O Cão Geek – Fermentação no whisky

Para quem não sabe, sou advogado. Trabalhei por mais de dez anos em direito societário e financeiro. Então, digo com conhecimento de causa. Direito é chato. Na verdade, deixe-me ser mais específico. O Direito é aquela área de conhecimento capaz de tornar enfadonha até a mais instigante atividade.

Fórmula 1 por exemplo. Tudo é empolgante: alta velocidade, competitividade, tecnologia de ponta. Mas o contrato de locação da pista é chato. Ninguém quer ler o contrato de locação da pista por puro prazer. Música também, não importa seu gosto. É uma enorme satisfação ver uma apresentação de seu artista ou compositor preferido, seja Arvo Paart, Korn, Maiara & Maraísa ou Lady Gaga. Mas, o contrato de cessão de direitos de imagem é chato.

Se você discorda de mim, peço que responda de forma cândida. Quando foi a última vez que você leu tudo antes de clicar no quadradinho de “eu concordo com os termos do contrato” ao baixar algum software ou jogo, ou aderir a alguma promoção no shopping? Ninguém le os termos do contrato, e eu sei disso, porque por três anos, eu escrevi mais de vinte termos do contrato, e ninguém – nem meu chefe, que devia revisá-los – leu. E eu nem repreendo, porque eu sei que é insuportável.

Mentira.

No mundo do whisky, fermentação é um pouquinho assim, também. Falar de fermentação é chato. Porque, em whisky, tem assunto bem mais legal. Tipo quanto o corante caramelo influencia no sabor do seu whisky. Ou como as destilarias malvadas, comercialmente vendidas, passaram a fazer filtragem a frio para ganhar clientes, e esqueceram de seus entusiastas esclarecidos. Fermentação é chato. Não tem emoção, é só fungo, bactéria, cheiro ruim e espuma – uma descrição perfeitamente aplicável também ao banheiro da loja de conveniencia do posto mais próximo de sua casa.

Mas, fermentação é um passo necessário para a produção de whisky. E há nuances, também. Processos, escolhas. Fermente seu mosto de forma equivocada, e terá um whisky terrível. Escolha bem sua levedura e a gravidade de seu wort. Este post é para você, querido entusiasta, que está com insônia, e quer saber mais sobre este desprezado estágio de produção. Se você não dormir, sairá um pouquinho mais sábio. Ou não.

Malteação

A Malteação é a primeira parte do processo de fermentação. Ela não é obrigatória, mas, ao mesmo tempo, é. Aqui, o grão é molhado para que parcialmente germine. Qualquer grão pode passar por este estágio, mas, tradicionalmente, usa-se cevada maltada. Há várias razões para isso. A primeira, é histórica – a cevada maltada era o grão predominante onde se produzia whisky nos tempos antigos. Mas é também científica. Durante o processo de malteação, há a liberação das enzimas que convertem o amido nos grãos em açúcares. E serão estes açúcares que, mais tarde, serão fermentados.

Por isso, ela é e não é obrigatória, tipo ler os termos do contrato. Se não maltear o grão, poderá substituir o processo por uma torra por exemplo. É o que destilarias de grain whisky e bourbon fazem. O grão é torrado e depois moído, para que o amido se torne mais acessível.

Mash Tun da The Macallan

Depois, este pó é misturado à cevada maltada. As enzimas da cevada maltada se encarregarão de quebrar o amido dos demais grãos não maltados. E há grãos que, naturalmente, já possuem uma boa quantidade de açúcares – basta que sejam cozidos. O milho é um exemplo. Seja como for, as enzimas contidas na cevada maltada auxiliarão na atalização da conversão de amido em açúcares.

Há whiskies que não usam cevada maltada em nenhum estágio? Sim. Mas o processo de fermentação é bem mais difícil, e, por isso, são casos excepcionais e raríssimos.

Mostura

A mostura já foi parcialmente explicada acima. O grão é moído e cozido, até que se torne uma espécie de xarope bem ralo, ou talvez um mingau. É esse líquido que contém os açúcares dos grãos, que mais tarde será fermentado. A temperatura e o tempo de cozimento dependerá, essencialmente, do grão utilizado. Em alguns casos, há mudança de pressão, para acelerar o processo.

