Homenagens – Cutty Sark

O que une poema, um navio e um whisky? Uma improvável série de homenagens.

A história começa com Robert Burns, provavelmente o mais importante poeta escocês da história. Bobby era um cara simples, que amava beber, comer salsichão de bode e se comovia com pequenos desastres mundanos. Como certo episódio em que, distraído durante uma caminhada, esmagou uma margarida da montanha. A obra de Robert é extensa, mas um de seus mais famosos poemas é Tam O’ Shanter. Que, aliás, é também um dos maiores.

Tam O’ Shanter foi escrito em 1791, e conta a história de Tam, um fazendeiro que gosta de embriagar-se com seus amigos e fugir de sua esposa controladora. Em umas dessas noites de esbórnia, Tam sai do bar notavelmente bêbado e alegre. Sobe em sua égua Meg – afinal, não havia multa para conduzir equinos sob efeito de álcool – e segue para sua casa. No caminho, Tam se depara com uma estranha visão. Bruxos e bruxas dançando ao redor de uma fogueira. Uma das feiticeiras lhe chama a atenção, especialmente pela micro-saia que usava. E como um bêbado inconveniente, Tam resolve evocar o espírito misógino em seu coração e gritar “weel done, cutty sark” – algo como “parabéns, que saiazinha curta“.

Tam, que até então passava despercebido, é finalmente notado pelos hierofantes, que resolvem persegui-lo para se vingar. Ocorre que sua égua – Meg – o salva, perdendo apenas parte de seu rabo, que é agarrado e violentamente arrancado justamente pela bruxa notada pelo rapaz.  E esta obra seria apenas um poema sobre um bêbado ridículo que fez um comentário machista, não fosse uma série de improváveis homenagens.

A primeira delas foi um navio. Em 1869 foi inaugurado o famosíssimo Cutty Sark, um veleiro – clipper – com quase três mil metros quadrados de pano, distribuídos em mais de quarenta velas. Sua carranca – a figura de proa – é a bruxa do poema de Burns. O Cutty Sark  ganhou fama rapidamente, em especial por conta de sua velocidade. Após quase cinquenta anos de serviço – transportando chá, lã e outras mercadorias para diversas nações – ele foi aposentado, restaurado e tornou-se uma atração turística. Atualmente, o Cutty Sark é a única embarcação de sua classe que ainda existe, e pode ser visitado em Greenwich.

A bruxa na proa do navio (saia curta?)

A segunda foi, na realidade, um tributo àquele primeiro laurel. Naquele ano foi criado o blended whisky Cutty Sark pela Berry Bros & Rudd. A ideia do nome teria partido do artista escocês James McBey. O rótulo do whisky, que até hoje sofreu pouquíssimas alterações, porta a imagem do navio, desenhada pelo artista sueco Carl Georg August Wallin. Reza a lenda que o amarelo no fundo do rótulo teria sido um acidente. Desenhado com uma cor mais pálida, a gráfica responsável teria se enganado, mas os proprietários – Francis e Walter Berry e Hugh Rudd – gostaram do resultado, e resolveram mantê-lo.

A história deste singelo whisky, porém, não termina por aí. O Cutty Sark ganhou notoriedade internacional durante uma época que dificilmente uma bebida alcoólica poderia alcançar tal feito. A era da Lei Seca nos Estados Unidos. Foi naquele período, contrabandeado por um distinto capitão chamado William McCoy, que o Cutty Sark ficou conhecido. Seu sabor leve e coloração mais pálida caíram no gosto dos americanos, acostumados com rye whiskeys pouco maturados e bastante secos. Essa história ficou imortalizada por mais uma homenagem. Um rótulo lançado pela Cutty Sark em 2013 – O Cutty Sark Prohibition, desenhado à moda das garrafas da época.

O Cutty Sark tradicional, à venda em nosso mercado, possui 40% de graduação alcoólica. Ainda que a informação não esteja disponível oficialmente, podemos conjecturar que os principais single malts em sua composição são  The Macallan e Highland Park, pertencentes ao Edrintgon Group, que adquiriu a marca da Berry Bros & Rudd em 2010. Originalmente, seu single malt base era The Glenrothes, que permaneceu com a companhia após a venda da marca de blended whiskies em 2010. Muitos acreditam que, apesar da separação corporativa, The Glenrothes continua desempenhando papel central no blend.

A Glenrothes

O Cutty Sark é um blended whisky polêmico. Certos críticos o consideram unidimensional e pobre. Outros, porém, pensam que o whisky cumpre bem sua função como um blend barato e suave. Este Cão segue a segunda corrente. Porque da mesma forma que há espaço e tempo para single malts e blended whiskies premium carregados de sabor e camadas de complexidade, há sempre oportunidades para algo honesto, simples e agradável. Se o Cutty Sark rivalizasse em preço com o Chivas Extra ou o Johnnie Walker Black Label, talvez minha visão fosse diferente. Mas a verdade é que, pela metade do preço daqueles, ele entrega aquilo que promete.

A singeleza do blend está (literalmente) estampada em sua caixa. A embalagem traz a receita de dois drinks refrescantes como sugestão de consumo. Além disso, ao visitar o website internacional da marca, nota-se uma clara inclinação para o uso na coquetelaria. Há um cocktail explorer, que fornece as mais variadas receitas – de clássicos revistos a criações completamente novas – com o whisky.

Se você gosta de whiskies adocicados e suaves e possui um orçamento apertado, ou se simplesmente quer algo despretensioso para usar em seus coquetéis caseiros, o Cutty Sark é seu whisky. Quem sabe não é você que presta o próximo tributo desta corrente?

CUTTY SARK BLENDED SCOTCH WHISKY

Tipo: Blended Whisky sem idade definida

Marca: Cutty Sark

Região: N/A

ABV: 40%

Notas de prova:

Aroma: vegetal, floral. Muito suave.

Sabor: mel, malte, frutas cristalizadas. Final médio e seco, levemente picante.

