O Cão Geek – Filtragem a Frio

Eu não poderia usar minhocas no hambúrguer, elas são mais caras do que carne bovina” foi a respota do executivo Ray Kroc ao New York TImes, sobre os boatos de que o McDonald’s recheava seus burguers com anelídeos. A história surgiu em 1978, quando um ex-funcionário do méqui foi entrevistado em um talk-show, e supostamente revelou o segredo da companhia – vermes.

O boato ganhou tanta força que, no ano seguinte, a rede de fast-foods teve sua receita (financeira, não de hambúrguer de minhoca) reduzida a dois terços, e teve que dispensar boa parte da força de trabalho. O restaurante se viu na obrigação de dar explicações. Encomendou laudos ao FDA e lançou uma campanha explicando de onde vinham seus burguers – gado, no caso. Até hoje, para evitar quaisquer dúvidas, anunciam ativamente que seus patties são feitos 100% de carne bovina. Vai que um dia muda.

O argumento mais convincente, entretanto, foi o de Ray Kroc. Se não for pra reduzir o custo, pra que usar vermes? O mais engraçado é a razão da eficácia da declaração. Ninguém espera que um megaconglomerado de alimentação tenha princípios – se for mais barato, tá liberado comer minhoca, porque o consumidor não tem noção do que vai entre os dois pães. Mas, como não faz sentido economicamente, vai de boi mesmo.

Mal passado.

A indústria, na verdade, conta com a deseducação do consumidor. Explicar demais é desnecessário – no final do dia, a maioria das pessoas quer apenas algo gostoso e com preço bom. E isso justifica a realização de diversos processos para tornar aquele produto mais, diremos, apelativo para o público em geral. No caso do whisky, a utilização de corante caramelo e filtragem a frio, por exemplo. Este último, tema do post de hoje.

O Básico

Deixe-me começar com uma generalização. Todo whisky é filtrado antes de ser engarrafado, para remover partículas em suspensão do barril. Na verdade, quase todo – a Blackladder não filtra nada, mas é o tipo de exceção que confirma a regra. A filtragem a frio, entretanto, é um processo um pouco mais fino, cujo objetivo é remover ácidos graxos do whisky. Estes ácidos graxos – que normalmente advém do processo de destilação – podem se precipitar em temperaturas baixas, tornando o whisky opaco. Ou melhor, menos translúcido.

Essa opacidade, ou névoa, é conhecida como floculação reversível. Ela normalmente acontece apenas com whiskies engarrafados abaixo de 46% de graduação alcoolica, em duas situações. Quando a temperatura do líquido é reduzida, ou quando água ou gelo são adicionados. Essa floculação pode acontecer, inclusive, na garrafa fechada. Basta que o whisky seja levado para algum lugar frio – bastante frio. Dá até um certo nervoso. Imagine exportar um contêiner de algum malte para, diremos, o Canadá, só pra descobrir que todo o whisky ficou opaco ao chegar lá.

A floculação reversível leva este nome, justamente, porque ela é, bem, reversível. Um whisky que teve sua temperatura reduzida e tornou-se opaco pode readquirir a aparência translúcida. Basta que a temperatura suba um pouquinho. Essa floculação é distinta, também, da floculação irreversível – que, como o nome sugere, é definitiva – e que eu explicarei com mais cuidado a seguir. Vamos parar de falar obviedades aqui.

Opacidade (fonte: whizzky)

Não há nada inerentemente ruim na floculação reversível, exceto a aparência. Ela não muda o sabor do whisky de nenhuma forma, e não é prejudicial a saúde. Mas pode ser um pouco desconcertante, especialmente para o consumidor leigo ou vendedor que não consegue explicar porque o whisky dele perdeu aquele maravilhoso tom âmbar translúcido. Para evitar isso, algumas marcas filtram a frio seus whiskies.

Ironicamente, para evitar a floculação reversível, é necessário forçá-la a acontecer. A filtragem a frio reproduz um ambiente que faz com que o whisky flocule. Ela acontece antes do engarrafamento, e consiste em reduzir a temperatura da bebida – geralmente até zero graus – e forçá-lo por um filtro capaz de reter partículas maiores, antes que ele tenha a chance de aquecer novamente. Essas partículas são, em sua maioria, ácidos graxos e ésteres.

A Polêmica

Existe uma enorme discussão se a filtragem a frio altera o sabor de um whisky. E opiniões muito bem embasadas de ambos os lados. Um grande opositor da filtragem a frio é Ian MacMillian, master blender da Bunnahabhain, Deanston e Tobermory. Quando assumiu o posto, Ian fez com que os single malts destas destilarias tivessem a graduação elevada a 46,3% – justamente para evitar a floculação – e não fossem mais filtrados.

Unchill filtered.

Por outro lado, sensorialmente, nada sugere que o sabor mude. Um painel feito por entusiastas de whisky, sob o comando de Horst Luning, provou diversos whiskies filtrados e não filtrados a frio, e nenhum soube identificar, com precisão, a diferença. Este Cão tem uma opinião intermediária, baseada exclusivamente em achismo. A filtragem a frio pode não interferir no sabor ou aroma de determinado whisky, mas, talvez, faça uma pequena, quase imperceptível, diferença em sua textura.

Mas há um assunto mais abrangente aqui. Que é a busca do consumidor por produtos mais autênticos. Com perdão pelo duplo sentido aqui, transparência é algo importante nos dias de hoje. E a indústria do scotch whisky ainda deve muito em transparência para seu público cativo. Filtrar a frio é, na verdade, uma tentativa de não precisar dar explicações. Talvez fosse mais fácil simplesmente educar o bebedor. Ou não – talvez, um dia, hambúrgueres de minhoca se tornem economicamente viáveis.

New York Sour Clarificado

Plantar feijão no algodão e prender gelo no barbante usando sal são dois experimentos que quase toda criança já fez. Mas, a preferida, sem dúvidas, é o chafariz de Coca e Mentos. O experimento é tão famoso que há até composições artísticas, com fotos elaboradíssimas. A Coca-Cola com Mentos não é só um experimento científico infantil. É quase uma lenda.

E como quase todas as lendas, ela pode ser moldada ao prazer do interlocutor. A vovó diria que olha só, esse negócio explode porque é tudo porcaria, feito de borracha e produto químico. Meu filho, inquisitivo, indagaria o que aconteceria com o estômago dele se bebesse o refrigerante e engolisse uma balinha logo em seguida. Será que eu ia explodir também, papai? O mais curioso é que até pouco tempo, não havia consenso sobre a razão do curioso fenômeno.

