O Cão Geek – Corante Caramelo no Whisky

Semana passada fui ao dentista. Coisa de rotina. Higienização, selante, flúor. E ainda que não houvesse nada de extraordinário a ser feito na minha visita, fiz uma constatação até otimista. Que os dias que você vai ao dentista te fazem valorizar mais todos os outros que você não vai. E nem é por conta da consulta. Nao tenho medo do motorzinho, nem daquele sugador e nem daquele negócio que parece uma mini-picareta e faz um barulho agudo irritante enquanto espeta sua gengiva. E nem por causa da profissional também, porque minha dentista é um amor de pessoa. O problema é o after.

Quando terminei a consulta, veio a recomendação. Nada de café, chocolate e de coisas com corante até amanhã. Não pode coca-cola, nem ketchup ou gelatina. E nem pensar naquela balinha do pessoal do Uber, a não ser que você queira um dente com um visual meio verde radioativo. Tranquilo, porque essas coisas não fazem muito parte da minha rotina mesmo. E whisky? Whisky tem corante, é? A maioria tem sim. Bom, então melhor não. Meu mundo caiu. Nunca tive trauma de dentista até hoje, mas acabei de criar um. Ainda bem que eu não bebia whisky quando era criança, porque senão detestaria o dentista pro resto da vida.

Mas é a mais pura verdade. A maioria dos whiskies que bebemos possuem corante. O chamado corante caramelo, ou cor de caramelo. Ele é um corante alimentício, produzido pelo aquecimento de carboidratos ou açúcares na presença de ácidos, bases ou sais. Em palavras mais simples, é a queima de algum açúcar, como frutose ou glucose, para que adquiram uma coloração escura. Há mais de uma espécie, mas o mais comum é conhecido nos Estados Unidos como Class 1, e, na Europa, E150. O E150 é também dividido em classes, que vão de A para D, de acordo com cor e processo produtivo. O mais utilizado na indústria do whisky é o E150A.

De acordo com a regulamentação da Scotch Whisky Association, para que um whisky possa ser rotulado como scotch whisky, somente água e corante caramelo poderão ser adicionados ao destilado. Ainda, conforme a regulamentação, apenas “plain caramel” (E150A) pode ser usado no Reino Unido. Na Europa, por outro lado, é permitido que se use outras classes de E150.

Tonalidades

Nos Estados Unidos a história é mais complicada. De acordo com o Alcohol and Tobacco Tax and Trade Bureau, certos whiskeys podem utilizar até 2,5% de corante caramelo em sua composição. Esse percentual pode ser maior, porém, se o uso for de costume para certa bebida (algo como a tradição de adicionar quantidades copiosas de corante caramelo ao whiskey). Mas nada é tão simples. De acordo com o Code of Federal Regulations – a lei que estabelece as regras relativas aos whiskeys americanos – bourbons (sejam eles straight ou não) não podem utilizar qualquer corante. O que significa que a cor daquele seu belíssimo bourbon é cem por cento natural, proveniente da maturação nos barris. Talvez devesse ter ressalvado isso à minha dentista.

Quase mesma regra se aplica às demais classes de whiskey americano. Porém, para estes, o uso de corante caramelo somente é proibido se utilizarem a expressão “straight” no rótulo. Assim, Rye, Corn e Wheat whiskeys podem utilizar corante Class 1 em sua composição. Só que, se o fizerem, não podem ser rotulados como Straight Whiskey. O que, para falar a verdade, não me parece algo tão grave. Convenhamos, consumidor nenhum percorrerá o espinhoso caminho do conhecimento em relação a tantas regras, exceto se for um whisky geek. Que imagino que você, leitor, seja, já que chegou ao sexto parágrafo deste texto.

Whisky!!!

Certas legislações exigem que se declare o uso do E150. O exemplo mais conhecido é a Alemanha. Todos os whiskies comercializados no país que levam corante caramelo devem trazer em seus rótulos – ainda que na parte de trás – os dizeres “mit farbstoff” (“com caramelo”). Como certos produtores possuem rótulos voltados para o mercado global de exportação, raras vezes, mesmo no Brasil, pode-se encontrar um whisky que leve a expressão em sua embalagem.

A POLÊMICA

Muitos afirmam que o uso de corante caramelo no whisky afeta seu sabor. Outros juram por seus destilados que não. Há excelentes argumentos para os dois lados. De acordo com uma matéria vinculada no Vinepair recentemente, um painel de dez funcionários do website Master of Malt (especializado em whisky) tentou identificar o sabor do corante em diversos whiskies, mediante uma série de testes sensoriais, e não conseguiu. Há, por outro lado, o argumento de que o corante caramelo em si, possui um sabor bastante característico. E que, ainda que tímida, há alteração no sabor da bebida por conta disso.

Talvez você esteja se perguntando o motivo de se usar corante caramelo no mundo do whisky. Afinal, seria mais fácil simplesmente abandonar a prática e evitar polêmicas. Mas o mudo, meu caro, não é tão simples. Há tons de cinza. Ou melhor, tons de barris. É que a maturação de um whisky não é uma ciência exata. No caso de single malts, certas barricas transferirão ao destilado mais cor do que outras. Na vasta maioria dos single malts, essas barricas são misturadas, dando origem a lotes. O problema é que, como cada barrica possui uma tonalidade diferente, a coloração da mistura delas poderá ser diferente de lote para lote. Então, para assegurar que aquele single malt tenha sempre aquela mesma cor que você conhece, utiliza-se corante caramelo. Para padronização. Muitos maltes renomados adotam essa prática, como Dalmore, Glenlivet, Glenfiddich e Lagavulin.

Mit Farbstoff

No mundo dos blends, a razão é a mesma. Mas o motivo é ainda mais justificável. O que se busca em um blended whisky é consistência. É por isso que as receitas de blended whiskies não costumam ser claramente divulgadas. Porque o produtor pode simplesmente substituir um single malt por outro com características sensoriais parecidas na mistura, de acordo com a disponibilidade do estoque. Pode-se, inclusive, mudar a proporção para que o sabor do blend permaneça inalterado. Só que manter o mesmo padrão de sabor talvez possa levar a uma alteração de cor. E a forma de evitar que lotes diferentes de blends tenham cores diferentes é pela utilização do E150.

Este Cão não tem uma opinião formada sobre o corante caramelo. Porém, acredita que – como muita coisa – preocupar-se com isso é desnecessário. É claro que o corante caramelo pode ser usado para disfarçar a má qualidade de uma barrica, ou para fazer com que um whisky absurdamente jovem se passe por algo bem mais maturado. Ainda mais nos dias de hoje, com o aumento do consumo e do lançamento de whiskies jovens.

Mas acima de tudo isso, há algo que não é afetado pelo corante caramelo, e que deveria superar qualquer discussão sobre o assunto. A satisfação. Se certo whisky é agradável para seu paladar – seja ele jovem, maturado, simples ou complexo – isso deveria ser irrelevante. Quer dizer, a não ser que você tenha ido no dentista. Aí, melhor ficar com água mesmo.

 

Seis coquetéis refrescantes de whisky para o verão

Ah, o verão. O suor, a praia lotada, a aderência meio nojenta das coisas. Aquela inconveniente temperatura em que é quase impossível beber qualquer coisa a temperatura ambiente. Mesmo porque a temperatura ambiente é a mesma do sétimo círculo do inferno. E ainda que, para mim, beber whisky em qualquer temperatura seja no mínimo agradável, devo assumir que é bem melhor quando ele quase não queima seus lábios.