Com água: A água torna o whisky menos picante e ainda mais suave. O aroma floral fica mais evidente.

Quatro dos whiskies mais caros a venda no Brasil

Essa semana assisti um filme que há tempos queria ver. Brewster’s Millions. Brewster’s Millions é uma comédia dirigida por Walter Hill, com Richard Pryor e John Candy. De forma bem resumida, ela conta a história de um rapaz – Monty Brewster – que precisa torrar trinta milhões de dólares para herdar trezentos milhões. A tarefa, que parece fácil no começo, torna-se hercúlea. Brewster percebe que gastar tanto dinheiro é bem difícil. No final do filme, ele só consegue atingir seu objetivo ao entrar para a vida política e concorrer a prefeito de Nova Iorque. Faz sentido, realmente,  porque se tem uma coisa que não dá dinheiro, é política.

O filme é bem divertido, mas uma coisa que não consigo entender direito é a dificuldade de Monty. Torrar dinheiro é tão fácil quanto esbarrar em pornografia na internet. Basta ter um pouquinho de criatividade e uma pletora de possibilidades se abre. Tudo bem que no filme havia regras que o impediam de comprar certas coisas. Mas pense em máquinas de fazer pão, restaurante japonês a-la-carte, roupinha de cachorro da Burberry e fones de ouvido do Dr. Dre. Elevando um pouco o ticket, é até mais simples. Uma Bugatti folheada a ouro, uma cama que flutua magneticamente ou um iate com dois motores de caça supersônico Harrier.  E se o gosto for pelo mundo corporativo, invista em uma linha aérea ou de um hotel. Consigo sonhar com um sem-fim de alternativas.

Sim, o iate, a Bugatti e a cama existem.

Eu, no entanto, não torraria em nada disso. Talvez seu poder de dedução já tenha chegado naquilo que usaria para esta árdua tarefa. Whisky. O mundo do whisky fornece a incrível possibilidade de transformar centenas de milhares de dinheiros em xixi, literalmente. Mas não sem enorme satisfação e alegria. E o melhor de tudo isso é que a bebida – ao contrário de bens mais duráveis como automóveis e embarcações – acabam. Assim a necessidade de se comprar algo pornograficamente caro se renova periodicamente, evitando que você acumule muito dinheiro indesejado com esses malditos rendimentos.

Se você já é insanamente rico, este post é praticamente uma lista de compras de fim de semana para você. Acorde mais cedo no sábado, desvencilhe-se de seus lençóis com fios de ouro. Abra mão do café da manhã com Louis Roederer Crystal e coloque a 488 para funcionar.  A vida é curta e seu patrimônio só aumenta. Desaplique seu dinheiro. Cada hora passada é uma oportunidade perdida de gastar tudo aquilo que você acumulou nos últimos sessenta minutos. Exerça as opções de seu stock option e vá as compras.

Mas se sua conta bancária ainda não atingiu a obesidade mórbida, não se preocupe. Continue comigo. Aí vão cinco whiskies tão caros quanto pão de queijo em aeroporto. E o melhor – todos estão à venda em nosso país. Nada de desperdiçar dinheiro em viagens. O foco aqui são os whiskies. Sonhe um pouco. É como escreveu uma vez Oscar Wilde “qualquer um que viva dentro de suas possibilidades sofre de falta de imaginação“.

Note que esta lista não pretende enumerar os whiskies mais caros a venda em nosso país. Isso é uma tarefa quase impossível. Mas apenas apontar algumas das mais onerosas compras neste incrível universo etílico.

Johnnie Walker Odyssey

O Odyssey é até hoje é o whisky mais caro já revisto nestas infames páginas. Ele foi o o protagonista da épica viagem inaugural do John Waker & Sons Voyager, um humilde iate de cento e cinquenta e sete pés, desenhado à moda da década de vinte, pertencente à Johnnie Walker. Tudo que há no Odyssey transpira exclusividade. Seu belo decanter de cristal possui uma base arredondada, que permite que o whisky balance. A – peculiar – ideia é que a garrafa não caia com o movimento do mar. Seu estojo também possui um conjunto de roldanas que permite que a garrafa permaneça sempre na posição vertical.

Ele é composto de apenas três single malts, cujas identidades são mantidas no mais absoluto segredo. Sua idade também não é revelada. A ideia aqui não é ser o whisky mais maturado. Mas aquele que oferece a mais luxuosa experiência para seu afortunado – literalmente – apreciador. Ele é, na verdade, uma perfeita materialização do luxo que a Johnnie Walker emana. Uma garrafa deste maravilhoso blended malt scotch whisky sai pela pechincha de R$ 7.500,00 (sete mil e quinhentos reais). Pense pelo lado bom – é menos do que custa a roda de uma Lamborghini. Eu acho.

Se quiser saber mais sobre ele, veja a prova completa aqui.

Glenfiddich 26 anos – Excellence

 

No Brasil, é realmente difícil encontrar um single malt com preço astronômico, capaz de fazer frente aos blends super exclusivos da Johnnie Walker e Royal Salute. O mercado de single malts ainda é um nicho, e poucas empresas possuem a coragem de se aventurar nestes mares.

O Glenfiddich 26 anos é maturado em barricas de carvalho americano que antes contiveram bourbon whiskey. Segundo a destilaria, o whisky “é vibrante, com um equilíbrio entre os taninos secos, açúcar mascavo e o adocicado da baunilha. Um sabor profundo de carvalho surge gradualmente, entremeado por notas de especiarias e alcaçuz.” Assim como atrizes e críticas de cinema brasileiras, este Cão não poderia opinar. Tudo que ele fez foi tirar uma foto da garrafa e depois devolvê-la, vagarosa e cuidadosamente, para a prateleira da loja.

Esta bela espécime custa, em média, R$ 4.500,00 (quatro mil e quinhentos reais).