Atualmente, a teoria mais aceita envolve tensão superficial e carbonatação. O mentos não é perfeitamente liso. Suas reentrâncias fazem que as ligações entre o líquido e o dióxido de carbono (o gás) se desestabilizem, causando o aparecimento de bolhas. Essas bolhas provocam mais bolhas, em uma reação em cadeia que culmina numa erupção curiosamente fascinante e ao mesmo tempo meio nojenta. A razão, entretanto, é vencida pela prática. Fazer o chafariz de coca-cola é divertido, independente do porquê.

Testar coisas está em nossa natureza. Desde criança até a fase adulta. O que muda, na verdade, é a experiência. E hoje trago uma para vocês, queridos leitores, ébrios cientistas da manguaça. O coquetel clarificado. Mais especificamente, o New York Sour clarificado, que ainda conta com um float de vinho tinto, que também é pura ciência.

A história do New York Sour vocês já conhecem, porque já falamos dele aqui. Apesar do sugestivo nome, o New York Sour não foi criado em Nova Iorque, mas sim em Chicago. Um bartender daquela cidade, em meados de 1880, começou a decorar seus whisky sour com um poquinho de vinho tinto. Naquela época, o coquetel era conhecido como Continental Sour ou Southern Whisky Sour. Mas durante a época da lei seca norte-americana, a invenção tornou-se popular na cidade de Nova Iorque.

O que talvez você não conheça é a história da clarificação – de bebidas, pelo menos. De acordo com o historiador de coquetelaria Dave Wondrich, no século dezoito já se usava de leite para clarificar misturas. A ciência, entretanto, tinha fundamento na necessidade. Como a maioria dos coquetéis era ácido, misturava-se leite para que ficassem menos agressivos ao estômago.

Descobriu-se que, misturando leite às bebidas ácidas, havia uma aglutinação quase instantânea. Ao filtrar essa mistura, tinha-se um coquetel visualmente translúcido, que retinha pouco da cor original, mas trazia todo seu sabor, aliado a uma textura incrivelmente sedosa. Aprendeu-se também, talvez na tentativa e erro, que os coquetéis clarificados duravam muito mais, e podiam ser armazenados por meses.

Note, entretanto, entusiasta da coquetelaria, que atualmente há outras técnicas de clarificação que não utilizam leite. Pode-se usar gel – agar agar, por exemplo – ou uma centrífuga de laboratório. Entretanto, como não sou proprietário de uma rede de diagnósticos e não tenho à minha disposição um equipamento de mais de cem mil reais, optei, resignado, pelo leite.

Além da técnica de clarificação, que já é fascinante por si, o New York Sour clarificado traz outra lição de ciência. A da densidade dos líquidos. Ao adicionar cuidadosamente o vinho tinto sobre o coquetel, você notará que os dois não se misturam. O vinho permanece na superfície do coquetel. Isso tem a ver com suas densidades. O coquetel clarificado é mais denso – e ainda mais denso do que o original, por conta da clarificação. O vinho é mais leve, e permanece na superfície.

Por isso óleo e água não se misturam também.

Mas agora, sem o papo pseudocientífico. Vamos à praxe. Façam seus mis-en-places e vamos a um drink que é melhor do que muita aula de ciências. Mesmo porque, na aula de ciências, você normalmente não pode beber sua experiência no final. O New York Sour clarificado.

INGREDIENTES

  • 200ml whisk(e)y (escolha o seu preferido. A receita original leva bourbon)
  • 100ml limão siciliano
  • 80 ml xarope de açúcar 1:2
  • 200ml de leite
  • Vinho tinto (para finalização)
  • gelo
  • filtro de café
  • funil
  • 3 mixing glass ou copos

PREPARO

  1. Monte o coquetel como se fosse fazê-lo em um mixing glass. Ou seja, adicione o whiskey, limão siciliano e o xarope de açúcar. Não coloque gelo. Só misture tudo.
  2. Essa parte é importante e não deve ser invertida. Num mixing glass (ou copo) coloque o leite. Depois, desça o coquetel sobre o leite. Observe que ele irá talhar quase instantaneamente. Não mude essa ordem. Adicionar o coquetel ao leite garante que todo líquido entrará em contato com o leite. O contrário causará irregularidade.
  3. Instale o filtro de café no funil, e coloque-o em cima do mixing glass. A ideia é que ele ajudará a filtrar a mistura.
  4. Desça a mistura inteira no funil com o filtro. Se tiver dado certo, vai começar a pingar o líquido clarificado.
  5. Reserve o líquido clarificado em uma garrafinha.
  6. Para servir, basta colocar gelo em um copo, adicionar o coquetel clarificado e depois, com a ajuda de uma colher, descer o vinho vagarosamente sobre a superfície.

Dicas:

  • As primeiras gotas do liquido clarificado não serão tão… clarificadas. O jeito mais fácil de resolver isso é simplesmente pingar de volta as primeiras gotas à mistura.
  • O coquetel deve ficar translúcido, sem pedacinhos de nada nadando ou boiando. Se isso acontecer, você fez errado. Faça uma nova filtragem, com novo filtro de café.
  • Você pode fazer uma segunda clarificação, ou uma segunda filtragem, para remover impurezas. Não vai mudar muito o sabor do seu drink, e a aparência fica bem melhor.
  • Limão é um ingrediente bem efêmero. Seu suco oxida rapidamente. Se você achar que está demorando demais, ou se não quiser dar uma de fiscal de filtragem, faça o processo de clarificação na geladeira. Vai garantir por mais tempo o frescor do limão.

Tobermory Gin – Diversificação

Há trinta e cinco anos, um jovem empresário, proprietário de uma gravadora, teve seu voo cancelado. Ele estava em Porto Rico, e queria chegar às Ilhas Virgens Britânicas o mais rápido possível, para encontrar sua namorada. Se fosse eu, teria simplesmente me resignado. Abriria uma garrafa de whisky da mala, daria um gole, e aceitaria meu destino. Passaria uma noite mal dormida em qualquer hotel com paredes gordurentas e carpete manchado próximo ao aeroporto, para, finalmente, embarcar no dia seguinte.

Mas o jovem empresário não era eu. Era Richard Branson. Ao invés de se alcoolizar e dormir, Richard tomou uma atitude. Calculou quanto custaria para fretar uma aeronave e dividiu os custos com os demais passageiros do voo cancelado. Chamou aquilo de “Virgin Atlantic First Flight”. Fast-foward, Branson compraria um Boeing 747 e fundaria sua companhia aérea. E depois, uma aeroespacial. Isso sem abrir mão de seu antigo negócio, no ramo musical.

Um cara normal.

