box Spice Tree é Clynelish – um single malt que, sozinho, já é incrivelmente complexo – com um toque de Dailuaine e Teaninich. Este posicionamento, de certa, forma, é bem intencionado. Mas, é também multifacetado – a Compass Box é uma empresa de nicho com produção bem restrita.
De acordo com Jill Boyd, blender do time da Compass Box Whisky Co., “basicamente, o que acontece com o Spice Tree é que nós blendamos maltes e maturamos por mais dois anos em nossos barris. Depois que são maturados, eles são reunidos e adicionamos um pouco de whiskies maturados em barris de ex-bourbon, para garantir que não fiquem muito amadeirados. Para essa receita específica, a mistura é 14% Clynelish, 4% Dailuaine e 82% de nosso Highland Malt Blend (que é a mistura que maturou nos barris da Compass Box).”
Sensorialmente, o Compass Box Spice Tree é, praticamente, um resumo de seu nome. É um whisky apimentado, com notas de gengibre, cravo, canela e pimenta do reino. Há um sabor frutado que cria coesão, e equilibra o sabor de especiarias. O final é longo e também apimentado, com mais gengibre. Estas especiarias vêm, em boa parte, do uso das tampas de carvalho europeu – que trazem um resultado parecido com uma breve finalização em barris de carvalho europeu virgens de certos whiskies.
Assim, se você – como a Compass Box – se considera um Maverique, o Spice Tree é prova obrigatória. É um blended malt de alta qualidade, que apela para um público que anseia por esta qualidade. Aqueles, os esclarecidos, bastiões da verdade e do conhecimento. Os condenadores do corante caramelo, da padronização e da filtragem a frio. Os pensadores livres e conhecedores, que não são guiados pelo rebanho, mas, sim, pela luz da sabedoria.
Mas que, de vez em quando, e como todo mundo, adoram um marketing e um whisky bem feito.
COMPASS BOX SPICE TREE
Tipo: Blended Malt
Marca: Compass Box Whisky Co.
Região: N/A
ABV: 43%
Notas de prova:
Aroma: especiarias, cravo, canela, muito gengibre.
Sabor: Seco e frutado, com frutas amarelas e especiarias. Final seco, longo e apimentado, com gengibre e pimenta do reino
Filmes com dezenas de trailers e comerciais. Elevador que para e abre sem ninguém entrar antes do seu andar. Carro da frente que não anda com o semáforo aberto. Gente que espera chegar ao caixa do fast-food para finalmente decidir o pedido. Gente que faz um pedido enorme. Gente que descobre que esqueceu as batatas e faz outro pedido depois de ter fechado. Gente que anda devagar na sua frente, ou ao seu lado, ou ao seu redor. Gente, em geral.
Há milhares de situações cotidianas que testam nossa paciência. De curto e longo prazo. Somos, naturalmente, imediatistas. Não é natural ter que esperar pelas coisas. As necessidades que temos, especialmente as mais básicas, são imediatas. Se você discorda, é porque nunca ficou na fila do banheiro de um bar, ou nunca teve o pedido do delivery atrasado.
Algumas coisas, entretanto, exigem irremediável paciência. São aquelas que demandam um tempo natural para se aperfeiçoarem, amadurecerem. Whisky, por exemplo. E, minha mais recente descoberta culinária, salmão – ou, na verdade, qualquer peixe – curado. O resultado se chama gravlax, ou gravdlax, e é bem típico da Escócia – onde divide espaço com o salmão defumado – ainda que (discutivelmente) tenha nascido durante a idade média na Suécia.
Esperando o salmão curar
Antes de fazer este post, pesquisei bastante – e perguntei para quem realmente sabe cozinhar – como curar o salmão. E, descobri que, como opinião e derriére, todo mundo tem uma técnica diferente. Não há, realmente, um consenso. Alguns preferem curar duas peças, uma em cima da outra, com sal, dill e açúcar no meio e drenar depois. Outros, submergem os filés no líquido e depois amassam. Tem gente que espeta o filé, tem gente que faz pequenos cortes, e gente – como eu – que tenta um de cada.
Uma das únicas coisas que devem, sempre, ser observadas, é sobre a qualidade e higiene do salmão. Prefira filés de salmão congelados de boa procedência e qualidade, ou, então, compre salmão fresco e congele por, no mínimo, uma semana. Muito cuidado nessa parte. Salmão curado ainda é um alimento cru.
SALMÃO CURADO COM WHISKY TURFADO
A receita abaixo é uma variação feita por este Cão, equilibrando sabor e preguiça. Há técnicas bem mais trabalhosas (e que podem dar resultados melhores) e outras mais simples. Esta é a que rendeu melhores resultados num conceito absolutamente discricionário.