Royal Salute 38 anos Stone of Destiny

Royal Salute 38 Stone of Destiny

Nome brega, rótulo folheado a ouro, número três na segunda casa decimal. O Stone of Destiny cumpre com louvor todos os prerrequisitos de um clássico whisky astronomicamente caro. Seu decanter de cerâmica é feito a mão pela marca francesa Révol. A idade denota que o whisky mais jovem em sua composição passou três décadas e oito anos em barricas de carvalho. E assim como o Odyssey, sua composição é secreta.

O Stone of Destiny é um exercício de perfeição da Royal Salute. Ele é um whisky equilibradíssimo, mas, ao mesmo tempo bastante profundo. Não há qualquer sabor dissonante. É quase contraditório. Um whisky tão bem elaborado, mas tão fácil de se beber despreocupadamente. Quer dizer, despreocupadamente se você tiver alguns milhares de reais sobrando. Uma garrafa da belezinha custa R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais). Isso significa que que cada dose do Stone of Destiny corresponde a mais de uma garrafa de Chivas 12. Melhor beber com mais calma.

Se quiser saber mais, veja a prova dele aqui.

The Macallan Rare Cask

Perto dos demais da lista, o Rare Cask – com seu preço de quatro dígitos com um número dois à esquerda – parece até uma pechincha. Mas convenhamos, uma lista de whiskies caros sem um The Macallan perde toda a credibilidade. A destilaria é sinônimo de exclusividade no mundo dos single malts.

Nas palavras da The Macallan”muito menos do que 1% das barricas maturando na destilaria foram identificadas como capazes de receber o nome Rare Cask. Com raridade como sua essencia, este é um whisky produzido de barricas tão raras que jamais serão usadas para outro whisky da The Macallan. A combinação de barricas de carvalho americano e espanhol de ex-jerez, sendo grande parte delas de primeiro uso, dão origem a um whisky com coloração esplêndida e incontestavelmente amadeirado (…)

O Rare Cask custa em torno de R$ 2.200,00 (dois mil e duzentos reais). Se quiser saber mais sobre esta maravilha, clique aqui.

 

 

Drops – Ardbeg Dark Cove

Ontem li uma reportagem sobre fobias. Há umas que eu nem sabia que existiam. Por exemplo, a mirmecofobia, que é o medo de formigas. Ou uma que muita gente tem e nem sabe, a fronemofobia, ou medo de pensar. Há algumas bem específicas, como a Anatidaefobia, definida como o pavor de ser observado por patos, e a Estruminofobia, que é o medo de morrer defecando. Há, porém, outras bem comuns. Eu por exemplo tenho uma certa fobia social, que é auto explicativa. Duas que eu definitivamente não sofro, no entanto, são a Dipsofobia e a Metifobia – respectivamente, o medo de beber e o de álcool.

Uma das mais comuns é a Nictofobia, ou medo do escuro. Ele é muito comum em crianças, mas algumas vezes se estende para a vida adulta. Porém, mesmo os mais tementes da escuridão – se não sofrerem da dipsofobia e metiofobia, claro – ficarão admirados com o brilhantismo da última edição limitada da Ardbeg, o Dark Cove.

O Dark Cove é um tributo da Ardbeg aos alambiques ilegais e ao contrabando de whisky do século XIX, que ocorriam na escuridão da noite, na costa próxima à destilaria. Há inclusive uma animação romanceada, com cenas ao estilo de Sin City, que contam o passado obscuro da melhor bebida do mundo. Soma-se a isso uma afirmação feita pela Ardbeg que gerou bastante polêmica. Segundo eles, o Dark Cove seria o “mais escuro Ardbeg até então”.

O Dark Cove faz parte dos conhecidos lançamentos anuais limitados da Ardbeg. São whiskies criados ao redor de certo tema – um storytelling etílico – escolhido pela destilaria. Em 2014, por exemplo, o tema foi a Copa do Mundo no Brasil. Naquele ano, a destilaria lançou o Auriverdes, que, na cabeça do pessoal de marketing da Ardbeg, era o nome de guerra do time de futebol brasileiro (Auri – ouro e verdes – verde). Algo tão corretamente aportuguesado quanto o queridíssimo Nespresso Dulsão do Brazil.

Bom, aqui eles acertaram…

Para o ano de 2016, no entanto, a Ardbeg levou o tema de escuro a sério. A sério até demais. Porque quase nenhum detalhe sobre a concepção do Dark Cove foi revelado. Tudo que se sabe é que ele foi maturado em uma combinação de barricas de carvalho americano de ex-bourbon e em “dark sherry casks”. O que, ambiguamente, poderia significar “barricas escuras de jerez” ou “barricas de jerez escuro”. Se for a primeira opção, a cor justifica-se por barricas altamente torradas. Este Cão, porém, crê na segunda alternativa. As barricas utilizadas pela Ardbeg para maturar seu Dark Cove provavelmente contiveram jerez Pedro Ximénez, bastante escuro e adocicado (saiba mais sobre jerez aqui). A proporção de barricas ou o tempo de maturação, porém, não são revelados.

Produzir whiskies defumados com maturação em barricas de jerez não é um trabalho fácil. Corre-se o risco de criar algo desequilibrado, muito voltado para a fumaça. Ou, pior, esconder o aroma e sabor enfumaçado, exagerando na influência da madeira, criando algo sem graça. O Dark Cove, porém, é bastante equilibrado. É um whisky claramente defumado, com sabor de carvão e medicinal, balanceado por um certo dulçor de frutas, proporcionado pelas barricas de vinho jerez. Nada se sobressai e o conjunto funciona bem.

O Dark Cove, como você deve ter presumido, não está disponível em nosso país. Porém, nas lojas internacionais seu preço é de aproximadamente 90 libras. E se esbarrar com uma garrafa por aí e decidir comprá-la, esconda-a muito bem. Esconda-a na escuridão do fundo de um armário, ou em algum canto escuro e protegido. Porque é bem provável que ele nem seja o Ardbeg mais escuro de todos. Mas que é excelente, ah, isso ele é.