Pensando nisso – e reticente em abandonar o hábito – pedi ao mestre Marco de La Roche que preparasse uma lista de coquetéis refrescantes e que levam whisky. Perfeitos para essa transpirante época do ano. Marco é atualmente um dos expoentes da coquetelaria e mixologia brasileira e tem um currículo e tanto. É proprietário da Drink.Lab, embaixador das marcas YVY Gin e 1883 Maison Routin. Idealizou o projeto Mentes Brilhantes e faz parte do juri do 50 Best Bars. Foi editor chefe da revista Rabo de Galo e é proprietário do website Mixology News – onde, a convite de Marco, este Cão já escreveu uma matéria.

Bem, sem mais sudorese verbal. Com vocês, seis coquetéis refrescantes de whisky para o verão. Por Marco de La Roche. E tem até drink exclusivo do Cão!


Preste atenção. É só o verão chegar que a gente começa a procurar destilados brancos ou bebidas alcoólicas mais “leves” como os fermentados, seja uma cerveja, um espumante ou até os vermutes na forma de spritzers.

Se é um coquetel nossa memória pede um drinque frutado, cítrico e cheio, muito cheio de gelo.
E é aí que o whisky normalmente fica um pouco para trás. Nós vamos atrás de destilados como tequila, vodka, gim, cachaça entre outros.

À convite do Cão Mestre, fui convidado para compartilhar com vocês uma grande verdade.
Whisky é um grande destilado para se beber no verão. Eis aqui cinco drinques clássicos importantíssimos e uma receita autoral para que vocês possam concluir isso nesse verão.

WHISKY SOUR

Pode-se dizer que um Whiskey Sour é o primeiro passo para os iniciantes. Um clássico que mistura um destilado forte, um cítrico e um dulçor. E assim você pode experimentar com outros destilados, com Rum e Daiquiri, Cachaça e a Caipirinha e Gim e o Gimlet, só para ficar nos fáceis.

Esse drinque apareceu pela primeira vez 1870 em um jornal de Wisconsin, EUA. Mais tarde, foi-se creditado à Elliott Stubb a criação do clássico. É possível encontrar uma série de variações, que abordaremos abaixo da receita sugerida.

  • 60 ml de whisky
  • 25 ml de suco de limão tahiti
  • 25 ml de xarope de açúcar 1:1

Em uma coqueteleira com cubos de gelo, coloque os três ingredientes e bata vigorosamente.
Coe para uma taça martini ou um copo baixo com uma pedra de gelo e finalize com um twist de limão tahiti ou se quiser, uma cereja.

Uma variação possível, não incomum de encontrar nos bares é o uso de clara de ovo. Se quiser experimentar, tente 25 ml de clara de ovo. Outra chance é você encontrar gotas de angostura por cima da clara, também não está nem certo nem errado, é um estilo. Bares e bartenders mais antigos costumam colocar uma cereja como guarnição. Por fim, ainda é possível encontrar uma borda de copo ou taça crustada com açúcar. Quer dar um twist, experimente trocar o xarope de açúcar por um xarope de elderflower, por exemplo.

WHISKEY SMASH

Um dos representantes da coquetelaria com rye whiskey, à base de centeio (e tão raro no Brasil), o Whiskey Smash é uma consequência natural dos Sours. A simples adição de uma erva aromática em um sour e temos um smash. Drinque para os puristas, sem muito malabarismo. Um drinque muito parecido e mais conhecido é o Mint Julep, nesse caso, feito com bourbon, sem limão, montado direto e normalmente servido em uma caneca.

  • 60 ml de rye whiskey
  • 20 ml de suco de limão siciliano
  • 20 ml de xarope de açúcar 1:1
  • 8 folhas de hortelã frescas

Em uma coqueteleira, coloque o hortelã levemente amassado com os dedos, rye whiskey, limão e açúcar.
Acrescente cubos de gelo e bata vigorosamente. Coe para um copo baixo e complete com gelo picado ou então um cubo grande de gelo (dependendo do calor do dia). Finalize com um ramo de hortelã e se quiser uma fatia de limão siciliano.

NEW YORK SOUR

Um dos drinques com whisky que tem crescido muito nos bares é o New York Sour. Datada do século XIX, esta inovação de coroar um Whiskey Sour com um float de vinho tinto iniciou-se em Chicago, EUA e ao início do sec XX já era conhecida bem como New York Sour.

  • 60 ml de bourbon whiskey
  • 30 ml de suco de limão siciliano
  • 15 ml de xarope de açúcar
  • 2 dashes de Angostura
  • 15 ml de vinho tinto (para o float)

Bata vigorosamente os ingrediente com gelo e coe para um copo on the rocks com gelo novo. Flutue o vinho e decore, se quiser, com uma casca de laranja.

BOURBON RICKEY

Mais de um século atrás, adicionar suco de limão em um destilado era uma grande inovação. A receita, registrada em 1883, no Shoomaker’s, um antigo bar de Whashington, EUA, onde o bartender George Williamson e o coronel Joe Rickey tiveram a brilhante ideia de misturar limão e um toque de água com gás em um bourbon, deixando-o mais leve, refrescante e saudável.

  • 60 ml de bourbon whiskey
  • 25 ml de suco de limão tahiti
  • 75 ml de água com gás / club soda

Em um copo longo com cubos de gelo, coloque o bourbon e o limão e mexa rapidamente para homogenizar.
Finalize com água com gás, mexa novamente e sirva com uma rodela fina de limão tahiti.

PENICILLIN

O Penicillin é uma das receitas modernas mais importantes para a coquetelaria. O drinque, foi criado em 2005, por um dos maiores nomes da coquetelaria australiana, Sam Ross, que fez sua carreira e história na capital da coquetelaria mundial, Nova York. Foi lá que esteve à frente da barra de bares míticos como Mik & HoneyPegu Club e agora, à frente do Attaboy, e junto com seu par, Michael McIlroy.

  • 60 ml de scotch whiskey
  • 22 ml de suco de limão siciliano
  • 22 ml de xarope de mel 1:1 (água e mel diluído em partes iguais)
  • 2 fatias de gengibre fresco
  • 7 ml de Islay single-malt Whiskey

Em uma coqueteleira, coloque o gengibre fresco, o xarope de mel e limão siciliano e amasse bem. Acrescente o scotch whiskey e cubos de gelo e bata vigorosamente.
Coe para um copo baixo com novos cubos de gelo e finalize com o Islay whiskey.
Ou você coloca o Islay por cima do líquido ou simplesmente borrifa o whiskey por cima do líquido. Decore com uma fatia de gengibre cristalizado e sirva sem canudo.


DRINQUE EXTRA ESPECIAL PARA O CÃO ENGARRAFADO
APPLE, CORN & GINGER 

Este drinque criado especialmente para essa matéria por Marco De la Roche, e tem como objetivo apresentar notas refrescantes de gengibre, maçã junto com o bourbon whiskey.

  • 60 ml de bourbon whiskey
  • 25 ml de suco de maçã clarificado
  • 50 ml de ginger beer
  • 3 dashes de angostura bitter
  • fatia de maçã desidratada

Em um copo longo com cubos de gelo, coloque o bourbon, maçã e um dash de angostura e mexa bem até gelar e homogenizar. Finalize com ginger beer, mexa novamente. Sirva com uma fatia de maçã desidratada e 2 dashes de angostura por cima.