Diversificar de uma forma selvagem, assim, é raro. Na verdade, é como dizem. É raro, mas acontece muito. O que é realmente inusitado, é dar certo. E foi o que aconteceu com Branson e suas Virgins (perdão pela digressão aqui, mas que nome horrível este, que faz tudo parecer ambíguo, não?). Foi o que aconteceu, também, recentemente, com um gim, que acaba de chegar ao Brasil. O Tobermory Gin.

O nome pode soar familiar para a maioria dos apaixonados por whisky deste blog. O Tobermory Gin é produzido pela destilaria homônima, localizada na ilha de Mull, na Escócia. A destilaria, entretanto, é mais famosa por suas linhas de single malts Tobermory e Ledaig. Como produtores de whisky, são excelentes, especialmente depois que Ian MacMillian master blender do grupo Distell, reformou seu core range. O gim não fica atrás.

Da mesma forma que todo entusiasta de whiskies corre os olhos ansiosamente por qualquer matéria para saber qual a maturação do produto, o gin lover quer saber dos botânicos. É como se, ao ouvir palavras como “oloroso” – para os barris – ou “alcaçuz” – para os botânicos – o leitor já estalasse a língua no céu da boca, tentando, identificar o sabor no ar que o circunda, mesmo na ausência da garrafa. Bem, no caso do Tobermory Gin, os botânicos mais utilizados são urze (heather), flor de sabugueiro (elderflower), chá e cascas de laranja. Além, claro, do zimbro.

Um olhar mais atento poderia perguntar qual chá. A destilaria não divulga a receita utilizada, mas afirma que é um chá produzido localmente, em Mull. O aroma sugere algo semelhante a um earl grey. Mas há um ponto mais interessante do que isto, no caso deste gim. É que ele leva uma parte de new-make-spirit (o destilado de whisky, sem envelhecimento) da Tobermory. De acordo com a marca, inclusive, este new-make funciona mais como um botânico – remetendo às notas do whisky – do que, efetivamente, como a base para o gim.

Seus primeiros lotes foram destilados em um destilador pequeno – um John Dore & Co – de 60 litros, apelidado de Wee Betty. Atualmente, entretanto, a destilaria possui um destilador maior, dedicado exclusivamente à produção do gim. Ele fica, inclusive, separado do espaço de produção de whisky. A fabricação de gim começou em 2019, dois anos depois da destilaria interromper sua produção de whisky para uma reforma geral.

Design de um destilador John Dore clássico.

Você deve estar se perguntando por que um blog de whisky faria a prova de um gim. Bem, Richard Branson não se perguntou por que um profissional do ramo da música abriria uma companhia aérea. Mas, seja como for, minha razão é bem mais simples que a dele. O Tobermory é um gim espetacular. E um gim produzido por uma das melhores destilarias de single malts da Escócia – apesar da pouca notoriedade. Tê-lo no Brasil merece uma prova. Melhor que isso, só mesmo se os Ledaigs desembarcassem por aqui. Será que Branson não quer fretar um voo cheio de garrafas?

TOBERMORY GIN

Tipo – Dry Gin

ABV – 43,3%

Região: Highlands – Mull

País: Escócia

NOTAS DE PROVA

Aroma: zimbro, laranja lima, pimenta.

Sabor: Cítrico, com laranja madura, pimenta do reino e jasmin. Final longo e apimentado.

Johnnie Walker Black Label Sherry Finish – Cover

Abro meu Spotify. Toda semana, uma seleção de músicas diferentes que o aplicativo acha que vou gostar. Ele acerta pouco, mas já fiz grandes descobertas assim. Não é lá muito romântico. É muito menos romântico, por exemplo, do que era há umas duas décadas atrás, quando comprava na loja certo CD, e ouvia insistentemente, até gostar de todas as músicas. Alguns exigiam bastante esforço. Outros, bem pouco. Como um tal MTV Unplugged do Nirvana, circa 1993.

Aliás, essa é uma história engraçada. Quando comprei o CD, minhas preferidas eram Lake of Fire e The Man Who Sold The World. Devido à falta de informação e minha ignorância aos dez e poucos anos, nem imaginava que eram dois covers: Meat Puppets e Bowie. Só fui descobrir uns cinco anos depois, ao ouvir a original. Covers bons são assim. Eles não apenas reformam algo familiar. Mas reinventam o material original, transformando completamente o som, mas mantendo sua alma intacta. A ponto de às vezes você nem saber que é um cover.

Há covers péssimos também. I can Get no Satisfaction da Britney, Smells Like Teen Spirit da Miley e Faith do Limp Bizkit, todos doem em lugares bem especiais. Sabe o que não dói? Hurt, do Nine Inch, revisto pelo Johnnie Cash. Mas não é culpa deles. É da musica. Reinterpretar uma música já consagrada, clássica, conhecida, é um enorme risco. Todo mundo já tem o benchmark.

Você gostou? Não. Ah kkkk

E isso acontece no mundo do whisky, também. Mexer numa receita clássica de um dos mais consagrados blended whiskies do mundo pode dar terrivelmente errado. Mas, não neste caso. É que acaba de chegar ao Brasil o Johnnie Walker Black Label Sherry Finish. O mais famoso blend do mundo, mas agora, numa edição limitada, finalizado em barris de carvalho que antes contiveram vinho jerez espanhol. Aliás, fato curioso que agora me ocorreu: o tema da prova original do Johnnie Walker Black Label foi, justamente, David Bowie.

Não há muita informação sobre o Johnnie Walker Black Label Sherry Finish. Exceto, talvez, o que já saibamos. Seu coração é o mesmo do Black clássico. Cardhu, Clynelish e Glenkinchie, com um pouco de Caol Ila para a fumaça. O whisky de grão é Cameronbrig. O blend é feito e depois colocado em barris de carvalho temperados com jerez – um jerez, aliás, especialmente criado sob encomenda da Diageo, para trazer sabor aos barris.

O processo de finalização é mais comum em single malts – foi protagonizado pela Balvenie e Glenmorangie na década de oitenta. Mas apenas recentemente passou a ser utilizada pela indústria de blended whiskies. A própria Johnnie Walker já lançou rótulos com esta técnica. É o caso do Johnnie Walker Red Rye Finish, um blend experimental, finalizado em barris de whiskey de centeio. A diferença é que, no caso do Red Rye, o blend era completamente novo. Agora, com o Sherry Finish, a base é o Johnnie Walker Black Label.

Red Rye

Sensorialmente, o Johnnie Walker Black Label Sherry Finish traz notas de fumaça, frutas vermelhas e pimenta do reino. É mais adocicado do que o Black tradicional, mas, também, mais intenso. A influência do barril de vinho jerez trouxe complexidade e força ao whisky. Ao prová-lo pela primeira vez, inclusive, tive a impressão que bebia um single malt. A finalização é longa, frutada e defumada.