ARDBEG DARK COVE

Tipo: Single sem idade declarada (NAS)

Destilaria: Ardbeg

Região: Islay

ABV: 46,5% (há uma versão exclusiva do Ardbeg Committee com 55%)

Notas de prova:

Aroma: Predominantemente enfumaçado, com um certo aroma de gengibre.

Sabor: Mais defumado que medicinal. Gengibre, algo próximo a ameixas secas, frutas vermelhas. Final longo e progressivamente mais enfumaçado e menos frutado. Equilíbrio interessantíssimo entre o defumado e o frutado.

 Disponibilidade: apenas lojas internacionais.

 

 

O Cão Didático – Copos e taças para whisky

O uso de ferramentas. Por muito tempo, acreditava-se que essa era nossa principal diferença com os animais. Nós, seres racionais, teríamos o poder de moldar elementos ao nosso redor para servir de utensílio para certo fim. Atualmente, sabemos que alguns outros bichos fazem isso. Primatas utilizam gravetos de bengala e vara.

Essa história é bem ilustrada no filme 2001 – Uma Odisséia no Espaço, de Kubrick. Na primeira cena do filme, um macacão – na verdade, um hominídeo pré-histórico – tem a brilhante ideia de utilizar um osso como porrete. Uma ferramenta rudimentar, que, ao longo do tempo, foi se tornando cada vez mais especializada e específica. Atualmente, há milhares de instrumentos que podemos usar para arrebentar coisas. Tacos de beisebol, martelos, espadas, machados. Enfim, qualquer coisa com uma haste e, de preferência, com algo bem dolorido ou afiado na outra ponta.

Milênios de evolução

A evolução do ferramental humano é incrível. A cozinha é outro exemplo claro disso. Há cinquenta anos, jamais poderíamos sonhar com a especificidade de utensílios que temos hoje. Há cortadores para tudo – maçãs, abacaxis e até manteiga. E se sua ideia não for cortar, mais sim conservar, você sabia que existe um recipiente desenhado especialmente para guardar bananas? E que ele só serve para isso. Se você tentar colocar um pepino lá dentro, por exemplo, não vai dar certo. Para isso, existe um guardador específico para pepinos.

Tamanha especialização se refletiu também no mundo da bebida alcoólica. Há taças ou copos para todo tipo de líquido. No mundo do vinho, por exemplo, há tipos diferentes de taça para uvas diferentes. Isso sim, é bem específico. No entanto, até pouquíssimo tempo, não havia qualquer copo ou taça desenhado exclusivamente para o consumo de whisky. A bebida era servida dentro de qualquer coisa – de copos baixos e largos a taças altas e bojudas. Recipientes que, muitas vezes, atrapalhavam bastante a tarefa de perceber os aromas do destilado.

A degustação analítica de whiskies era feita, muito frequentemente, nas taças ISO. Seu formato e tamanho foi padronizado pela International Organization of Standardization em 1977 como taças especializadas para degustação de vinho.

Padrões da ISO

As taças ISO são uma excelente escolha para padronização de degustações. Em provas com mais de um tipo de bebida – rum, brandy, whisky – elas são perfeitas. E até mesmo para degustação de um único tipo, frequentemente são utilizadas. São taças que geralmente possuem bom preço e entregam um ótimo resultado. Porém, são como um tupperware. Ótimo para guardar tanto bananas quanto pepinos, mas não absolutamente voltadas para cada tarefa específica. ISOs são fáceis de serem encontradas, inclusive online, como aqui.

Assim, até  2001 não havia qualquer copo para whisky, e para whisky apenas. No entanto, naquele ano, a Glencairn Crystal resolveu este problema. Ela identificou o copo ideal para a bebida, desenvolvido por Raymond Davidson há mais de vinte e cinco anos daquela data. O desenvolvimento contou com a participação de alguns dos mais respeitados master blenders do mundo do whisky, de forma a tornar seu desenho inicial perfeito.

O Glencairn Whisky Glass permite apreciar todos os sabores e aromas do whisky. Ele não ressalta qualquer característica específica, mas potencializa o conjunto de elementos que formam a bebida. Eles são excelentes para qualquer single malt, blended whisky, irish whisky ou mesmo bourbon. Suas bordas estreitas concentram os aromas, e permitem perceber todas as nuances do whisky. Atualmente, o Glencairn é o copo oficial para degustações de whisky, e é utilizado nos mais respeitados bares e destilarias ao redor do mundo. Por aqui, ele foi recentemente importado pela Single Malt Brasil, e pode ser encontrado aqui.

Instruções de uso do Glencairn.

Recentemente um outro copo foi lançado no mercado. O Norlan Glass. Ele surgiu de um projeto no Kickstarter em 2015 que obteve enorme sucesso. O Norlan possui parede dupla de vidro com isolamento de ar entre a parte externa e a interna, semelhante àquele de uma garrafa térmica. Ao contrário do Glencairn, as bordas do copo se voltam discretamente para fora. Seu interior possui quatro pequenas reentrâncias, que servem para aerar o whisky. O copo é um belíssimo trabalho de engenharia, não há como negar.

O desenho todo do Norlan – segundo a empresa baseado em bio-mímica, seja lá o que for isso – é focado em potencializar o aroma do whisky e tirar o álcool do caminho. Nas palavras da Norlan “a segunda maior característica é o formato das paredes internas, que se fecham a medida que sobem, mas depois divergem novamente, para não bater no nariz. A altura e diâmetro da menor abertura foca no aroma, enquanto, simultaneamente, difundem o etanol para longe do rosto, fantasticamente melhorando o sabor do whisky“.

O marketing ao redor do Norlan é tão intenso que às vezes parece exagerado. O site chega ao ponto de dizer que os demais copos e taças de whisky são antissociais, porque obrigam o apreciador a desviar o olhar para experimentar a bebida – problema que seria resolvido pelo Norlan e suas bordas abertas. Este Cão, não consegue imaginar algo mais desesperador do que não ter nenhum pretexto para desviar o olhar das outras pessoas. E que, portanto, este é um problema que não precisa ser resolvido.