International Scotch Day – Ou #lovescotch

Hoje é véspera de Carnaval – afinal, estamos em Fevereiro, e Fevereiro inteiro é véspera de Carnaval. Este são já é um excelente motivo para beber whisky, mesmo que para mim, não seja necessário qualquer pretexto para isso. Entretanto, se para você isto não for suficiente, não há razão para pânico. Hoje é um dia especial para o whisky. Hoje é o Dia Internacional do Scotch (International Scotch Day).

Além do Dia Internacional do Scotch, a melhor bebida do mundo é celebrada em outras duas datas. No dia 20 de maio (World Whisky Day) e no dia 27 de março (International Whisky Day). Parece confuso e é. Mesmo porque, essencialmente, os dias comemoram a mesma coisa e do mesmo jeito, ainda que suas histórias sejam diferentes. Mas também, quem reclamaria de beber whisky por mais um dia do ano, não é mesmo?

O International Scotch Day foi criado em 2017 pela Diageo, que – caso você tenha a sorte de estar na Escócia – abrirá todas as suas destilarias para visitação gratuita. Estamos falando de Clynelish, Talisker, Lagavulin, Cragganmore, Cardhu, Glenkinchie e Oban, entre outras. E, se você morar no futuro, Brora e Port Ellen também. Mas as comemorações não acontecerão apenas por lá. Neste ano, mais de setenta países celebrarão o International Scotch Day.

Donald Colville, Embaixador global de maltes da Diageo, disse em entrevista ao website Master of Malt “Nós queremos que as pessoas pensem, falem e bebam Scotch. É sobre recrutar novas pessoas para a categoria, mas também dar àqueles que amam whisky, os conhecedores e verdadeiros amantes de Scotch, a oportunidade de aproveitar o International Scotch Day também“.

E a declaração de Donald não tem nada de blefe. Como tudo produzido pela gigante dos destilados, a campanha de 2018 pelo International Scotch Day tomou ares megalomaníacos. A empresa contratou os atores Shanina Shaik, James Marsden e Suki Waterhouse como embaixadores do dia. Eles viajarão para diversas cidades – Manila, Déli, Joanesburgo e Cidade do México – para promover a bebida. Além disso, as celebridades participaram de uma sessão de fotos na Cambus Cooperage. Para deixar o dia, diremos, mais ilustrado.

O trio

A ideia é colocar o whisky em evidência, especialmente para o público jovem. A data – 10 de fevereiro – não é aleatória. É o dia de nascimento de Alexander Walker, filho do John Walker que, como você já deve ter deduzido pelo sobrenome, criou a mais famosa marca de blended whiskies do mundo. A Johnnie Walker. Além disso, a empresa lançou uma campanha online com a hashtag #lovescotch . A ideia é que as pessoas compartilhem online o que está no copo delas. Como se ninguém fizesse isso nos outros trezentos e sessenta e quatro dias do ano.

Ainda que tenha partido da Diageo, segundo a empresa, todos devem se envolver “Nós pensamos que o International Scotch Day é uma oportunidade para celebrar o whisky preferido do mundo e fazer com que o scotch whisky brilhe como categoria – por isso, incentivamos e acolhemos toda a indústria para se envolver“, diz uma declaração do grupo de bebidas

Assim, meus caros, munam-se de seus smartphones e garrafas de whisky. Comemorem, bebam (com moderação!), compartilhem. Porque para falar a verdade ninguém precisa de desculpa para beber com os amigos. Mas quando temos um pretexto, aí fica ainda melhor!

A Educação faz o Whisky – Dalmore 18

A Educação faz o Homem. Foi o que o escritor britânico William Horman reproduziu em seu livro Vulgaria, de 1519 – um compêndio de citações e provérbios de sua época. No original arcaico “manners maketh man“, o aforismo pode parecer algo cavalheresco e ultrapassado, mas possui um significado tão simples quanto atual. Ele diz que a cortesia, educação e as boas maneiras são essenciais para se conviver em sociedade. E o homem aqui tem sentido amplo. É toda a humanidade.

Mas isso tudo é um detalhe. O importante mesmo é que a citação de Horman – que na verdade nem de Horman é – tornou-se a frase de efeito de Colin Firth, em Kingsman. O filme, dirigido por Matthew Vaughn em 2014 é, ao mesmo tempo, uma paródia e uma homenagem a todos os filmes de espião de todos os tempos. Mas, especialmente, James Bond. Assim como nos filmes de 007, a película é forrada de ternos bem cortados, explosões e vilões megalomaníacos. E muitas vezes é até melhor que Bond. O polêmico plano-sequência da igreja, por exemplo, é absolutamente incrível. E Samuel L. Jackson como um cruzamento entre Mark Zuckerberg e Elon Musk coloca qualquer Blofeld no chinelo.

Mas, acima de tudo isso, há o whisky. James Bond está para The Macallan assim como Kingsman está para Dalmore. Mais especificamente, um Dalmore Sinclair 62. Em uma das cenas do filme, o precioso liquido é expressamente citado por um agente secreto prestes a ser fatiado em dois. 1962 Dalmore. Seria uma pena derramar nem que seja uma gota. Este Cão não poderia concordar mais. O Dalmore Sinclair foi por muito tempo o detentor do recorde de whisky mais caro vendido. É uma garrafa preciosíssima, que hoje vale mais de cem mil libras.

Really astonishing, motherfucker.

A escolha do whisky é irrepreensível. Afinal, a Dalmore é conhecida por produzir alguns dos mais elegantes single malts da Escócia. Obra de Richard Paterson, que até pouco tempo capitaneava o processo de produção da destilaria, como seu master blender. Richard, mais conhecido como “The Nose” (O Nariz) é uma lenda na indústria do whisky. Seu olfato é tão preciso e treinado que há uma apólice de seguro sobre seu nariz, no valor aproximado de 2,5 milhões de libras, pelo Lloyd’s Bank of London.

No Brasil, a Dalmore, importada pela Casa Flora, conta com três expressões com idade declarada – 12, 15 e 18 anos. Este último, o tema desta prova. O Dalmore 18 é maturado em barricas de carvalho americano por 14 anos e transferido para passar  três anos em barricas de jerez Matusalem. Ele é então finalizado por mais um ano em barricas de carvalho europeu de ex-jerez e engarrafado a 43% de graduação alcoólica.  Tudo bem até aqui, pelo jeito. A descrição parece perfeita. Porém, aqueles mais inclinados para o mundo das parreiras notará algo curioso. Matusalém.

É que a maioria dos whiskies finalizados em jerez utilizam as variedades Oloroso ou Pedro Ximenes para o processo, mas pouco se ouve falar em Matusalem. Matusalem é, na verdade, um Oloroso adoçado, conhecido como Oloroso Dulce. Sua idade média é de 30 anos, e sua base é uma mistura de Oloroso e PX. A maturação inicial do vinho ocorre nessas barricas posteriormente utilizadas pela Dalmore – depois, ele é transferido para soleras, onde passa mais um par de décadas até ser engarrafado.

Uma maturação afiadíssima.

Os Dalmore são, tradicionalmente, single malts bastante oleosos com claríssima inclinação vínica. Mesmo os blends mais jovens da destilaria transpiram este caráter. Mas é no 18 que, na opinião deste Cão, ele encontra a maturidade. Há a troca do dulçor e do sabor de malte por algo mais elegante. Um sabor seco, perfeitamente equilibrado com o adocicado e frutado do vinho fortificado.