O processo de mostura acontece em um recipiente ou equipamento, conhecido como Mash Tun. É nele que água quente induzirá as enzimas da cevada a transformar o amido em açúcares fermentáveis, principalmente maltose. A água quente é adicionada em em três ou quatro estágios diferentes, com temperaturas cada vez mais elevadas. A primeira tipicamente é de 62ºC, e a última. 85ºC – para destruir as enzimas que já converteram o amido em açúcar. A cada estágio, a água é drenada.

Por fim, o líquido – conhecido como wort – é drenado por meio de um fundo falto na base do mash tun. As cascas e frações maiores dos grãos funcionam como uma espécie de filtro. Essa parte é importante. O líquido drenado, Wort, que será fermentado. O nível de filtragem afetará o sabor do whisky. Um wort mais opaco, contendo cascas e farinha, produzirá um destilado mais apimentado e maltado. Um mosto mais clarificado – como é o caso da Mortlach – produzirá um whisky mais leve.

Se você ainda está acordado, talvez seja hora de falar de mash tuns. Nem todos os mash tuns são feitos igualmente. Há três tipos principais. Os tradicionais rake-and-plough, os lauter e semi-lauter. A maior diferença está em como o líquido é agitado em seu interior. Rake-and-Ploughs lembram uma enorme haste com braços mecanizados, que emergem e submergem da mistura, para evitar que a farinha mais grossa se deposite no fundo. Como revolvem toda a mistura, o wort produzido é mais opaco.

Rake-and-plough da Bruichladdich

Lauters e semi-lauters são parecidos. Num semi-lauter, há uma enorme haste metálica com barbatanas que descem, e chegam até o fundo do mash tun. Essas barbatanas são fixas, e a haste gira em um pivô central. Em palavras mais simples, há um movimento de rotação da haste, mas não das lâminas. No lauter, ou full-lauter, a haste e as barbatanas giram. A ideia é que esse movimento promova a drenagem sem agitar demais a mistura, produzindo um wort mais claro. No full lauter, as lâminas podem subir ou descer, controlando a agitação no fundo do mash tun. A Glenmorangie, por exemplo, usa full-lauters. A Glenfiddich, mash tuns com hastes rake-and-plough tradicionais.

O Bourbon é um caso curioso. Água é adicionada aos cereais, que são cozidos numa espécie de panela de pressão gigante – ou, se você preferir, um ofurô com lâminas mortais – que são diferentes de rake and plough, lauters e semi-lauters. Cada grão exige um tempo diferente de cocção e de pressão. Incrivelmente, um dos períodos mais longos é o do milho – em torno de uma hora, reduzido para vinte e cinco minutos graças à pressão. Essa mistura – agora chamada de mosto – é resfriada, e transferida para os tanques de fermentação.

Fermentação

Antes da fermentação, o wort é passado por um trocador de calor, que reduz sua temperatura para 34ºC. Isso é importante, porque é nessa temperatura que a levedura trabalhará melhor para fermentar o líquido. Esta fermentação ocorre em outro recipiente, conhecido como washback. Assim como os mash tuns, há diferentes tipos de washbacks.

Os tradicionais, são feitos de madeira, especialmente pinho. Outros, mais modernos, utilizam aço inoxidável. Aqui, há um enorme debate sobre as implicações disso no destilado final. Então, talvez, fermentação seja um assunto mais interessante do que Direito. Mas, enfim.

Washbacks da Auchentoshan

Os que preferem washbacks de madeira argumentam que estes possuem um papel no controle de temperatura do mosto. Madeira esfria e esquenta muito menos do que aço inox. Por isso, criam um ambiente mais favorável para que a levedura transforme o açúcar em álcool. Além disso, washbacks de madeira preservam a micro-fauna de bactérias e fungos que podem auxiliar no processo de fermentação, trazendo complexidade ao wash, que será destilado.

Aço inoxidável, por outro lado, é bem mais prático. É mais fácil de limpar, e exige bem menos manutenção. As almas práticas, partidárias dos washbacks inoxidáveis dizem que eles também podem ser lar de microorganismos. Basta ser relapso na limpeza e deixar uns cantinhos propositalmente sujos. O que às vezes pode parecer meio nojento, mas faz todo sentido. Destilarias que produzem um whisky mais leve tendem a preferir washbacks de madeira. É o caso da Aberfeldy, por exemplo. Mas, há exceções para ambos os lados.