Nem sempre é uma boa fazer contato visual.

Apesar de ser um copo belíssimo, este Cão não ficou apaixonado pelo Norlan. Ele realmente tem sucesso no que se propõe – volatilizar o whisky e reduzir a agressividade do álcool no aroma. Porém, também acaba mascarando algumas características da bebida. E pior, ao analisar whiskies menos alcoólicos ou delicados, compará-los com os mais robustos e alcoólicos torna-se mais difícil. Os Norlan não são importados para nosso país.

Além destes, outros copos e taças foram desenvolvidos nas últimas décadas. Há, por exemplo, o copo NEAT. Um nome bem cretino, que significa em inglês “puro” e, ao mesmo tempo, é a sigla para Naturally Engineered Aroma Technology (Tecnologia de Aromas Naturalmente Desenvolvida), outra coisa que não faço idéia do que seja. Há um belo copo para single malts produzida pela famosa Riedel, e uma caríssimo e exclusiva taça de cristal lapidado da The Macallan, feita pela Lalique.

Atualmente, é vastíssima a variedade de copos e taças criados para a melhor bebida do mundo. Escolher entre um e outro dependerá, essencialmente, de sua preferência. Este Cão tem como favorito absoluto o Glencairn, seguido pela ISO. Porém, seja qual for sua escolha, lembre-se sempre da mais essencial regra de toda degustação caseira de whiskies: aproveite. Seja sozinho ou ao lado dos amigos – com ou sem contato visual – o importante é agarrar o momento e divertir-se.

 

Dádiva Odonata #5 – Nossa própria cerveja maturada em barris de single malt!

Quando comecei a escrever o Cão Engarrafado, não sabia muito o que havia pela frente. Mas imaginava algumas coisas. Previa que – se tudo desse certo – em algum ponto do percurso guiaria alguma degustação de whiskies. Imaginava também que, invariavelmente, conheceria muita gente. O que não é necessariamente bom, porque como uma vez disse Sartre, o inferno são os outros. Sabia, no entanto, que – em certos casos excepcionais – teria contato com gente bacana.

Tinha certeza de que descobriria uma centena de maltes apaixonantes, e provaria outros que não seriam muito além de medíocres. Sabia que beberia um pouco demais e gastaria além da conta. Em meus delírios mais sofisticados, antevia que poderia elaborar a carta de whiskies de certo bar ou restaurante. Todas essas coisas, apesar de bastante longínquas há três anos, me pareciam estágios do desenvolvimento de um blog sobre um assunto tão incrível quanto whisky.

Mas uma coisa que jamais poderia prever, nem em meus devaneios mais estratosféricos, é que assinaria e faria parte do desenvolvimento de uma cerveja. Mas foi exatamente isso que aconteceu recentemente com este Cão. Há alguns meses fui convidado por Victor Marinho – mestre cervejeiro da Dádiva – para participar de um dos projetos mais empolgantes que já tive a oportunidade de estar envolvido. A produção de uma Russian Imperial Stout que passa por barricas de whisky.

O resultado foi a Dadiva Odonata #5, maturada em barricas de single malt scotch whisky das highlands – que eu jurei de pé junto não contar qual é. A maturação, que levou em torno de dois meses, trouxe à cerveja um sabor adocicado de baunilha e madeira, que complementa perfeitamente suas notas amargas, de chocolate e de café. Há um certo mel residual, bem característico do whisky. Quando pude prová-la, antes de seu lançamento, fiquei estarrecido. Naquela oportunidade a cerveja ainda não estava nem carbonatada, mas já parecia um produto acabado e excepcional.

Deu sede só de ver a foto.

Mas a história é ainda mais surpreendente. Acontece que a Odonata #5 – como o número de sobrenome pode denunciar – não é filha única. Junto com ela, a cervejaria lançou mais duas Odonatas. A #4, que utiliza malte defumado por folha de charuto e é maturada em barricas de carvalho americano que antes contiveram rum; e a #6, maturada em barricas de carvalho europeu de cachaça. As meio-irmãs de minha Odonata são filhas, respectivamente, dos especialistas César Adames e Dinah Paula. E se você estiver se perguntando porque a numeração começa em quatro, eu explico. Não é uma homenagem a Star Wars. É que no ano passado foram lançadas outras três edições especiais desta incrível Russian Imperial Stout.

Para as Odonatas deste ano, serão feitos quatro lançamentos. Um geral, no Empório Alto de Pinheiros, no dia 17 de julho, e outros três, específicos para cada uma das cervejas. Estes acontecerão em locais com tradição no tema de cada uma. Assim, a cerveja de Adames será lançada no Cateto Pinheiros (anfitrião das conhecidas Smokey Mondays), no dia 18 de julho. A de Dinah, em sua Quinta das Castanheiras, no dia 20 do mesmo mês. E, finalmente, a deste Cão, no Admiral’s Place – referência de bar quando o assunto é whisky.

Odonatas

As Odonatas estarão disponíveis em garrafa e chope, em locais selecionados. Nos dias dos lançamentos, haverá garrafas a venda, que poderão ser adquiridas pelos presentes. No dia 17 de julho, este Cão estará no Empório Alto dos Pinheiros, junto com os demais padrinhos, para autografar as cervejas compradas no evento – ainda que eu não consiga ver qualquer boa razão para querer um autógrafo meu. Para saber mais sobre o evento, clique aqui. É uma oportunidade para experimentar uma cerveja incrível e conhecer muita gente. Eu sei, o inferno são os outros. Mas quem gosta de cerveja e whisky é exceção.

Veja abaixo o vídeo que gravei – com toda desenvoltura que me é natural – sobre o lançamento:

 

DÁDIVA ODONATA #5 – MAURÍCIO PORTO

Cervejaria: Dádiva

País: Brasil

Estilo: Russian Imperial Stout

ABV: 12%

IBU: 60

Notas de Prova:

Aroma: café, chocolate, um certo fundo vínico muito suave.