O caráter oleoso dos Dalmore se deve ao formato dos alambiques da destilaria. Os de primeira destilação são curtos e seus pescoços são achatados. Já os de segunda destilação possuem uma espécie de reservatório de água (water jacket) ao redor dos seus pescoços, que são preenchidos por água fria. Isso faz com que as moléculas mais leves condensem, favorecendo a passagem apenas da parte mais densa do destilado.

Se você é apaixonado por whiskies com aroma e sabor de vinho fortificado, ou se gosta de harmonizar o whisky com um charuto, o Dalmore 18 anos será seu companheiro por muito tempo. Elegância, equilíbrio e personalidade. Se William Hornam estiver certo e a educação realmente fizer o homem, então o Dalmore 18 anos é um verdadeiro cavalheiro.

DALMORE 18 ANOS

Tipo: Single Malt 18 anos

Destilaria: Dalmore

Região: Higlands

ABV: 43%

Notas de prova:

Aroma: frutas cristalizadas, canela, vinho fortificado.

Sabor: Frutas em calda, uvas passas, panetone. Vinho fortificado. Final longo e vínico. Oleoso.

Com água: o sabor de especiarias fica menos evidente e a característica vínica ainda mais clara.

Preço: Em torno de R$ 800,00 (oitocentos reais)

 

Compass Box Three Year Old Deluxe

Janeiro é o mês de meu aniversário. Fiz trinta e três, com fígado de sessenta e muitos. E percebi algo. Meus trinta últimos anos não foram, nem de perto, tão importantes quanto meus três primeiros.

Vejo isso pela minha filha,  a Cãzinha. A Cãzinha tem três anos, com uma habilidade social que não consegui em vinte. Não sei se é porque ela é uma criatura incrivelmente sociável ou se isso se a minha total inépcia social. Mas ela é capaz de conversar com qualquer pessoa, desafiar, mentir, fazer conversinha de elevador e pedir pão de queijo na lanchonete de uma forma absolutamente encantadora. Tudo isso ela aprendeu em três anos.

É claro que há algumas coisas que ainda são complicadas. A Cãzinha tem uma certa dificuldade em entender assuntos abstratos e não é muito convincente para argumentos elaborados. Como, por exemplo, quando ela tenta me convencer que pode comer brigadeiro duas vezes por dia, não consegue e fica agressiva. Mas observando sua evolução, chego a uma conclusão quiçá otimista. Que somos quem somos desde os três. O resto é só sofisticação. Aparar as arestas mais pontudas e aprender uma porrada de coisas que jamais usaremos, como íons, nêutrons, animais endotermos, exotérmicos e a era mesozoica.

No mundo do whisky isso também é quase verdade. A idade mínima para que um whisky seja considerado whisky, de acordo com as regras da Scotch Whisky Association, é de três anos. O tempo, porém, o deixa menos agressivo. Na maioria dos casos, é uma troca da pungência da juventude pela complexidade trazida pelos anos de barril.  Exceto, claro, se falarmos do Compass Box Three Year Old Deluxe, que apesar da idade mínima apresentada no rótulo, transparece uma maturidade quase balzaquiana.

O Compass Box Three Year Old Deluxe é blended malt produzido pela Compass Box Whisky Co., uma boutique de blended whiskies premium, fundada pelo executivo John Glaser. A Compass Box, desde sua fundação, teve um posicionamento iconoclasta no mundo do whisky. Muitos de seus lançamentos eram provocações ou desafios a dogmas impostos pela Scotch Whisky Association. Como, por exemplo quando decidiram maturar um whisky com chips de carvalho – algo proibido – ou lançar um blended whisky que é formado apenas por dois componentes: um single malt e um whisky de grão.

John, pensando em como sacanear a SWA.

Mas talvez a provocação mais descarada da Compass Box até hoje seja mesmo o Three Year Old Deluxe. Ele é um whisky produzido com 0,4% de um Clynelish de apenas três anos, 90,3% Clynelish e 9,3% Talisker ambos bem mais maturados. Mas enfim, um whisky com uma idade média bem razoável. Porém, por conta da regulamentação da SWA, ele não pode declarar essa idade. Deve dizer que possui apenas três anos. É que, como disse, pelas regras, a idade estampada no rótulo de um whisky deve ser aquela de seu componente mais novo. No caso dele, o Clynelish de 3 anos de idade.

O Three Year Old Deluxe é na verdade o resultado de uma campanha da Compass Box Whisky Co. por mais transparência no mundo do whisky. Ela encorajava outros produtores a se juntar, e possuía um abaixo-assinado para consumidores. Em menos de um dia, três mil pessoas haviam assinado a petição, e marcas de renome se juntaram à ela. Uma delas foi a Bruichladdich, famosa destilaria de Islay, conhecida por suas posições progressistas.

Mas, no final, a SWA se manteve resiliente. E a Compass Box teve que encontrar um meio-termo. De acordo com Glaser “Por muitas razões (incluindo, acredite ou não, o Brexit) é improvável que qualquer mudança satisfatória nas leis Européias ou Britânicas aconteçam a curto prazo, mas isso não significa que não podemos continuar fazendo o que sempre fizemos, e misturar whiskies de idades variadas para criar complexidade e equilíbrio. E, com isso em mente, temos o prazer de apresentar nossa edição limitada, o Three Year Old Deluxe

E continua ” Um whisky composto por menos de 1% de malte de três anos, um pouco mais de 90% de malte consideravelmente mais velho da mesma destilaria e 9% de um whisky turfado, produzido na ilha de Skye. A regulamentação nos permite que apenas divulguemos os detalhes do componente mais novo. Mas não importa. Porque o componente de três anos é muito especial, maturado por nós“.

mostra a linguinha para a SWA

Apesar do tom conformista do texto, o Three Year Old Deluxe é na verdade um proverbial tapa com luva de pelica líquida na SWA. Há uma certa hipocrisia nas palavras (mais ou menos) resignadas de Glaser. A proporção de malte jovem é muito pequena para fazer qualquer diferença relevante no sabor do blend. E tanto ele quanto a SWA sabem disso. O whisky é, assim, uma provocação muitíssimo bem elaborada. E uma provocação absolutamente incrível. O Three Year Old Deluxe é reminiscente de um finado Brora. Levemente defumado, com um toque de cera, mel e incrivelmente frutado.

Este Cão, porém, tem uma suspeita. Uma suspeita bem polêmica, ainda que não tão polêmica quanto produzir um whisky de mais de cem libras e estampá-lo com três anos. É que me parece que o Three Year Old Deluxe foi elaborado para não ser bebido. Tudo em sua embalagem demonstra isso. A cera dourada utilizada para selar a rolha e estojo de acrílico transparente colaboram para esta suspeita. A que Glaser já imaginava, ao lançar seu empurrão com ares de tapinha nas costas da SWA, que o Compass Box Three Year Old Deluxe se tornaria item de colecionador.

E foi justamente o que aconteceu. Desde seu lançamento, em 2014, seu preço mais que duplicou. E – acreditem, este Cão sabe bem – tem sido bem difícil encontrar uma garrafa. É que independente de nossa idade, uma coisa nunca muda. O apreço por uma boa história. E o Compass Box Three Year Old Deluxe é uma das melhores.

COMPASS BOX THREE YEAR OLD DELUXE

Tipo: Blended Malt com idade definida (esse é o ponto!) – 3 anos

Marca: Compass Box Whisky Co.