Washbacks de inox da Ben Nevis

O processo de fermentação em si ocorre quando levedura – que é um fungo – é adicionada ao wort dentro dos washbacks, junto com um pouco de água. A levedura imediatamente começa a trabalhar, convertendo os açúcares do líquido em álcool e gás carbônico.

Há variações infinitas neste estágio também. Muito do sabor do new-make do whisky vêm da fermentação e seus componentes. Como o tipo de levedura usado, o tempo de fermentação, temperatura e a gravidade do wash. Vamos falar de cada um deles, e depois, eu prometo que sua noite de sono será tão agradável quanto a de um tartígrado em hibernação.

Primeiro, a levedura. Até 2003, as destilarias escocesas eram obrigadas a usar uma úncia cepa de levedura, a DLC M, de saccharomyces cerevisiae. Atualmente, a destilaria poderá usar a variação que quiser. Algumas das mais usadas são Mauri, Kerry e MX. Essas leveduras podem ser adquiridas em diferentes formas. Líquida, semi-seca e seca. A escolha depende, na verdade, da durabilidade versus custo. Maioria dos produtores escoceses preferem a versão líquida, ainda que mais frágil.

O tempo de fermentação é a variação mais conhecida e alardeada pelas destilarias. Uma fermentação de até 50 horas é curta. De 60 a 75 horas, média, e acima de 75 horas, longa. A Aberfeldy é uma das destilarias com o processo fermentativo mais longo da Escócia. São mais de 120 horas. Em tese, quanto mais longa, mais floral e menos maltoso será o new-make final, porque aproveita-se o período de hibernação das leveduras, e a ação de bactérias oportunistas no wash. Este é um assunto bem discutível.

O processo de fermentação, convertendo açúcares em gás carbônico e álcool pelas leveduras aumenta a temperatura do tanque. Por isso, boa parte das destilarias utiliza processos de resfriamento, para manter a temperatura da mistura numa faixa favorável à produção de álcool da levedura. A escolha da temperatura de fermentação será importante porque poderá ou não dar espaço para microorganismos oportunistas. Uma bactéria, por exemplo, que trará mais acidez ao mosto, será vitoriosa em temperaturas mais altas, onde a levedura não está mais tão ativa.

Por fim, a gravidade do wash não tem nada a ver com a força que nos puxa para o centro da terra. Mas, tão somente, à proporção entre wort e água que é adicionada aos washbacks. Um wash com maior “gravidade” é mais concentrado, com mais wort e menos água. O rendimento aqui é menor – porque as leveduras teríam muito trabalho para converter todos os açúcares em álcool. O resultado é um new-make mais puxado para o malte, como é o caso de Cragganmore.

Seja como for, o próximo passo do processo é a destilação. O mash, depois da fermentação, é transferido para os alambiques, onde é aquecido e destilado, produzindo os low-wines. Mas, essa parte, todo mundo já conhece e ama. Todo mundo quer discutir sobre altura dos alambiques, angulo do Lyne Arm e operação do alambique. É tipo jogar videogame. Apertar start é sempre uma delícia. Dureza é ler os termos e condições do contrato.

(Ainda mais) quatro whiskies que fazem falta no Brasil

Esta é a terceira edição de um post sobre whiskies que fazem muita falta no Brasil. Para ler a primeira edição, clique aqui . Para a segunda, aqui.


Miso Hungry. Se você gosta de documentários sobre comida, precisa ver Miso Hungry – que está disponível na Netflix. Ele acompanha as experiências gastronômicas de Craig Anderson no Japão. Craig é um diretor e produtor australiano viciado em junk food, que resolve fazer uma reeducação alimentar na terra do missô. Doze semanas comendo as mais variadas especialidades japonesas, na esperança de perder peso e melhorar a saúde. Sorte de Craig que rodízio japa é coisa de brasileiro.

Mas enfim, durante suas explorações, Anderson descobre o natto. Se você não sabe, Natto é uma gosma, digo, um alimento tradicional japonês, feito de soja fermentada. O natto se tornou tradicional no Japão durante o período Kamakura (século 12). Ele é considerado um superalimento, por seus benefícios à saúde – possui vitamonas K, B6 e E, além de trazer um nível de saciedade fantástico.