Sabor: Encorpada e com pouca carbonatação. Sabor predominantemente de chocolate, com mel, baunilha e frutas vermelhas. Final progressivamente mais adocicado, puxado para o chocolate e a influência da madeira.

 

Chivas Extra – Juntos e Extraordinários – Final

Qual seu programa de domingo? Bem, em um domingo qualquer, um domingo ordinário, eu provavelmente acordaria tarde, almoçaria e veria um filme em casa. Talvez prepararia algum texto para este blog. Ou acordaria cedo e sairia com a Cãzinha para algum parque ou museu. E a tarde, quando ela dormisse, me afundaria no sofá ao confortável e constante som da rota de aviões que passa próxima à minha casa. O que, convenhamos, é ótimo.

Mas este domingo – dia 09 de julho – foi um dia extraordinário. Não, não é por conta do feriado da revolução constitucionalista. Mas porque este Cão foi convidado para participar, como jurado, do primeiro campeonato de coquetelaria do whisky Chivas Extra. Um convite decerto extraordinário.

O Concurso,  batizado de “Juntos & Extraordinários” marcou o lançamento do Chivas Extra para os bares brasileiros. A ideia é mostrar a versatilidade do whisky também do lado de lá do balcão. Assim, o bartender deveria elaborar um coquetel que tivesse como base o Chivas Extra, dentro do tema “Quais ingredientes que juntos formam um drink extraordinário” e divulgá-lo via Instagram. Dentre os competidores, cinco de cada região foram selecionados.

Para a  segunda etapa de São Paulo, que aconteceu neste extraordinário domingo no The View, os bartenders selecionados foram Royter Correia, do Barê, Silas Rocha do Riviera, Ivo Rangel do próprio The View, Thiago Pereira do Sala Especial e Vladimir Cabral do SubAstor. Estes tiveram que improvisar, na hora, um coquetel com o tema “como você comemoraria um momento especial com Chivas?“. Os jurados foram Mijung Kim, embaixadora da Chivas Regal, Marcelo Sant’Iago e Jairo Gama, além deste Cão, que pela primeira vez ocupava uma cadeira de julgador.

The view from the view

Antes de começar o campeonato, imaginava que o trabalho seria fácil. Afinal – pensava eu – não seria nada além de beber coquetéis e escolher um favorito. Mas a realidade, como sempre, foi bem diferente da expectativa. Porém, dessa vez, a superou extraordinariamente. Em primeiro lugar porque os coquetéis apresentados foram incríveis. Contos de fadas, cafés, pães, bolas de fogo, tampas voadoras, copos com luz própria, fumaça – aliás, muita fumaça – e ceviches cuidadosamente preparados foram os insólitos ingredientes daquela extraordinária noite. Em segundo, porque a tarefa de julgar trabalhos tão incríveis não era nada, nada fácil.

No entanto, após numerosas idas e vindas nas fichas de avaliação, um pouco de reflexão e muitas rasuras, já tinha meu resultado. Resultado que, somado àquele dos demais jurados, enviaria o vencedor a Lima, para participar da Clase Maestra 2017, um dos maiores eventos de coquetelaria do mundo. E – não sem um pouco de suspense – o ganhador foi finalmente anunciado. Sylas Rocha, do Riviera Bar. Seu coquetel, “O Momento” contou com uma apresentação literalmente mágica, além de uma garrafa surpresa, preparada com antecedência e cheia do drink, para que todos na festa pudessem compartilhá-lo.

O Momento de Sylas (fonte: Elton Araújo Fotografia)

“Juntos & Extraordinários” foi, para este Cão, uma grande experiência. Respondendo a pergunta “Como você comemoraria um momento especial com Chivas?” Bem, um ótimo whisky num domingo extraordinário, com coquetéis e pessoas incríveis certamente seriam parte dessa resposta.

 

Fondue de Chocolate e Whisky

 

O inverno brasileiro é engraçado. As pessoas aguardam ansiosas o fim da sudorese e a chegada de uma temperatura mais amena. A ansiedade é tanta que, às vezes, nem começou a fazer frio e já está todo mundo de casaco. Quer dizer, quase todo mundo. Alguns, poucos, não foram avisados sobre a chegada do inverno, e fizeram o que fazem todos os dias – se vestiram de acordo com a real temperatura externa. O resultado disso é que, a dois metros de uma moça de sobretudo há um rapaz de bermuda e camiseta. E ninguém acha isso esquisito. É como se o figurinista da Globo tivesse escolhido a roupa de todo mundo.

Outra coisa curiosa que acontece no inverno é a mudança dos hábitos alimentares. O inverno não precisa nem ser sentido – basta que seja anunciado – para que centenas de caixinhas de fondue invadam os supermercados. Nos mais sofisticados, há bem mais do que as duas clássicas variedades de queijo e chocolate. Hoje em dia, há especificidade. Fondues de chocolate amargo, chocolate ao leite, queijos emmental, gouda e gorgonzola. É muito fondue para tão pouco frio.

E vou contar um negócio. Adoro queijo e gosto de chocolate, mas nunca entendi a graça de passar calor e depois ter que lavar uma arroba de louça só para comer queijo derretido com pão. Eu nunca fui um grande fã de fondue. Até agora. É que na semana passada resolvi que mudaria isso. A começar pelo fondue de chocolate, que era o último na minha lista de predileções. Mudaria, é claro, da única forma que sei. Adicionando whisky. E incrivelmente, o resultado foi ótimo.

É obvio que, neste ponto, eu poderia simplesmente sugerir que fossem ao supermercado mais próximo, comprassem uma caixinha de algum fondue de chocolate pronto e, na hora de preparar, descesse uma talagada de algum bourbon. Mas, meus caros, não vou fazer isso. Porque valorizo o tempo de vocês, e imagino que esta óbvia ideia já tenha percorrido suas mentes. Se fosse assim, ler este texto seria uma terrível perda de tempo.