Região: N/A

ABV: 49,2%

Notas de prova:

Aroma: amadeirado e floral, com um pouco de fumaça.

Sabor: Seco e frutado, cítrico, com maçã e especiarias. A fumaça surge apenas no final, que é longo e seco.

Disponibilidade: apenas lojas internacionais.

 

 

Drink do Cão – Whiskey Sour

Hoje, a caminho do trabalho, meu carro me disse que precisava de revisão. O módulo do controle eletrônico de amortecimento – ou algo assim – não estava funcionando. Chegando lá, liguei para a oficina enquanto preprava um café na nova máquina. Mas me confundi. A secretária atendeu bem na hora em que eu ajustava a temperatura e escolhia se meu expresso seria longo, normal ou ristretto. Acabei fazendo um chafé escaldante. Marquei a revisão do carro às pressas, e, irritado, fui à cafeteria. Pedi um café e um brigadeiro. A caixa então perguntou qual brigadeiro eu queria. Sei lá, brigadeiro não é tudo igual, retruquei. Não, agora temos uma seleção de mais de dez diferentes, tem, por exemplo, paçoca, chocolate belga, pistache, doce de leite, café.

Sabe, não sou um nostálgico da desafetação. Mas naquele dia queria apenas um pouco de simplicidade. Um café espresso, um brigadeiro de brigadeiro e um carro que não sabe falar e que não tira peças com nomes esquisitos da sua metafórica cartola eletrônica. Mas eu sei que esse é um movimento natural das coisas em nossa sociedade. Elas começam simples, mas à medida que o tempo passa, vão se sofisticando. É uma característica que não é exclusiva de cafés, carros e brigadeiros. O whisky sour é um exemplo bem claro no mundo da coquetelaria.

É que a primeira receita escrita do Whiskey Sour figurou no livro The Bartender’s Guide, de Jerry Thomas. E com a graça singela de tudo aquilo que começa a tomar forma, a mistura continha apenas três elementos: açúcar dissolvido em água, suco de meio limão e uma taça de bourbon e rye whiskey. Com o tempo, porém, o drink foi se sofisticando – ou melhor, complicando – e ganhando versões. Cereja em calda, calda de cereja, água com gás. A adição destes elementos na verdade tem uma função clara. Destaque. É uma forma de fugir do comum e criar uma identidade. E todo mundo quer isso hoje em dia.

Whisky Sour

Mas o elemento mais polêmico adicionado ao Whiskey Sour foi, sem a menor sombra de dúvida, a clara de ovo. Este – que muitos atualmente afirmam caracterizar o coquetel – porém, somente figurou em sua receita quase um século mais tarde. E até hoje permanece debatido. Por exemplo, a versão do coquetel ilustrada no Joy of Mixology de Gary Regan (2003) não contém a clara de ovo. E o The Essential Cocktail de Dale DeGroff (2008) a menciona como opcional. A ideia da clara não é alterar o sabor do coquetel, mas melhorar sua textura.

A polêmica a respeito da clara de ovo não tem nada a ver com a originalidade da receita, mas sim com saúde. O ovo cru pode transmitir salmonela, uma desagradável bactéria que causa vômitos, diarreia e todo tipo de sintoma gastro-escatológico. Em alguns casos, a salmonela pode ser até fatal. Acontece, no entanto, que somos bichos bem resistentes, e – considerando um bar que respeita os padrões de higiene – o risco da salmonela é bem pequeno para a maioria de nós.  Ele é relevante apenas quando a saúde estiver bem debilitada, ou para crianças. Aliás, um parêntesis aqui: se você estiver muito doente ou for uma criança, por favor, não consuma coquetéis. Com ou sem ovo.

Originalmente, o Whiskey Sour levava rye whiskey como destilado base. A escolha não era sensorial. Ele era o produto mais fácil de ser obtido na época de sua criação. Criação, esta, que é ligada à do Gimlet e do Grogue. É que durante as longas viagens intercontinentais marítimas, muitos marinheiros sofriam de escorbuto, causado pela falta de vitamina C no corpo. Como não havia suplementos alimentares naquela rudimentar época, o jeito era consumir de frutas. Frutas, porém, podiam apodrecer. Então, o álcool funcionava como um conservante, enquanto o açúcar tornava a mistura mais palatável.  Incrivelmente – e maravilhosamente, em minha opinião – uma coisa complementava a outra também em sabor. E, por isso, a panaceia tornou-se um sucesso. A marinha britânica inventou o Gimlet (com gim) e o grogue (com rum), enquanto os americanos usaram o whiskey de centeio e chegaram ao querido coquetel tema deste post.

Bem, sem mais afetação, meus caros leitores, aí vai a receita de um dos mais famosos coquetéis de todos os tempos. Notem, por favor, que a receita abaixo não é a clássica. Mas é aquela que, na opinião deste canídeo, apenas aperfeiçoa sua singeleza. Sem frugalidades, cafés, brigadeiros e automóveis falantes. Apenas um pouco de clara de ovo, calda de açúcar, whiskey e limão.

WHISKEY SOUR

INGREDIENTES

  • 2 doses de bourbon whiskey
  • 1 dose de sumo de limão siciliano
  • 3/4 doses de calda de açúcar (1:1) – aprenda a prepará-la aqui.
  • 1 colher de sobremesa de clara de ovo
  • gelo
  • Copo baixo
  • coqueteleira

PREPARO

  1. Coloque o bourbon, o sumo de limão, a calda de açúcar e a clara de ovo em uma coqueteleira. Chacoalhe bem forte. Isso se chama dry shake. A ideia aqui é formar a espuma característica da clara.
Não confunda com o harlem shake.
  1. Abra a coqueteleira com cuidado e adicione gelo. Bata vigorosamente.
  2. Desça o conteúdo eum um copo baixo, com algumas pedras de gelo ou – preferencialmente – uma pedra grande.
  3. Beba e brinde à simplicidade.

Protagonista – Aberfeldy 12 anos

Tem uns filmes que sempre paro para assistir, quando os encontro passando na televisão. É como se meu cérebro entrasse em modo avião, e confortavelmente se rendesse àquela sensação de familiaridade. Não há nada que eu possa fazer. Não importa quantas vezes já vi cada um, o mundo externo pode esperar. Alguns deles são Casino Royale, Clube da Luta, Orgulho e Preconceito, A Espera de Um Milagre, Gladiador, Melhor Impossível, Máquina Mortífera, Piratas do Caribe, A Supremacia Bourne, A Origem, Gattaca, Sr. e Sra. Smith e Missão Impossível 4. É estranho, porque não há qualquer traço comum entre eles. Exceto o fato de serem hipnóticos.

Mas o mais magnético de todos é Constantine. Constantine é, para mim, o correspondente à Galinha Pintadinha para o Cãozinho. Só que ao invés da Mariana contando até dez, há demônios. E no lugar do borboletão fazendo macarrão para seu irmão, está Lúcifer. Que, diga-se de passagem, merece aqui deferência. Estrelado pelo ator sueco Peter Stormare, o capeta rouba o filme completamente desde a primeira cena em que aparece. Aliás, talvez a graça seja justamente essa. Assistir o Keanu Reeves e esperar que o Cão apareça. Não, eu não. O tinhoso.

#chateado

Algo semelhante ocorre com o Dewar’s 12 anos e seu principal componente de malte, o Aberfeldy 12 anos. Antes colocado em segundo plano e usado principalmente para blended whiskies – especialmente da linha Dewar’s – os Aberfeldy são comparáveis ao capiroto. O capiroto do Constantine.