Sensorialmente, Natto tem aroma e sabor pungente, que remonta coisas deliciosas (not) como amônia, queijo velho e chulé. De longe, remonta a caldo de feijão sem tempero. A textura é pegajosa e mucosa, com uns pedacinhos mais duros que os demais. Inclusive – curiosidade aleatória – você não pode entrar em uma loja de queijos ou iogurtes no Japão depois de ter comido natto, porque a cultura de fungos do alimento pode interferir na dos laticínios.

Nham.

Eu sei de tudo isso porque, mal acabei de ver o documentário, corri pra pesquisar onde tinha Natto. E descobri – decepcionado – que o Brasil não era muito fã da mistura. Custei a encontrar um restaurante que tinha. Achei, pedi uma porção de vezes, saiu do cardápio. Provavelmente eu era um dos únicos que pedia aquilo. Me conformei que natto jamais seria um vedete de minha dieta. Tipo Lagavulin – um whisky que amo, mas que só consigo comprar fora de nosso país. E aí, como tudo é whisky, resolvi fazer uma lista de outros quatro que todo mundo sente falta, mas que não vêm de jeito nenhum.

Antes de tudo, preciso acertar o tom. Eu sei que não é nada fácil importar whiskies para o Brasil. Há infinitos percalços, analises laboratoriais, documentos, certificados, licenças. Aliás, eu aposto que seria mais fácil trazer oficialmente um míssil Exocet do que uma garrafa de algum cask strength. A turma da receita diria “ah, tudo bem, é só uma ogiva antinaval, o que de pior pode acontecer? Afundarem o Minas Gerais?”. Mas cask strength não. Cask strength “é alcool demais, vocês podem ficar bêbados, melhor atrapalhar esse rolê errado“.

Recolhendo a língua bífida (mas nem tanto), vamos a (ainda mais quatro) whiskies que fazem muita falta por aqui. Pelo menos pra mim.

Glendronach

Desde que abri o bar Caledonia, não há uma única semana que passe sem que alguém apareça por lá procurando um Glendronach. No começo, ficava até meio incomodado de dizer que não tinha. O tempo, entretanto, fez crescer em mim um sentimento sádico meio inexplicável. Me regojizo em ver os olhos brilhantes do cliente ficarem opacos e perderem a vida quando digo “não vem, não tem nem previsão, vai ter que viajar pra comprar. Aproveita e bebe Lagavulin, que não vem também“.

Um dia eu ainda vou fazer alguem chorar porque não tem Glendronach. Neste dia, meu coração terá finalmente terminado seu processo de virar uma ameixa seca. Será ótimo, porque jamais terei outra decepção na vida. Obrigado, Glendronach, por me transformar em uma pedra do mal.

Four Roses

Eu consigo entender a falta de alguns whiskies no Brasil, especialmente americanos. Tem que ser mais doido que um ratel, vulgo texugo do mel, pra resolver vender Pappy Van Winkle por aqui. Uma garrafinha custaria fácil mais de três mil pratas. Mas não é o caso de Four Roses. Four Roses, especialmente seu bourbon de entrada, é ridiculamente barato. Na minha ébria conta, uma garrafa não ultrapassaria os cento e sessenta reais na prateleira da loja.

A Four Roses tem duas mashbills diferentes. Uma “high-rye”, com 35% de centeio e 60% de milho e outra com 20% de centeio e 75% de milho. Que, convenhamos, também tem bastante do grão apimentado. Isso o tornaria um dos únicos high-rye bourbons de nosso mercado, e uma excelente opção para coquetéis clássicos como o Manhattan.

Mas, infelizmente, ele não vem pro Brasil. A Four Roses pertence à Kirin Brewing Company, que você deve conhecer por causa da enorme fusão entre ela e a Schincariol, em 2011. A subsidiária brasileira, Brasil Kiirin, mais tarde foi vendida para a Heineken, em 2017 por 704 milhões de dólares. Muito dinheiro, muito milho, mas nada de whisky.

Nikka

A Nikka é a segunda maior produtora de whiskies japoneses. As principais destilarias são Miyagikyo e Yoichi. Seus blends mais famosos são Taketsuru e Gold & Gold, que talvez você conheça pela versão exclusiva de duty-free, que usa uma distintiva armadura e samurai.