O preço é também um ponto importante. O Johnnie Walker Black Label Sherry Finish custa, em média, 180 reais. Trinta dinheiros acima do tradicional Black Label. É um preço bom, especialmente para um estilo de whisky bem raro no Brasil – os defumados e vínicos. Ainda mais por ser uma edição limitada.

É curioso comparar o Johnnie Walker Black Label Sherry Finish com o Black tradicional. Apesar de alguns pontos de tangência, o whisky é bem distinto. Dizer o óbvio – que ele é um Black Label finalizado em barris de vinho – parece reduzí-lo. Ele é quase como um bom cover. A alma do original está lá, preservada. Mas todo o resto foi reinterpretado e reequilibrado, para trazer vida própria. Beba ouvindo I Can Get No Satisfaction. Versão dos Stones, por favor.

JOHNNIE WALKER BLACK LABEL SHERRY FINISH

Tipo: Blended Whisky com idade definida – 12 anos

Marca: Johnnie Walker

Região: N/A

ABV: 40%

Notas de prova:

Aroma: especiarias, frutas vermelhas, fumaça

Sabor: frutas em calda, amendoas, frutas vermelhas. Levemente defumado. Final adocicado e defumado.

Por que colocar água no whisky (ou não)

Quando eu era moleque, não tinha muitos critérios alimentares. Quer dizer, na verdade, tinha sim. Gostava de tudo com ketchup. Como toda compulsão, essa começou inocentemente. Molhando batatinha frita no molho de tomate da lanchonete. O movimento de levar o ketchup da batata para o hambúrguer foi completamente natural. Assim como de aplicar ketchup no misto quente – afinal, é um sanduíche, como o hambúrguer.

Mas, quando menos percebi, minha alma juvenil já estava corrompida. Era um usuário contumaz do molho, sem menor chance de regresso. No frango frito, até parecisa razoável, e quem me via, não suspeitava que era dependente. Em casa, secretamente, colocava ketchup no mexidão, no arroz, no bife e até no feijão. Quando passei a colocar ketchup no peixe, tive uma espécie de epifania, talvez por overdose.

Mano o que eu tô fazendo da minha vida?!

Tudo que eu comia não tinha gosto de comida. Mas de ketchup. Ketchup me fazia consumir até a coisa mais incomível do mudo. Mas, tirava toda parte boa da experiência – que é experimentar e descobrir coisas novas. Aí, de repente, lá pelos quatorze anos, resolvi que me tornaria temporariamente abstêmio de ketchup. Funcionou. Mais ou menos um ano depois, voltei a comer, mas com muito mais parcimônia. Mas, como todo vício, o fantasma do ketchup está lá, sempre à espreita.

Há uma questão parecida no mundo do whisky. Que é a adição de água. Muitos especialistas recomendam que você deve colocar água no whisky, para que ele se abra, e torne-se mais palatável. Outros, entretanto, dizem que é um sacrilégio. Que colocar água é como colocar ketchup, porque você está mudando totalmente o perfil sensorial da bebida, e como ela foi apresentada. Há excelentes argumentos para os dois lados.

Me conta mais

Vamos começar com a parte fácil. Mais de quarenta por cento de seu whisky é álcool. Essa é a graduação alcoolica mínima para a maioria das legislações mundiais. Acontece que o etanol é irritante para a maioria das mucosas do corpo, e, por conta disso, tende a mascarar aromas e sabores mais delicados da bebida. Você percebe o álcool – e deixa de perceber, talvez, aquele delicado aroma floral. Mesmo na graduação alcoolica mínima, isso pode acontecer. 40% é bastante álcool. Ao adicionar água, reduz a graduação alcoolica, e dá uma segunda chance a seu olfato. Dessa vez, sem tanta interferência etílica.

Há, entretanto, uma questão química envolvida. Vamos falar de forma técnica, e depois descomplicar. Os cientistas Bjorn Karlsson e Ran Friedman da Linnaeus University Center for Biomaterials Chemistry resolveram tentar entender, cientificamente, porque muitos especialistas recomendam degustar whisky com água. Para tanto, realizaram uma série de estudos e simulações com base na composição molecular da bebida. Focaram especialmente em uma molécula: o Guaiacol.

Guaiacol

Algumas moléculas que compõe o whisky são anfipáticas. Isso significa que elas tem características hidrofílicas e hidrofóbicas. Caso você tenha prestado atenção na etimologia das palavras, deve já ter suposto o que significam. Hidrofílicas se ligam a àgua, e hidrofóbicas, a repelem. É justamente isso que acontece com compostos anfipáticos. Ao adicionar água, a parte hidrofílica se hidrata (se liga à água), e a hidrofóbica se separa. A combinação da parte hidrofílica com a água é dominada micela.

O Guaiacol é uma dessas moléculas. Ele está especialmente presente em whiskies turfados, porque se forma durante a secagem da cevada maltada com utilização de turfa. É semelhante à vanilina (que traz aquele aroma de baunilha) e ao Limoneno (cítrico). Ao adicionar água, o guaiacol torna-se mais perceptível. Assim, whiskies turfados tendem a ficar ainda mais turfados com algumas gotinhas de água. Obviamente, se a diluição continuar, a turfa ficará menos aparente: há mais água na mistura, proporcionalmente.

Outros compostos também tendem a mudar com a adição de água. Ácidos graxos, por exemplo. São eles, inclusive, que trazem aquela opacidade tão desejada pelos entusiastas, dos whiskies que não passam por filtragem a frio. Estes ácidos graxos – que normalmente advém do processo de destilação – podem se precipitar em temperaturas baixas, ou pela adição de água, tornando o whisky opaco. Ou melhor, menos translúcido. Ao se precipitarem, em tese, tornam-se senorialmente mais aparentes.

Qualquer água?

Mesmo com os estudos realizados por Karlsson e Friedman, ainda há bastante polêmica sobre o assunto. Alguns entusiastas apontam que a variação de sabor pode acontecer, também, por conta do tipo de água usado. É que toda água contem minerais com sabores distintos, e adicionar essa água ao whisky aportaria tais sabores à bebida. Então, não é apenas a organização de moléculas no destilado que muda – sabores novos podem ser inseridos.