É que eles passaram recentemente a obter posição de destaque. Graças à Bacardi, proprietária da Dewar’s e das destilarias Aberfeldy, MacDuff, Brackla, Aultmore e Craigellachie, que resolveu finalmente engarrafar seus single malts. O resultado foi o grupo batizado de Last Great Malts of Scotland.

A Bacardi não poderia ter feito decisão melhor. Tirando seus maltes do segundo plano, a marca pôde demonstrar a qualidade e personalidade de cada um dos principais componentes de seus blends. Antes pouquíssimo conhecidos mesmo do público interessado por single malts, estes whiskies então tiveram a oportunidade de brilhar. E alguns, como o Aberfeldy 12 anos, até mesmo roubaram a cena de seus protagonistas.

O Aberfeldy 12 anos é a expressão mais jovem do atual portfólio da Aberfeldy. Além dele, a destilaria possui também um 16, um 18 e um 21 anos, além de certas edições especiais bastante limitadas. O que é curioso na Aberfeldy – e aliás, em todas as destilarias pertencentes à Bacardi – é que não há qualquer engarrafamento sem idade declarada. Uma tendência do mercado, declaradamente rechaçada pela empresa. Quando indagado sobre o assunto, Fraser Campbell, embaixador da Dewar’s, jocosamente cita Tommy Dewar “nós respeitamos muito a idade avançada quando ela é engarrafada”

Aliás, vamos falar de Tommy Dewar. Ainda que a Aberfeldy tenha se revelado para o público apenas recentemente, a destilaria foi um personagem central na história da Dewar’s. Ela foi fundada em meados de 1890, quando Tommy e seu irmão John resolveram que entrariam para o ramo de produção – e não apenas blending- de whisky.

O local escolhido por eles ficava a menos de quatro quilômetros de onde seu pai e fundador da companhia havia nascido. Mas ele não fora escolhido apenas por fins sentimentais. Água é um componente importantíssimo para o whisky, e naquela época, era importante que houvesse uma fonte próxima que pudesse ser utilizada pela destilaria. No caso da Aberfeldy, a fonte era a Pitilie Burn, também famosa por possuir ouro.

Uma das características mais alardeadas do processo produtivo do Aberfeldy 12 anos é a longa fermentação de seu mosto. Ela  leva entre 72 e 88 horas. Um período bem superior à media das destilarias. Segundo a Aberfeldy, é esta fermentação longa que produz os aromas de mel e caramelo característicos do single malt. Os alambiques da Aberfeldy são aquecidos por vapor, e a segunda destilação é também relativamente longa – resultando em um single malt pouco oleoso.

Muito bem, Aberfeldy!

O Aberfeldy 12 anos já recebeu diversas premiações desde seu relativamente recente lançamento. Entre elas está uma medalha de ouro em 2014 pela World Whisky Awards, na categoria de Single Malt das Highlands com idade igual ou inferior a 12 anos. Foi também nomeado “master” pela Scotch Whisky Masters, como whisky das Highlands e Ilhas com idade máxima de 12 anos, no ano de 2013.

Mesmo para aqueles que o experimentam pela primeira vez, o Aberfeldy 12 anos possui um sabor muito familiar. É um whisky herbal, com mel, baunilha e frutas. O final é médio e adocicado. Tomá-lo não exige qualquer esforço, e o próximo gole é quase automático. Sensorialmente, aliás, ele remete mais a um blend adocicado do que efetivamente a um single malt. É quase como aquele filme, que você encontra passando na televisão – você já o viu uma centena de vezes, e não há nada de novo lá.

Mas, em todas as oportunidades ele continuará a exercer aquele mesmo fascínio imobilizador.

ABERFELDY 12 ANOS

Tipo: Single malt com idade declarada – 12 anos

Destilaria: Aberfeldy

Região: Highlands

ABV: 40%

Notas de prova:

Aroma: Mel, baunilha, floral e leve.

Sabor: Mel, balinha de caramelo com leite, compota de frutas. Final médio, adocicado e com bastante mel.

Drops – Dádiva Odonata 2016

Talvez você não tenha acompanhado a história. Mas há uns meses atrás este Cão Engarrafado fez algo que jamais imaginaria. Em parceria com a Cervejaria Dádiva, lançou uma cerveja. Mas não qualquer cerveja. Uma Russian Imperial Stout. Uma Russian Imperial Stout maturada em barricas de single malt das highlands escocesas. Batizada de Odonata #5, a cerveja ficou absolutamente incrível. E olha, isso até pode parecer um texto autopromocional meio esquisito e constrangedor, mas não é não.

É que o mérito é todo da Dádiva. Mesmo antes do lançamento da minha cerveja, acompanhei de perto a cervejaria. E não havia um rótulo sequer que me decepcionasse. Mergulhei na leveza amarga da Venice Beach. Passei perto de um sugar rush com o coco e a baunilha da Tripel Bock. Quase entrei em insolvência ao tentar comprar todas as garrafas e latas que encontrasse pela frente da Spot e Status Quo. E peregrinei por uma garrafa de Dark Sour. Ah e claro – sofri toda vez que abria alguma das irmãs de minha afilhada – a Odonata #4, maturada em barricas de rum, assinada por Cesar Adames, e a Odonata #6, que passou seus meses em barris de cachaça Quinta das Castanheiras.

Não sei se permitir que apadrinhasse um rótulo foi uma forma meio esquisita de me fidelizar como cliente. Provavelmente não, mas posso garantir que (se fosse o caso) teria funcionado muito bem. Porque consigo afirmar com razoável grau de certeza que provei cada um dos lançamentos da cervejaria no ano de 2017. E um dos que mais me surpreendeu foi também o derradeiro. A Dadiva Odonata 2016 (sim, eu não errei o ano), prima de minha afilhada líquida, e igualmente incrível.

Odonatas 2017

A Odonata 2016 é um blend das três primeiras edições da Russian Imperial Stout, que levaram, respectivamente, frutas vermelhas, baunilha e café. A mistura maturou em barris de carvalho americano de reúso por aproximadamente cinco meses e descansou por quase um ano em barris de inox, para finalmente ser blendada e engarrafada. A mistura rendeu mil garrafas.

Nas palavras da cervejaria “A Odonata com frutas vermelhas tem um toque de acidez, enquanto a versão com baunilha tem nuances mais adocicadas. A versão com café de cultivo orgânico da Fazenda Ambiental Fortaleza, parceira da Cervejaria Dádiva, tem fortes notas de tosta que combinam com a robustez da cerveja.” Com este descritivo, a mistura das três só poderia dar incrivelmente certo.

De acordo com Luiza Tolosa, sócia da Dádiva, a criação foi quase uma serendipidade. Um dia, resolveram que misturariam um pouco de cada uma das odonatas, para experimentar. E o resultado foi tão surpreendentemente bom, que decidiram lançar uma série limitada de garrafas com o blend. A cerveja uniu o cítrico e ácido das frutas vermelhas – a preferida de Luiza – com o dulçor da baunilha e o torrado do café.

Se você gosta de cervejas com graduação alcoolica elevada, encorpadas e muito complexas, a Dadiva Odonata 2016 é para você. E se puder, procure e experimente também as demais versões desta Russian Imperial Stout. Especialmente uma tal Odonata #5. É, talvez esse seja um texto autopromocional meio constrangedor.