Por isso vou explicar como preparar a receita do começo. Sem atalhos. E se você achava que o fondue pronto já fazia sujeira, preparem-se para transformar sua cozinha numa obra de arte do Vik Muniz. Peguem seus caderninhos e agarrem suas sinvastatinas. Aí vai uma receita que vai te aquecer e elevar seu nível glicêmico só de ver a foto.

FONDUE DE CHOCOLATE COM WHISK(E)Y

Antes de qualquer coisa, isto é um blog de whisky. Então vamos discutir o whisky. A ideia aqui é que a bebida realmente complemente o sabor de chocolate. Não apenas com aquele aroma e sabor alcoolico. Mas que, de fato, empreste sabores novos. Assim, a escolha do whisky é importantíssima.

Este Cão testou algumas vezes, com whiskies de preços e estilos diferentes. Primeiro – esqueça os defumados. O medicinal e marítimo deles não funciona direito com o fondue. Whiskies com alguma maturação em jerez ficaram ótimos – como o Famous Grouse, Chivas Extra e o Whyte & Mackay. Bourbons, especialmente os mais adocicados como o Maker’s Mark também – nem precisa dizer – ficaram excelentes. Estes emprestam baunilha e uma certa profundidade à sobremesa.

INGREDIENTES:

  • 225g de chocolate meio amargo (1 barra e meia)
  • 225g de chocolate ao leite (1 barra e meia)
  • 200g de creme de leite fresco
  • whisky a gosto – sim, isso é uma medida discricionária. Este cão obteve os melhores resultados com algo próximo de 150ml.
  • frutas, bolachas ou qualquer coisa que fique boa no fondue.

PREPARO

  1. Quebre os chocolates em pequenos pedaços
  2. em uma panela, adicione o creme de leite e o chocolate, e derreta enquanto mistura. Talvez fazer isso em banho maria seja providencial.
  3. Quando a mistura já estiver quase homogênea, adicione o whisky.
  4. Pode servir!

Drops – Royal Brackla 16 anos

 

Você sabe o que é um Royal Warrant? Um Royal Warrant é uma espécie de selo de aprovação da família real. Isso, na prática, significa que certa marca – a qual o Royal Warrant é concedido – fornece um serviço ou produto de altíssimo nivel para a corte real. E que, por conta disto, merecem deferência. Ou que a marca – a destilaria, no caso – é profundamente admirada por certa celebridade de sangue azul.

A maioria dos países que, em algum momento, adotaram o regime monárquico possuem Royal Warrants. Até mesmo no Brasil isto aconteceu. Ao todo, foi concedido o inacreditável numero de dois. Um para a Granado – sim, aquela que faz os sabonetes – e outra para Henry Poole & Co, alfaiataria britânica que produzia parte das vestimentas de Dom Pedro II. A família real inglesa, porém, não foi tão seletiva. Ao longo de sua história, ela já forneceu milhares de royal warrants. Atualmente, há pouco menos do que novecentos. Companhias em ramos tão diversos quanto a Aston Martin, Nestlé, Twinings e Burberry possuem estes selos.

A Brackla foi a primeira destilaria a receber o Royal Warrant. O Royal Warrant da Brackla foi concedido pelo Rei William IV em 1833, quando a destilaria possuía apenas 23 anos de idade. Em 1838 a Rainha Victória renovou o Warrant. Por conta dessa história os whiskies da Brackla até hoje são vendidos com os dizeres “The King’s Own Whisky” ou “O Whisky do Próprio Rei” em seus rótulos. Além disso, a destilaria pode utilizar a denominação “Royal” em seu nome.

O Royal Brackla 16 anos foi lançado apenas recentemente, em 2015. Juntamente com Glen Deveron, Craigellachie, Aberfeldy e Aultmore, ele compõe os “Last Great Malts of Scotland”. Um nome com bastante pompa e certa presunção, mas que, na realidade, é somente a reunião das destilarias sob comando da multinacional Bacardi. Ainda que a comercialização como single malts e o lançamento dos Last Great Malts sejam fenômenos recentes, os maltes já são velhos conhecidos do mercado. São eles os principais ingredientes dos blended whiskies da Bacardi, como o Dewar’s.

A primeira versão lançada do Brackla foi um whisky com 35 anos de idade, com preço sugerido de 15.000,00 (sim, quinze mil mesmo) dólares. Em seguida, a Bacardi revelou que não seria necessário vender um automóvel para experimentar um whisky da destilaria. As expressões do portfólio permanente da marca seriam bem mais acessíveis, ainda que não exatamente uma pechincha. O Royal Brackla 16 custa, atualmente, em torno de 70 libras.

Pechincha

O processo produtivo da Brackla é baseado no refluxo. O processo de fermentação – em washbacks de pinho – é longo. Os alambiques possuem pescoço de cisne, inclinados levemente para cima. O processo de destilação é também demorado, e o alambique começa seu processo bastante cheio. Tudo isso contribui para um destilado leve e pouco maltoso. Não há informação se os whiskies sofrem processo de filtragem a frio ou recebem a adição de corante caramelo.

O Royal Brackla 16 é maturado em barricas de carvalho americano de bourbon whiskey e finalizado em barricas de carvalho europeu de ex-jerez. E tudo seria lindo, não fosse um pequeno detalhe. Sua graduação alcoólica. Para um whisky como ele, leve e puxado para o vinho jerez, talvez um grau mais elevado de álcool funcionasse bem. Isso é uma pena, porque apesar de excelente, o Royal Brackla 16 anos teria o potencial para ser uma expressão incrível. De qualquer forma, se você cruzar com uma garrafa do Royal Brackla 16 anos, não perca a oportunidade de experimentá-lo. Afinal, não é sempre que se tem a oportunidade de provar um whisky digno de um rei.

ROYAL BRACKLA 16 ANOS

Tipo: Single malt com idade definida (16 anos)

Destilaria: Brackla

Região: Highlands

ABV: 40%

Notas de prova:

Aroma: Frutado, creme de baunilha, manteiga.