Lembre-se de testar. Você pode mudar os temperos. Ou a base alcoólica. Que tal um salmão com pimenta branca, gim e um toque de vermute seco? Ou com wasabi, horseradish, ou seja lá como você chamar aquela pasta verdinha. Seja criativo. Mas lembre-se que alguns ingredientes poderão interferir no filé – evite coisas muito ácidas, por exemplo.
Antes de fatiar.
INGREDIENTES
90g de sal
180g de açúcar
30-60 ml de whisky turfado (ou a bebida de sua preferência)
40g de Dill (40g vai depender do seu dill. Tente evitar os caules. Pique bem)
pimenta rosa
500g de salmão, cortado em dois filés
PREPARO
pique o dill fininho, e misture com o sal e o açúcar. Adicione o whisky e misture. Não vai virar um líquido, fique tranquilo. A consistência será mais próxima de – usando uma analogia um tanto improvável – areia de praia.
Com uma colher, espalhe uma boa quantidade da mistura sobre a parte de cima dos filés, e outra parte sobre a pele.
Disponha os filés um em cima do outro, com a parte da pele para o lado de fora (pense em um sanduíche onde a pele é o pão!) e use um papel filme para enrolar tudo e deixar bem apertado. Coloque um recipiente embaixo, e algum peso em cima. Isso fará com que, ao longo do tempo, o salmão vá perdendo líquido, que cairá no recipiente inferior.
Coloque na geladeira e deixe curar. O tempo de cura influenciará diretamente no sabor do salmão. Durante minhas tentativas, meu melhor resultado esteve entre 1 dia e meio e dois dias.
Quando estiver pronto (isso é um conceito discricionário), retire da geladeira, tire o papel filme se você tiver usado papel filme, e corte fininho, como sashimi. Você pode antes raspar o excesso da cura de cima (vide foto acima)
Pronto. Aproveite com uma boa dose de Laphroaig, Ardbeg, Talisker ou Port Charlotte.
Todos temos rotina. A minha é, na verdade, bem simples. Na maioria dos dias, ela se resume a tomar café até ficar tremendo, e depois aparar as arestas pontudas com algum whisky, cerveja ou coquetel. Não tem muito segredo – é uma espécie de sistema de freios e contrapesos. Às vezes decido que não vou beber, e aí, tomo menos café também. Não. Mentira – tomo café igual e fico com insônia mesmo. Vocês já me conhecem bem demais para tentar enganá-los.
E ainda que este blog explore muito bem a segunda etapa de minha rotina – a do whisky, cerveja e coquetel – ele se furta a falar da primeira. A do café. Que é super importante. Aliás, café é uma maravilha. Ele melhora seu rendimento físico, ajuda a perder peso e a queimar gordura, aumenta a atenção e reduz o risco de uma porrada de moléstias, como parkinsons, aushemier e infarto.
Ah, saúde!
Tendo notado esta falta, decidi, então, produzir aqui um post que há muito pretendia. De um coquetel tão amado quanto detestado. O polêmico e – entendo que a adjetivação que segue é discricionária – delicioso espresso Martini. Um coquetel que une dois momentos do dia em uma única taça. Como aquela teoria, que diz que o tempo não existe, e que futuro, presente e passado acontecem e aconteceram simultaneamente.
De acordo com uma matéria (muito boa, aliás) veiculada no website Clube do Barman, o Espresso Martini teria sido criado por Dick Bradsell na década de oitenta, a pedido de uma cliente, cujas instruções foram “crie um drink que me acorde e ‘detone’ (substitua “detone” aqui pela palavra com f) ao mesmo tempo“. Bradsell não teve dúvidas – uniu o destilado mais popular da época com café, deu um toque de licor de café e decorou com alguns grãos.
O Espresso Martini é um coquetel curioso. Primeiro, porque ele não tem nada de martini, exceto a taça. Em segundo, porque, especialmente por conta do café, ele pode variar de horrível para delicioso com uma facilidade que poucas misturas conseguem. Basta escolher uma vodka muito alcoolica, ou um café que não aguente a mistura, para produzir algo intragável.
Para a versão ora apresentada, este Cão escolheu a Haku Vodka. A escolha se deu especialmente por conta da textura da bebida. A Haku tem uma textura aveludada e álcool bem integrado – algo importante no coquetel. E, como café, sacrificou um espresso da recém-criada Floraria.co – da Fazenda Capadócia. Mas, caso você não tenha estes ingredientes, lance mão daquilo que estiver ao alcance. Apenas tome cuidado com o equilíbrio.
Assim, caros leitores, aí vai a receita de um clássico moderno, um coquetel quase paradoxalmente relaxante e estimulante. O Espresso Martini. E não, não é aconselhável substituí-lo pelo café da manhã.
(HAKU) ESPRESSO MARTINI
INGREDIENTES
40ml Haku Vodka – aqui, voce pode até trocar por algum whisky. Prefira algo leve, delicado mas aromático!