DÁDIVA ODONATA 2016

Cervejaria: Dádiva

País: Brasil

Estilo: Russian Imperial Stout

ABV: 12%

Notas de Prova:

Aroma: Chocolate, café. Baunilha e uma certa acidez, muito discreta.

Sabor: Encorpada e com pouca carbonatação. O sabor começa adocicado e floral, e progressivamente vai se tornando ácido. O retrogosto é de café.

 

Drops – Ardbeg Kelpie

Minha filha estava estudando folclore brasileiro na escola. Ontem, ela veio me contar que seu animal folclórico preferido é o Saci. Faz sentido, pensei, já que ela não para quieta por um segundo sequer, e adora aprontar com tudo e todo mundo. Aí ela me perguntou qual era o meu preferido. E eu, para não dar uma resposta genérica sem graça e também ensiná-la algo novo, resolvi pesquisar. Recorri ao google.

E não é que nosso folclore realmente é riquíssimo? Além dos conhecidos boto, curupira, lobisomem, mula e saci, há uma pletora de seres fantásticos que eu jamais poderia imaginar que existissem. Um deles é a Pisadeira. A pisadeira é uma velha que pisa na barriga das pessoas enquanto elas dormem, e causa falta de ar. Especialmente quando as pessoas comeram demais à noite. Olha, quando eu era criança, devo ter dado um belo trabalho pra essa tal Pisadeira.

Mas não é apenas o Brasil que possui criaturas folclóricas, claro. Todos os países têm, e a Escócia não é exceção. Por lá, uma das lendas mais conhecidas é o Kelpie. O Kelpie é um espírito que muda de forma, e habita os lagos escoceses. Normalmente, toma forma de um cavalo. Porém, pode se transformar em pessoa também, para atrair seres humanos para as águas. É o correspondente escocês do boto, mas um pouco menos seletivo – para ele, qualquer pessoa serve.

E foi essa lenda que deu origem à nova edição limitada da Ardbeg, batizada em nome do equino demoníaco. O Ardbeg Kelpie – algo que sugere uma forte influência marítima e salina. Ele foi lançado para comemorar o Ardbeg Day de 2017 em duas versões. Uma de 46% e outra, exclusiva do Ardbeg Committee, com 51,7%.

O Ardbeg Kelpie é maturado em barricas de carvalho do Mar Negro. Segundo o material destinado à imprensa, Bill Lumsden, o Diretor de Destilação, Criação e Estoques da Ardbeg, “em sua busca contínua de barris intrigantes, foi inspirado pela profundidade de sabor transmitida pelos barris do Mar Negro. Crescido e temperado na República Adyghe, que leva à costa do Mar Negro, esses barris conferem sabores incrivelmente profundos.” Seja lá o que for a república Adyghe, e o que profundos significar aqui.

E não é que ela existe?

Ainda, segundo a destilaria, “Seus poderosos aromas de turfa oleosa, algas salgadas e alcatrão foram produzidos por barricas de carvalho virgem do Mar Negro, misturadas com o perfil distintivo de sabor da Ardbeg. As ondas de pimenta preta picante dão lugar a uma deliciosa maré de bacon e chocolate escuro. Incrivelmente profundo.” Essa profundidade intrigante mais mais uma vez.

Este Cão teve a oportunidade de provar o Ardbeg Kelpie em sua visita à destilaria, em Agosto de 2017. E apesar de não ter a menor ideia do que a Ardbeg chama de profundidade, achou o whisky bem interessante. O Kelpie tem uma nota salina bastante pronunciada, e que casa perfeitamente com o caráter enfumaçado e cítrico da destilaria. Talvez seja isso que a destilaria anuncia como profundo.

Você já deve ter imaginado que esta criatura mitológica não será comercializada no Brasil. Pois é. Apesar dos recentes lançamentos e, inclusive, da expansão do portfólio permanente da destilaria com o Ardbeg An Oa, nada mudará por aqui. Em nosso país tropical, a única expressão à venda da destilaria continua sendo o Ardbeg Ten. Uma pena. Talvez a LVMH, proprietária da destilaria, prefira focar em produtos de valor agregado mais baixo, como proseccos, a atender a demanda represada de um mercado exigente, mas nichado.

Porém, se você cruzar com este equino das águas, não deixe de experimentar. É realmente um sabor lendário. Ah, e minha criatura folclórica preferida é o boitatá. Mas isso – assim como a tal alegada profundidade – não tem nada a ver com nada.

ARDBEG KELPIE

Tipo: Single sem idade declarada (NAS)

Destilaria: Ardbeg

Região: Islay

ABV: 46%

Notas de prova:

Aroma: Enfumaçado, com algas marinhas e um certo aroma subliminar herbal.

Sabor: Defumado, com carvão, pimenta branca e balinha de caramelo. O final é quase carne de churrasco. É engraçado que o sabor não é tão herbal quanto o aroma.

 Disponibilidade: apenas lojas internacionais.

 

Como identificar um whisky falso (de verdade) – O Cão Engarrafado

Comprei um fone de ouvido. Outro, porque aquele meu fantástico encontrou seu destino ao despencar no chão. Durou menos de dois anos e custou mais caro que prosecco no réveillon. Revoltado, resolvi que compraria algo bem mais em conta, ainda que quisesse também um visual bonito. Um website internacional de réplicas resolveu meu problema. Um belíssimo fone preto, estilo aviador. A marca, não fosse uma vogal de diferença, seria uma das melhores para equipamentos eletrônicos da espécie – Buse.

Aquele Buse era quase idêntico ao original. Sério, era quase impossível desmascará-lo. Exceto no que importava. O som. Os baixos eram altos demais, e os altos, muito baixos. O volume máximo era o correspondente àquele atingido por minha filha sussurrando. Mas o pior de tudo era um barulho de chocalho quando eu mexia a cabeça. Provavelmente por conta de algum parafuso lá dentro, que havia caído durante sua viagem intercontinental até chegar à minha mão.

Era uma pena. No final das contas o fone quase-original não era original no que mais interessava, apesar da estética quase impecável. E como tudo na minha vida acaba desembocando em whisky, rapidamente um pensamento me ocorreu. Era como whisky falsificado.

Assim, embalado por minha (nem tão) querida nova aquisição, e por uma recente polêmica nas redes sociais, resolvi que produziria um texto explicando sobre whisky falsificado, e como identificá-lo. Assim, caros leitores, preparem-se para mais este texto de utilidade pública – e etílica – deste Cão Engarrafado. Mas preparem-se também para ficar profundamente desiludidos. Sem spoilers, mas precisarei extirpá-los de qualquer esperança sobre um método infalível e simples. Como escreveu Dante, Lasciate ogne speranza, voi ch’intrate*. Encontrar um whisky falso é como emagrecer. Não tem mágica.

Deixe-me ser mais incisivo. Não adianta balançar o whisky pra ver se faz espuma. Não adianta bater com a caneta no whisky – a não ser que você faça parte de uma banda hipster de percussão – e nem passar o líquido no pão. E a razão disso é bem simples. Existem dezenas de tipos diferentes de falsificações. E nenhum teste funciona universalmente.

Bom, vou explicar de onde vieram cada um destes mitos. A começar por balançar a garrafa, que além de não funcionar, a longo prazo, estraga a bebida, porque estimula a oxidação (leia mais sobre isto aqui). Teoricamente, líquidos mais viscosos produzem mais bolhas persistentes. E o whisky, cujo corte está entre os  62 a 67 de ABV, possui pouca viscosidade. Assim, um whisky original produziria menos bolhas do que um whisky falso, que por relaxo do falsificador ou por alguma razão que me escapa a lógica, seria mais viscoso.