Uisge Source, água das regiões de whisky da Escócia

Seja como for, a própria Scotch Whisky Experience recomenda que se experimente whiskies com e sem água. Primeiro, degustando a amostra pura. E, depois, adicionando aos poucos água, até que a queimação trazida pelo álcool na língua fique pouco ou nada perceptível. Há inclusive um experimento bacana de se fazer em casa: servir o mesmo whisky em diversas taças, e ir aos poucos subindo a quantidade de água adicionada em cada copo.

É importante, entretanto, ressaltar – como sempre – que estas sugestões são aplicáveis à degustação da bebida. Ou seja, quando você bebe para tentar entender o que está bebendo – prestando atenção. Para beber por diversão, vale tudo. Pode beber puro, colocar água, gelo, ou misturar para fazer coquetéis. O whisky é seu, você é livre. Só não vale colocar ketchup. Aí não pode. Aí é vício.

Mark Twain – Muito de qualquer coisa

Muito de qualquer coisa é ruim, mas muito de um bom whisky jamais é o suficiente”. A frase é de Samuel Langhorne Clemens, mais conhecido pelo seu pseudônimo, Mark Twain. Sob a alcunha, Clemens escreveu livros que se tornaram clássicos da literatura norte-americana, como As Aventuras de Tom Sawyer e Huckleberry Finn. Além de ser considerado um dos mais importantes romancistas dos Estados Unidos de todos os tempos, Twain era um inveterado apaixonado por Scotch Whisky.

Pode parecer estranho, para um natural do Missouri, preferir whisky escocês ao americano. Mas era, justamente, o caso. Depois de uma temporada em Londres, Twain se apaixonou pela bebida. Além da frase que abre esta matéria, ele tem outra excelente máxima. “Eu sempre tomo whisky escocês a noite para prevenir dor de dente. Eu nunca tive dor de dente, e vou lhe dizer mais, eu não pretendo ter também

Naturalmente, tamanha paixão deveria ser consagrada com um coquetel. Ocorre, entretanto, que neste caso, foi o próprio Mark Twain que alçou seu homônimo líquido à fama. A receita – mais ou menos – aparece eum uma carta que ele escreveu à sua esposa, em 1874, enquanto visitava Londres.

“acho que vou beber whisky”

Livy, minha querida, quero que se assegure e lembre de ter, no toalete, quando eu chegar, uma garrafa de Scotch, um limão, açúcar cristalizado e uma garrafa de Angostura Bitters. Desde que vim para Londres, tenho bebido num copo de vinho algo que é conhecido como “coquetel” (feito com estes ingredientes) antes do café da manhã, antes do jantar e logo antes de ir para a cama“.

A carta continua, com um misto de confidências digestivas e sexuais “A ele atribuo o fato de que até hoje minha digestão tem sido maravilhosa – simplesmente perfeita. Permanece dia após dia e semana após semana tão regular quanto um cronômetro (…) Adoro escrever sobre a chegada – parece que será amanhã. E adoro me imaginar tocando a campainha, à meia-noite – depois uma pausa de um ou dois segundos – depois o giro do ferrolho e “Quem é?” – depois muitos beijos – então você e eu no banheiro, bebendo meu coquetel e me despindo e você esperando – depois para a cama e… – tudo alegre como deveria ser…

Imagine that.

Obviamente Twain não inventou o Mark Twain. Lendo atentamente os ingredientes, podemos deduzir facilmente que é basicamente um whiskey sour com scotch e bitters. Ou um Fitzgerald, sem gim, mas com whisky escocês. Mas, foi ele que trouxe fama à variação, a ponto de lhe emprestar o nome. Não fosse pelo escritor, o Mark Twain etílico não se chamaria Mark Twain, mas, simplesmente, “whiskey sour com scotch”. Um nome muito literal mas nada literário – e pouco romântico.

Lembre-se que o whisky utilizado fará diferença na sua receita. Por tentativa e erro, este Cão recomenda que utilize um scotch adocicado – como, por exemplo, Chivas 12 ou Johnnie Walker Gold Label. Você pode também fazer uma variação turfada. Neste caso, recomendo reduzir um pouco a quantidade de whisky, para que não se sobressaia aos demais ingredientes.

Sem mais, vamos à receita desta versão aprimorada do Fitzgerald – porque afinal, a frase “muito de qualquer coisa (…)” não é com gim.

MARK TWAIN COCKTAIL

INGREDIENTES

  1. 60ml scotch whisky
  2. 22,5ml limão siciliano
  3. 15ml xarope de açúcar 1:1
  4. 2 dashes Angostura Bitters
  5. Parafernália para bater

PREPARO

  1. Adicione todos os ingredientes, inclusive os dashes de angostura, em uma coqueteleira com bastante gelo e bata bem
  2. desça em um copo baixo com gelo, ou uma taça coupé – como preferir!

Union Pure Malt Wine Cask Finish – Karate

Conselhos valiosíssimos podem vir dos lugares mais improváveis. Como, por exemplo, do Senhor Miyagi. O sensei fictício tem frases ótimas, aplicáveis a uma miríade de situações na vida. Há ensinamentos sobre poder restaurador de uma refeição, em “melhor ser incomodado de barriga cheia do que de barriga vazia“. E também sobre a responsabilidade docente “não há maus alunos, apenas maus professores“.

Alguns ensinamentos são difíceis de contestar. Como no singelo binômio existencialista, da morte e da vida, em “quem morre não vence“. Outros, porém, me parecem apenas alento “Para uma pessoa com ódio no coração, a vida é pior que a morte.”. Desculpe, Sr. Miyagi, mas já fiz muita coisa com ódio no coração, e ficou ótimo. Já cozinhei refeições ótimas com ódio. Escrevi contratos com ódio. O amor até é importante, mas o poder do ódio não deve ser subestimado.

Aliás, isso nos leva a mais um ensinamento do Sr. Miyagi. Talvez, o maior deles, sobre o equilíbrio na vida. “Melhor aprender equilíbrio. Equilíbrio ser chave“. Alguns dias, corro por uma hora na esteira, como peixe, bebo quatro litros de água – quatro, só pra me sentir um overachiever. Em outros, quero inalar um litro de whisky, tomar Pepsi normal e comer um whopper triplo, nem porque é gostoso, mas só pela agressão gratuita mesmo. A manutenção da sanidade exige equilíbrio. Talvez um equilíbrio de excessos.

Tipo rodízio de sushi

Equilíbrio é importante também na produção de whisky. Especialmente em sua maturação. Como é o caso do Union Pure Malt Wine Cask Finish, recém lançado pela Union distillery, do Rio Grande do Sul. Aliás, recém lançado não. Mas, recém-introduzido, com pequenas adaptações, em sua linha permanente de whiskies.