20ml licor de café (o original pede por Kahlua)
20ml café espresso
xarope de açúcar (ou não, se você beber seu café puro)
PREPARO
adicione todos os ingredientes em uma coqueteleira. Coloque bastante gelo e bata vigorosamente.
Com o auxilio de uma peneira ou strainer, desça o conteúdo da coqueteleira para uma taça coupé ou de martini previamente resfriada. Atenção – cuidado com a diluição. A textura deste coquetel é uma de suas características mais importantes.
O cansaço é realmente uma condição surreal, pensei, enquanto puxava a rolha e descia uma generosa dose em um copo baixo. Duas e doze da madrugada. O último par e meio de horas deslizou por mim totalmente despercebido. E, agora, congelado no exato momento que a primeira gota se precipitava pela boca da garrafa, refletia sobre como tinha chegado àquele momento.
Tenho alguns lampejos de memória recente. Depois de ter ido dormir às duas e acordado às cinco no dia anterior, decidi que seria uma boa ideia uma corrida matinal. Voltei, tomei banho, um ofurô de café e resvalei por três reuniões consecutivas, que desembocaram em algo que poderia ser considerado um jantar – um frango curiosamente cru de um lado e carbonizado do outro.
Depois, meu corpo – que claramente já havia sido abandonado por meu cérebro – decidiu que seria uma boa ideia começar uma matéria para este blog. Nove e meia da noite, mais ou menos. Segui catatônico contemplando a tela em branco por uma hora e meia, até, finalmente, assumir a derrota, desligar o computador e ir para cama. E aí, a coisa mais curiosa aconteceu.
(Não é J.C., é o Hugh Jackman)
Passei na frente de minha cristaleira de whiskies e, de soslaio, notei uma curiosa garrafa. John Walker & Sons Celebratory Blend. Um item recém adicionado à minha tímida biblioteca líquida e lançado em Dezembro de 2020 em nosso país. Ainda totalmente lacrado, aguardando o momento perfeito para uma prova deste blog. O momento perfeito como, por exemplo, exatamente aquele.
Fade out, fade in. Sentado à mesa da sala de almoço, tumbler na mão, meus neurônios dão um último suspiro. Que cansaço. Meia dose, quinze minutos, cama, prometi silenciosamente enquanto descia o whisky. Senti os primeiros aromas. Adocicado, canela, açúcar mascavo, baunilha. Bastante aromático, e, de certa forma, reminiscente do finado Gold Label 18. Lembro-me de ler que Jim Beveridge, master blender por trás da criação, certa vez declarou que “ele é inspirado pelos sabores encontrados nos livros de registro da loja de Walker, que estão nos arquivos da Diageo. Queríamos usar apenas whiskies que estivessem disponíveis para a família em 1860, para recriar os aromas da loja“
Antes de dar o primeiro gole, observo com interesse a garrafa. O pacote do Johnnie Walker Celebratory Blend é inspirado no Old Highland Whisky, originalmente lançado na década de sessenta do século dezenove. Foi o primeiro whisky da Johnnie Walker a ser criado para exportação, e o primeiro a ter a icônica garrafa quadrada com o rótulo diagonal. O estojo também presta homenagem àquele whisky, e contém a única foto conhecida do empório dos Walkers, em Kilmarnock.
O empório
Dou meu primeiro gole. Adocicado no começo, mas vínico e frutado no final. Frutas secas, passas, ameixas. Uma discreta fumaça que termina e um apimentado seco de gengibre. Muito bom, era exatamente o que precisava, balbuciei para mim mesmo, enquanto sentia um estranho peso sobre as sobrancelhas. Era como se minha testa fosse colapsar sobre meus olhos. Respirei fundo, dei mais um gole e observei um detalhe incrível. 51% de graduação alcoólica! Corajoso.
Lembrei-me que o Johnnie Walker Celebratory Blend faz parte de um trio de lançamentos da Diageo para comemorar os duzentos anos da Johnnie Walker. Além dele, foram também produzidos dois blended scotch whiskies de luxo, o John Walker & Sons Bicentenary Blend e o Johnnie Walker Blue Label Legendary Eight. Ambos, com participação de silent stills pertencentes à constelação de destilarias da Diageo. Mais um gole, pronto.
Finalizada a dose, voltei à sala e liguei novamente o computador. E me desliguei. Devo ter passado uma boa meia hora – ou mais – assim. Cochilando, em paz, em frente à máquina. Ao abrir meus olhos, observei o texto que acabara de produzir. Ou não. Observei novamente a garrafa, à minha frente. Dessa vez não, meu caro Johnnie Walker Celebratory Blend. Hora de ir para cama. Boa noite.
Sabor: Adocicado no começo, mas vínico e frutado no final. Frutas secas, passas, ameixas. Uma discreta fumaça que termina e um apimentado seco de gengibre.
Disponibilidade: disponível no Brasil – R$ 500, em média.