Sabor: Frutado e ao mesmo tempo seco. Frutas cristalizadas, crème brûlée, manteiga. Final longo e seco.

Disponibilidade: Duty Free de embarque internacional/lojas internacionais

 

 

Drink do Cão – Sazerac

Há algumas semanas falei sobre a incrível combinação de influências que trouxe a cidade de New Orleans sua riqueza cultural. Na oportunidade, entretanto, deixei de mencionar o cinema. É que a cidade também foi palco de mais de uma dezena de filmes memoráveis, como Bad Lieutenant, Um Bonde Chamado Desejo, O Curioso Caso de Benjamin Button, Ray e Doze Anos de Escravidão.

Além destas películas incriveis, New Orleans também foi a ambientação escolhida para o filme mais esquisito e surreal de James Bond. Live and Let Die – em português, Com 007 vida e deixe morrer. Se você nunca viu, ou não acha estranho, deixe-me apresentar alguns elementos da película. Há o improvável assassinato de um homem por uma banda de instrumentos de sopro. Há a tradicional misoginia, magia negra, um espírito imortal do vodu, tarô – ou melhor, uma taróloga – e um personagem que explode ao engolir um tanque de ar comprimido. Elementos que aparentemente não combinam. E, na verdade, não combinam mesmo.

Sério, que viagem.

Apesar de estar lá na borderline entre o medíocre e o cult, Live and Let Die possui alguns ótimos momentos. A perseguição de lanchas, que conta com uma piscina, um casamento e um incrível salto é excelente. E, claro, aquele já antecipado momento em que nosso agente secreto preferido vai aos copos.

Em Live and Let Die, 007 troca sua bebida de combate. Ao invés de dry martinis ou The Macallan, 007 bebe Sazeracs. Há uma cena em que ele e Felix leiter – sua versão americana na CIA – entram em um bar. Bond pede bourbon sem gelo. Mas Felix o impede, e solicita dois Sazeracs. Ao notar o semblante surpreso do agente inglês, Felix diz “onde está seu apetite pela aventura? – Estamos em Nova Orleans, relaxa!”.

E se eu fosse Leiter, teria feito justamente o mesmo pedido. É que o Sazerac, um dos mais clássicos coqueteis de todos os tempos, foi justamente criado naquela cidade. Seu nome vem do conhaque Sazerac de Forge, que compunha sua receita original. O tal conhaque era importado por um bartender chamado Sewell Taylor, que possuía uma espécie de híbrido entre loja e bar, o Merchants Exchange Coffee House, em New Orleans, lá por 1850.

Algum tempo mais tarde, Sewell vendeu seu empreendimento para Aaron Bird, que resolveu renomeá-lo de “Sazerac Coffee House”. Para promover o lugar, Bird inventou um drink da casa, que levava o aclamado conhaque, açucar e Peychaud’s bitters, produzidos pelo apotecário do Sr. Peychaud, que ficava apenas alguns metros distante.

Crocodilos. Porque faz mais sentido que o filme do 007.

Acontece que, mesmo sendo uma invenção excelente, aquele Sazerac não seria o mesmo por muito tempo. Durante a segunda metade do século dezenove, obter conhaque estava cada vez mais difícil. O fungo phylloxera – o mesmo que auxiliou o whisky escocês ganhar espaço internacional – havia devastado as vinícolas francesas. Assim, engenhosamente, aquele brandy foi substituído por Rye Whiskey.

E esta não foi a única mudança. O absinto era outra bebida em alta naquela época. Assim, nada mais natural do que, em algum ponto do percurso, alguém ter a ideia de adicioná-lo ao coquetel. E assim nasceu o Sazerac que hoje conhecemos. Com Rye Whiskey ao invés de conhaque. E com um toque de absinto.

A preparação do Sazerac é interessantíssima. O absinto é apenas usado para untar o copo. Os demais ingredientes, porém, são preparados como em um old fashioned – que provavelmente foi a inspiração da receita original daquele coquetel de conhaque.

Mas vamos parar com o papo. Com vocês, um dos mais clássicos entre os clássicos. Uma reunião de ingredientes tão improvável quanto um filme que une espionagem, magia negra e tráfico de drogas. A fusão entre o absinto e o whiskey. O Sazerac.

SAZERAC

INGREDIENTES

  • 2 Doses de Rye Whiskey (se não tiver, aposte em um bourbon com boa proporção de centeio em sua composição, como o Woodford Reserve ou o Bulleit).
  • 1/2 dose de calda de açúcar (proporção 1:1. Veja como fazê-la aqui) ou 1 torrão de açúcar
  • 3 dashes de Peychaud’s bitters – Se não tiver, vá sem, ou use sua criatividade.
  • 2 dashes de Angostura bitters
  • Absinto
  • Copo baixo ou taça coupé (existe uma certa polêmica aqui. Sério, escolha o que você achar mais bonito)
  • Mixing Glass (ou um copo para misturar)
  • Colher bailarina (ou algum instrumento apto a misturar)
  • Strainer (já sabe, improvise com uma peneira)
  • gelo
  • casca de limão siciliano para guarnição

 

PREPARO

  1. Pegue o copo baixo ou a taça coupé e despeje uma pequena quantidade de absinto. Gire a taça, como se a tivesse untando e depois descarte o excesso de absinto. A ideia é que a taça – ou copo – fique com o aroma da bebida.
  2. No mixing glass com bastante gelo, adicione o whiskey, a calda de açúcar e os bitters. Misture com a bailarina. Se optar pelo torrão de açúcar, adicione o torrão, depois embeba com os bitters. Adicione o whiskey e mexa até que o açúcar tenha se dissolvido quase inteiramente. Depois, adicione o gelo e mexa novamente.
  3. Com o auxílio do strainer, desça naquele primeiro copo, que você passou o absinto.
  4. Adicione uma pequena casca de limão siciliano como guarnição.