É que o Union Pure Malt Wine Cask Finish surgiu pela primeira vez como um lançamento especial limitado, da linha Autograph, da destilaria. Junto com ele, foram produzidos também duas versões com diferentes níveis de turfa. O Union Pure Malt Wine Cask Finish Extra Turfado Autograph Series e o Union Pure Malt Wine Cask Finish Turfado Autograph Series. Os nomes são tão longos que me vi tentado a dar copy+paste ao invés de reescrever.

Aqui, tanto o nome quanto maturação foram mais concisos. O processo de maturação ocorre em barris de carvalho americano, tanto de bourbon quanto vinho tinto. Primeiro, o new-make matura em barris de ex-bourbon. Depois, é transferido para barris de carvalho americano de ex-vinho tinto. O tempo de maturação considerado é de 8 anos, ainda que o whisky passe mais do que isso, considerando as duas barricas.

O Wine Cask Extra Turfado da Autograph Series

Um ponto curioso é que a Union não especifica claramente o tempo de finalização. Porém, sensorialmente, há menos influência da barrica de vinho tinto, se comparado ao Wine Cask da Autograph Series. Há duas hipóteses. A primeira, é que o Pure Malt Wine Cask Finish tenha uma finalização mais curta – pouco menos de um ano. A segunda, é que utilize o mesmo barril que foi previamente utilizado pela edição limitada.

Seja como for, a mudança foi positiva. A antiga edição limitada excedia na maturação de vinho, especialmente no rótulo não turfado. Havia um dulçor excessivo. O melhor equilíbrio, aliás, estava no Union Pure Malt Turfado Wine Cask Finish – onde o defumado domava o vinho. Aqui, entretanto, com menos influência vínica, o whisky ficou menos adocicado, mais equilibrado e bem mais agradável. É um equilíbrio que exige técnica e tempo.

O Union Wine Cask tem preço médio de R$ 290. É comparativamente caro, considerando rótulos importados. Mas preço nunca foi uma vantagem dos single malts nacionais. O que surpreende, na verdade, é como a técnica evoluiu ao longo dos anos. Uma vez o Sr Miyagi disse que “quem apanha moscas com pauzinhos… consegue fazer qualquer coisa”. Não sei se a turma da Union tem treinado precisão com seus hashis. Mas, uma coisa, eu tenho certeza. Em matéria de whisky, a Union já é faixa preta.

UNION PURE MALT WINE CASK FINISH

Tipo: Single Malt

Destilaria: Union – produzido na unidade de Veranópolis

País: Brasil

ABV: 46%

Notas de prova:

Aroma: adocicado e maltado, com frutas vermelhas e especiarias.

Sabor: Frutado e adocicado. Corpo médio. O final é frutado, com cravo, canela e pimenta.

Single Malts para Iniciantes – 2022

Ultrapassado o rio Aqueronte pela balsa de Caronte, chegaram Dante e Virgílio aos portões do inferno. Não tenhas medo, disse o poeta romano. Aqui encontramos as almas sofredoras que já perderam seu livre poder de arbítrio, mas não és uma delas. Tu ainda vives. Estendeu a mão a Dante, para dar-lhe coragem para adentrar o portal do submundo, cujo zênite do arco apresentava a dura conclusão “deixai toda esperança, vós que entrais“.

Logo que cruzaram, ouviram o eco de gritos terríveis e lamentos eternos, envoltos pelo mais perfeito breu sem luz dos astros. Atordoado pelo tumulto de lamúrias, indagou Dante a Virgílio “mestre, quem são estas pessoas que tanto sofrem?“. Ao que respondeu Virgílio, em tom sereno e profundo “Este é o destino daquelas almas que se apaixonaram por whisky, e inadvertidamente, cruzaram os portais tártarios para jamais retornar

E o círculo dos colecionadores fica logo ali.

Com esta pequena parábola, querido leitor, inicio aqui a edição de 2022 de nossa matéria sobre whiskies para iniciantes. Tenham em mente, nobres companheiros – este é um caminho sem volta e sem redenção. Como Virgílio, estenderei uma metafórica mão para lhes guiar entre as trevas desta paixão. Mas, não espere que lhes apresente a saída depois; ou lhes devolva o live arbítrio. Aproximem-se com cautela, e abandonem toda esperança, a partir deste parágrafo.

Assim como na Divina Comédia, há círculos superficiais, e outros mais profundos. Do Limbo ao lago gelado de Cócito, há um whisky para cada gosto e bolso. Minha recomendação é que, se falhar nos conhecidos “single malts de recrutamento”, que tente ir mais fundo, e invista em uma garrafa mais exclusiva. Ou isso, ou resigne-se por ser uma alma que merece o paraíso.

SINGLETON OF DUFFTOWN

Os Singletons são um grupo de expressões de diferentes destilarias pertencentes à Diageo, cujos rótulos são destinados a iniciantes neste inebriante mundo dos single malts. Além de Dufftown, fazem parte do conjunto Glen Ord e Glendullan. Porém, o único a desembarcar no Brasil é o Dufftown.

Sensorialmente, ele é adocicado e leve, com notas de mel, caramelo e açúcar mascavo. O final é médio e também adocicado. De acordo com a Dufftown, parte da maturação ocorre em barris de ex-vinho jerez espanhol. Pode ser, mas a nota trazida por estes barris é bem discreta.

O Singleton of Dufftown atualmente custa algo como 200 reais – é um dos single malts mais acessíveis de nosso mercado, e também um dos mais fáceis de serem encontrados. Por isso, é quase um passo natural para os que atravessaram com cautela os portões desta paixão. Prova dele completa aqui.

GLENLIVET FOUNDER’S RESERVE

O Glenlivet Founder’s Reserve é o rótulo de entrada da The Glenlivet – uma das mais famosas destilarias da Escócia. Ele foi lançado em 2015 como uma expressão ainda mais acessível que o The Glenlivet 12. Seu blend foi desenvolvido por Alan Winchester para agradar tanto paladares iniciantes, quanto se apresentar como uma alternativa acessível para os mais experientes.

O Founder’s Reserve é um whisky extremamente leve e bebível, com o equilíbrio e os sabores cítrico e frutado característicos da marca. Como muitos single malts escoceses, o Founder’s Reserve é maturado em uma combinação de barricas de carvalho americano de primeiro uso, que antes continham Bourbon whisky, com outras barricas de carvalho americano que já haviam maturado The Glenlivet antes. Custa em torno de R$ 250. Leia a prova completa aqui.