Bróder, não é Nescau pra agitar antes de beber.

O problema é que cada whisky possui uma oleosidade diferente. Aliás, eu nem preciso dizer isso. Vocês já sabem, porque acompanham o Cão Engarrafado. Assim, um The Macallan é muito mais oleoso que um Glenmorangie, por exemplo. E em adição a tudo isso, há a maturação. Os óleos da madeira costumam elevar a viscosidade do whisky. Aí, realmente não é muito fácil julgar se aquelas bolhinhas são normais ou não. A história da caneta passa também por uma lógica semelhante.

O mesmo vale para o teste do pãozinho. Falsificações grosseiras podem utilizar iodo para simular a coloração do whisky verdadeiro. Porém, este método é muito raro hoje em dia, e por motivos óbvios. É ridiculamente fácil de ser desmascarado. Mas, além disso, é anti-econômico e bem mais difícil de ser executado do que outros métodos melhores e mais populares. O princípio é simples. Há uma reação química que ocorre entre o pão e o iodo, que o deixa azulado. Mas, por conta disto mesmo que essa espécie de falsificação tem se tornado cada vez mais rara.

Aliás, a utilização do iodo não apenas é rara, como é obsoleta. Acontece que a maioria dos blended whiskies disponíveis no mercado utiliza corante, só que não iodo. É o conhecidíssimo e polêmico corante caramelo, ou E150. E a ideia não é disfarçar um whisky falso. Mas é padronizar a cor dos produtos originais, para que não causem estranheza para o consumidor sempre acostumado a beber a mesma coisa da mesma cor. E o E150 não aparece no teste do pãozinho. Ainda bem, senão muitos whiskies verdadeiros seriam considerados falsos.

E aí está. Como havia explicado, a maioria destes métodos não funciona. Simplesmente porque a forma mais comum de falsificação hoje em dia usa whisky original. Quer dizer, o whisky falso que você comprou, na realidade, é um whisky legítimo. É legítimo, só que não é aquele declarado na garrafa.

Não é exatamente uma Ferrari, mas é um carro!

Essa é a conhecida falsificação por transposição, ou tranplante. Utiliza-se uma garrafa de algum líquido mais caro – diremos, um Black Label, por exemplo – e preenche-se com outro whisky mais barato. Talvez um  Teacher’s ou um Passport. A garrafa vazia pode até mesmo ser original. Então, tem-se um whisky original dentro de uma garrafa original. Mas um Passport ou um Teacher’s original, dentro de uma garrafa original de Black Label. E aí é que está a genialidade – ou melhor, a safadeza – desse método. Ele não é identificável por qualquer destes testes, porque o whisky é verdadeiro.

Recentemente uma história assim aconteceu com a The Macallan. O hotel Waldhaus em St. Moritz possuía uma garrafa da destilaria datada de 1878. Um hóspede – o escritor chinês Zhang Wei – pagou 9.999,00 francos por uma dose. Porém, o mundo digital começou a desconfiar da autenticidade da garrafa. Por fim, especialistas levantaram a possibilidade do whisky ser falso, já que o rótulo descrevia uma empresa que jamais existira.

Não demorou muito para o mistério ser finalmente revelado. O que havia lá dentro era whisky, mas estava longe de ser um The Macallan do século dezenove. Segundo o laboratório Tatlock and Thomson’s, que realizou uma bateria de testes químicos e físicos, o líquido era provavelmente um blended whisky, criado entre 1970 e 1972. Uma falsificação muitíssimo bem feita. Tão bem feita que enganou a própria destilaria – afinal, ela havia comprado e colocado em seus arquivos garrafas da mesma origem daquela.

O problema da falsificação por transplante, porém, nem é quando se utiliza whisky. Mas quando se utiliza algum destilado produzido sem cuidado e cujo consumo é, bem, não é muito aconselhável. Usa-se este álcool – muitas vezes carregado de metanol e outros produtos tóxicos – para diluir o whisky. É tipo quando você coloca creme de leite no carbonara, pra render. Só que, no caso do whisky, além de render, você morre. Quer dizer, não é assim, imediato. E, afinal, todos nós vamos morrer. Mas dá uma acelerada nesse desagradável processo de falecimento.

Outro mito sobre whisky falso tem a ver com resíduos sólidos. Não, não cocô. Mas cristais, ou pó, que podem se desenvolver dentro da garrafa, ainda que fechada. Uma lenda urbana perpetrou que garrafas assim seriam falsas. Porém, ainda que isto tenha um fundo de verdade – claro, um whisky falso pode sim desenvolver uma certa decantação – essa história está longe de ser uma verdade absoluta. E isso pode acontecer por muitos fenômenos.

Sem pânico. Pode acontecer (Fonte: The Cutting Spirit)

Um deles é a filtragem. Alguns whiskies, especialmente single malts cask strength, passam por uma filtragem muito tímida antes de serem engarrafados. E, daí, um pó – semelhante a cinzas – podem surgir em seu interior ao longo do tempo. São pequenos restos da barrica, que não foram separados durante o processo de filtragem. Para você ter uma ideia, a engarrafadora Blackladder tem até mesmo uma linha de whiskies que não passa por nenhum processo de filtragem. O resultado é um whisky original, quase sempre opaco, e cheio de pequenas e fascinantes partículas boiando em seu interior.

Além disso, há um curioso, porém conhecido, fenômeno químico. É floculação, e ela tem dois tipos. A primeira é a floculação reversível. Essa, a maioria dos amantes dos whiskies com alta graduação alcoólica já presenciaram. Ela ocorre quando a temperatura do whisky cai drasticamente em um curto período de tempo, ou quando se adiciona água para diluí-lo. O whisky contém inúmeros acidos graxos (é sério isso) que lhe emprestam o tão querido sabor. Com a queda da temperatura ou a diluição, estes ácidos precipitam, e tornam o whisky opaco.

A segunda é a floculação irreversível, e é bem mais rara. Ela se manifesta na forma de pequenos cristais no fundo do whisky. Estes cristais são de oxalato de cálcio. E como eu não faço a menor ideia do que é Oxalato de Cálcio, vou me limitar a dizer o que sei. Isso pode ser evitado ou ao menos amenizado durante a produção, utilizando água desmineralizada.

É claro que há contrafações mais grosseiras e outras mais sofisticadas. E é obvio que para uma pequena parcela daqueles whiskies porcamente falsificados serão identificados por estes testes simples. Porém, a verdade é que não há receita infalível para se assegurar que aquilo que está na garrafa é o que o rótulo diz. Assim, meus queridos leitores, peço mais uma vez perdão por desiludí-los. Podem deixar a caneta e o pão francês em casa. Dispensem a parada na padaria ou na papelaria antes de ir para o bar. A realidade é muito mais sofisticada do que uma simples reação química ou o tilintar de uma garrafa de um whisky falso. Não existe nenhuma fórmula para identificar um whisky falso, exceto, é claro, o cuidado.

Na hora de comprar whiskies, estejam atentos aos detalhes e não corram riscos desnecessários. Ah, e se me permitem falar sobre algo que não domino – o mesmo vale para fones de ouvido.

(*abandone toda a esperança vós que entrais aqui)