TAMNAVULIN DOUBLE CASK

Este, pelo perdão do cliché, é um caso a ser estudado. Quando chegou ao Brasil, importado pela Casa Flora, pouca gente conhecia Tamnavulin. Eu mesmo desacreditei que o rótulo teria sucesso. Mas, em pouco tempo, as garrafas começaram a sublimar das estantes. A razão parece simples: é um whisky acessível em termos de preço, e com qualidade sensorial muito acima da média.

Mas não é só isso. O Tamnavulin Double Cask é o single malt mais acessível com perfil vínico à venda no Brasil. É o mesmo estilo de whiskies bem mais caros, como The Macallan Double Cask, Dalmore 12 e Aberlour. Mas, mais barato. Sensorialmente ele até pode ser mais simples, mas, como um primeiro contato de alguém com whiskies vínicos, é excelente.

O Tamnavulin Double Cask é um single malt sem idade declarada, produzido pela destilaria Tamnavulin, em Speyside. Sua maturação ocorre principalmente em barricas de carvalho americano de ex-bourbon, antes de ser finalizado por um período não declarado em carvalho europeu de ex-jerez. Custa em torno de R$ 300. Leia sobre essa belezinha aqui.

BOWMORE 12 ANOS

Eu me lembro até hoje quando experimentei meu primeiro whisky turfado. Estava numa praia maravilhosa e já havia bebido uma quantidade razoável de cerveja. Aí, como se fosse prudente, resolvi que mudaria pro whisky. Pedi um Lagavulin. No primeiro gole, apertei o ombro de minha esposa e disse “meu deus, guarda esse nome que parece de remédio, porque esse negócio aqui é bom demais”.

E tudo bem, é mais fácil se apaixonar banhado pelo pôr do sol numa praia de águas cristalinas, mais doido que um gambá, do que numa loja qualquer. O ponto, entretanto, não é esse. É que às vezes, para um iniciante finalmente acompanhar Dante e Virgílio na jornada de maltes, é necessário um pouquinho de turfa.

Dentre todos os whiskies turfados à venda no Brasil, minha dica para qualquer iniciante é o Bowmore. Ele é elegantemente turfado, e possui uma nota herbal adocicada, que equilibra bem a influência da fumaça. É bem construído e feito pra não assustar – muito. A garrafa não é exatamente uma pechincha. Algo como R$ 500. Mas compensa. Aprenda sobre essa maravilha enfumaçada neste post.

MACALLAN DOUBLE CASK 12

Vamos ser cândidos aqui. Da mesma forma que é mais fácil se apaixonar num lugar paradisíaco do que na sala de casa; é também mais fácil se surpreender com uma garrafa sofisticada do que uma simples. O The Macallan Double Cask 12 anos está aqui pra isso. Se os maltes de recrutamento não te impressionaram, mas mesmo assim você ainda não desistiu de ser condenado pela eternidade, experimente-o.

O Macallan Double Cask 12 anos é maturado em dois tipos distintos de barricas, ambas “temperadas” – nas palavras da destilaria – com vinho jerez espanhol. Barris de carvalho americano e carvalho europeu. Cada uma, desepenha uma função para equilibrar o malte. É um whisky 100% envelhecido em vinho jerez, e uma das expressões mais populares da famosa destilaria escocesa.

O Macallan Double Cask 12 anos custa algo em tornod e R$ 800. Não é barato – mas é o preço da teimosia para os iniciantes. E de algo delicioso. Leia mais sobre essa indulgência aqui.

ARDBEG 10

Pelo que já devem ter notado, sou partidário de pegar no tranco. Comigo foi assim – foi preciso um whisky extraordinário para entender o tamanho do limbo (viu o que eu fiz aqui?) entre os whiskies que já conhecia e o que a bebida pode ser. E por extraordinário, me refiro a extraordinariamente turfado. Se você chegou até aqui, nobre alma, é porque tudo mais pareceu frívolo.

Atravesse Malebolge e aproxime-se, caro Dante, com cautela sobre as águas congeladas de Cócito. Pois este é Dite, e aquele que exige toda coragem que tens em ti. O Ardbeg 10 anos é defumado, cítrico e seco. É um dos single malts mais enfumaçados à venda em nosso mercado, e um exemplo maravilhoso do que muita turfa pode fazer.

É curioso como o Ardbeg 10 parece desafiador, mas, na verdade, é um whisky apaixonante. Ao menos para aqueles que gostam do sabor de churrasco. Custa em torno de R$ 600. Leia tudo sobre ele aqui.

South By Southwest – Negroni Week Special

Monção é uma pequena cidade no extremo norte de Portugal, com pouco mais de dezessete mil habitantes. Ela é dividida em diversas freguesias, dentre elas, Pias. Ao norte, está a cidade espanhola de Salvaterra de Minho, e ao sul, a portuguesa de Arcos de Valdevez. Ainda que seja uma região bonita, não há nada que difere Monção dos vilarejos vizinhos. Come-se cabrito e bebe-se bastante vinho, especialmente da uva Alvarinho. Recentemente, entretanto, a cidade tornou-se famosa nos noticiários por conta do cancelamento de uma feira tradicional da cidade. A Feira da Foda.

A fama, como você deve presumir pela risadinha boba que deu ao finalizar o último parágrafo, não se deu pelo cancelamento da feira em si. Mas, pelo nome pouco ortodoxo do evento. De acordo com o website oficial, a Feira da Foda foi assim batizada por conta de uma prática um tanto desonesta de alguns comerciantes da região, explicada a seguir.

Há muito tempo atrás, os habitantes das cidades próximas compravam caprinos nas feiras, para comer conforme a tradição de Monção – em alguidar de barro, levado no forno a lenha. “Na feira, havia de tudo, gado bom e menos bom. A verdade é que os criadores e contratadores de rês, quando levavam o seu gado ovino para a feira, tinham como objetivo vendê-lo pelo melhor preço e, para que aparentassem gordos, era prática colocar sal na forragem, fato que obrigava o gado a beber muita água.

A foda é conhecida como uma das 7 maravilhas da culinária portuguesa.

Os compradores, inadvertidamente, então compravam os ovinos todos inchados. Quando percebiam que haviam caído no golpe, exclamavam “mas que grande foda“. Com o tempo, a foda foi se vulgarizando, a ponto do prato tradicional – o cordeiro à moda de Monção – ser batizado de Foda. Uma coisa levou a outra, e a feira acabou também recebendo o nome do prato. Feira da Foda, onde você encontra a Foda original. Ao longo dos anos, a feira se popularizou bastante, a ponto de atrair visitantes de toda região.

Um outro evento que têm crescido bastante é a Negroni Week. Ao contrário da Foda, não por conta de algum senso de humor derivado da quinta série do primário. Mas, pela paixão que as pessoas do mundo todo têm pelo Negroni. A Negroni Week é uma iniciativa global, que teve início em 2013, e que celebra bares, bartenders e amantes do Negroni em todo mundo. Ela é organizada pela Campari – empresa homônima do ingrediente indispensável ao coquetel.

Beelevardier, coquetel do Caledonia para Negroni Week

Este ano, para comemorar o evento, este Cão Engarrafado trouxe uma receita especial – um coquetel recém-descoberto, inspirado no clássico Negroni, mas muito melhor. Muito melhor porque leva single malt turfado. O South By Southwest. O coquetel foi criado por Benny McKew, e tornou-se popular quando Gary Regan o publicou em seu livro “The Negroni”. De acordo com o escritor “a receita pede por Ardbeg 10 anos, no lugar do gim. Eu imediatamente me apaixonei. A defumação do single malt é a base perfeita para o estilo amargo e adocicado do Campari“.

Existe aqui, uma questão de equilíbrio. Perdão pela declaração polêmica, mas, negronis são coquetéis desequilibrados por natureza. Equilibrar a receita pode, de certa forma, extirpar a expectativa sobre o que se bebe. Para este Cão, a proporção perfeita para o South by Southwest seria 50 / 25 / 25. Mas isso o afastaria ainda mais do perfil clássico do Negroni. Você, querido leitor, faça como desejar.

Um dos ingredientes do coquetel é água de flor de laranjeira. Pode parecer esquisito, mas, é algo que existe. Você pode comprar em mercados especializados. Apenas cuidado para escolher a versão potável – este Cão comprou o Mechaalany. Se não encontrar, pode substiuir por dois dashes de algum bitter de laranja. Não fica a mesma coisa – a água é bem mais aromática – mas funciona.

Sem mais, seguem os ingredientes e o preparo. Ao experimentar, tenho certeza que se apaixonarão, a ponto de exclamar “Que grande foda!”.

SOUTH BY SOUTHWEST

INGREDIENTES

  • 30ml whisky turfado (capricha, senão o Campari vai se sobressair)
  • 30ml Campari
  • 30ml Vermute doce (este Cão usou Rosso Antico)
  • Spray de Água de flor de laranjeira
  • Parafernália para misturar

PREPARO

  1. Adicione todos os ingredientes em um mixing glass, adicione bastante gelo bom, e misture. Desça em um copo baixo com gelo bom – de preferência, uma pedra de gelo cristalino.
  2. Finalize com spray de água de flor de laranjeira.

*OBS: O South By Southwest não estará à venda em nosso bar, o Caledonia. Apenas o Beelevardier, receita de Rodolfo Bob, que leva Wild Turkey 101, Vermute, Campari (óbvio!), mel de mandaçaia e espumante de jataí da MBee.

Royal Salute Richard Quinn – Colaboração

Em 2010, a Revista Time fez uma lista das cinquenta piores invenções de todos os tempos. Enre as mais as mais brilhantemente estúpidas criações de todos os tempos estavam o Segway, a Hawaii Chair e popups de internet – itens cuja extinção facilmente atingiria consenso mundial. Mas, também, alguns produtos bem populares, ainda que detestáveis. Como, por exemplo, Crocs – os famosos sapatos de borracha idolatrados por chefs de cozinha.

Acontece que, com o tempo, os Crocs passaram de detestados para adorados. Em boa parte por conta de parcerias com grandes marcas e celebridades. Houve uma porção de associações bizarras, como Justin Bieber, KFC (sim, a lanchonete) e o filme Carros. Mas, também, algumas que colocaram o sapato no epicentro da moda. Christopher Kane, por exemplo, e os famosos Crocs com salto alto da Balenciaga – aquela lá, que recentemente lançou uns sapatos todos detonados.

Essas colaborações, para falar a verdade, não são novidade no mundo corporativo. Uma grande empresa reconhece que sua marca é um de seus mais preciosos ativos. Assim, unir forças para aumentar a base de consumidores é algo quase tão genial quanto usar sapatos laváveis de borracha. Algumas parcerias são bizarras, tipo quando o McDonalds lançou um McLanche Feliz com a banda de k-pop BTS. Outras são quase orgânicas. Como quando duas marcas de luxo se associam.

Mic Drop

Uma dessas colaborações acaba de desembarcar no Brasil. O Royal Salute 21 anos Richard Quinn, que é uma parceria entre a famosa marca de blended whiskies e o designer de moda Richard Quinn. Os whiskies foram originalmente lançados na Fashion Week de Londres em 2021, e vêm em duas garrafas de porcelana exclusivas, adornadas com flores azuis – as mesmas que figuram em algumas estampas de Quinn.

Mas não é só a ampola que mudou. O líquido é também exclusivo – um blend criado pelo master Blender Sandy Hyslop, utilizando mais de 31 single malts e whiskies de grão com idade superior a 21 anos. Não há informação sobre quais whiskies foram usados. Um palpite educado deste Cão, entretanto, é que em seu coração estejam os maltes de Strathisla e Longmorn.

Quinn, bonézinho sem flores.

A colaboração foi um processo criativo real e estou muito feliz que o resultado desta grande parceria englobe ambas as nossas paixões de uma forma verdadeiramente moderna. Adoro a ideia de que meus designs para a Royal Salute serão colecionados e valorizados nos próximos anos por amantes de whisky e moda em todo o mundo.” – declarou Richard Quinn, em uma entrevista sobre a criação.

Sensorialmente, o Royal Salute Richard Quinn é extremamente delicado, equilibrado e floral. O final é longo, quase nada apimentado e herbal. O alcool é extremamente bem integrado. É um blend ainda mais delicado em intensidade do que o Royal Salute 21 anos tradicional. De acordo com Sandy Hyslop, o blend foi criado para que o tema floral desenhado nas garrafas refletisse também no líquido.

O Royal Salute 21 anos Richard Quinn está disponível em duas garrafas de cores diferentes – preto e branco. Ambas decoradas com as flores do designer. O líquido, entretanto, é o mesmo para as duas. Para os apaixonados por Royal Salute, ou aqueles que apreciam whiskies complexos e delicados, o Royal Salute 21 anos Richard Quinn é uma escolha perfeita. Um blend de luxo, que transmite sofisticação em todos os seus mais meticulosos detalhes. Com um desses na mão, tudo é relevado – até mesmo usar crocs.

ROYAL SALUTE RICHARD QUINN

Tipo: Blended Whisky com idade definida – 21 anos

Marca: Royal Salute

Região: N/A

ABV: 40%

Notas de prova:

Aroma: Floral e delicado.

Sabor: Adocicado, mel, floral, com jasmin. Muito pouco apimentado.