Para ser justo, não é como se eles nunca tivessem tentado. A Nikka já foi importada para o Brasil em algum momento nos últimos trinta anos. Para os que acompanham, não é incomum ver em algum leilão um “Super” ou um “Old Nikka”. Espólios de uma época que provavelmente as importadoras eram mais destemidas. Ou a economia era melhor. Só espero que, algum dia, com o número crescente de entusiastas da melhor bebida do mundo, estas belezinhas possam voltar para cá.

Atualmente, a Nikka pertence à Asahi – aquela mesma, da cerveja prateadinha. Além dela, eles tem Pilsner Urquell e Peroni. Se você gosta de cerveja, não deixe de provar a primeira. E não esqueça de não provar a segunda. Além disso, têm também uma marca de cafés prontos chamada Wonda e uma linha de comidas de bebe nomeada Wakodo. Cervejeiros, cafeólatras e recem-nascidos estão bem servidos com a Asahi. Mas a gente, que gosta de whisky, vai ficar que nem o cliente-alvo da papinha: chupando dedo.

Redbreast (ou qualquer irlandês)

Uma vez, uma cliente me ligou lá no bar pedindo uma degustação de whiskies irlandeses, com cinco variedades. Topei, na hora. Era a primeira vez que faria algo do tipo. No orçamento, mandei Jameson, Jameson IPA, Jameson, Jameson IPA e – finalmente – Jameson. Que na real não é muito diferente do Jameson IPA. Eu acho que ela não gostou da piadinha, porque jamais respondeu.

Mas, infelizmente, é isso aí. O único whisky irlandês a desembarcar no Brasil é o Jameson. Com dois rótulos: o clássico e o finalizado em barricas que antes contiveram cerveja IPA. Tudo certo, por enquanto. São excelentes custo-benefício. Funcionam bem puros e maravilhosamente em coquetéis. Um de meus drinks preferidos do Caledonia, inclusive, é dele: o King James.

Mas, às vezes, a gente sente falta de mudar. A categoria de whiskies irlandeses cresceu monstruosamente nos últimos anos. E há uma variedade sensorial incrível também. De defumados como Coonemara a vínicos como Redbreast. Pra vir pro Brasil, sinceramente, podia ser qualquer irish – Bushmills, Teeling, Midleton, Writer’s Tears, Tullamore Dew. Só coloquei Redbreast no título porque amo.

É uma tristeza. Vou até tomar um irish para alegrar. Bebo Jameson ou Jameson?

Highland Park 18 – Deus Nórdico

Loki, Thor, Odin, Freya e o temido Ragnarok. Graças à Marvel, quase todo mundo sabe um pouquinho de mitologia nórdica hoje em dia. Quer dizer, ao menos as histórias publicáveis. Porque há uma meia dúzida delas que – graças ao bom senso – provavelmente não sairão dos livros de mitologia tão cedo. Tipo quando Loki engravidou de um garanhão gigante e pariu um cavalo de oito patas, que mais tarde virou montaria de Odin. Mas essa fica pra outro dia.

Outra dessas histórias é a de Kvasir, um poeta e o mais sábio dos homens. Kvasir foi concebido durante uma festa em que dois grupos de deuses – os Aesir e Vanir – comemoravam um tratado de paz. Mas não do jeito ei deusa nórdica, vamos ali no banheiro da balada divina fazer um negócio. Kvasir se autoconcebeu de dentro de um barril, onde a festa inteira tinha cuspido um monte de amoras mastigadas. O cara literalmente foi filho da saliva divina. Seu nome, inclusive, significa justamente isso “suco de amora fermentado”.

Apesar de seu nascimento um tanto escatológico – não que o nosso também não seja – Kvasir teve uma existência extraordinária. Durante sua vida, espalhou conhecimento ao redor do mundo, sem nunca deixar uma pergunta sem resposta. Até que um dia ele encontrou um grupo de anões, com os quais tentou também compartilhar conhecimento.

Spoiler, deu ruim pro Kvasir

Os anões, entretanto, eram terraplanistas (na real, todo mundo era, porque eles acreditavam que uma cobra enorme segurava o disco do mundo) e resolveram matar Kvasir, drenar seu sangue e fermentá-lo. Deste processo, surgiu um hidromel que fazia com que seu bebedor se tornasse um poeta instantâneo. Porque, claro, álcool sozinho não é catalisador suficiente para tamanha criatividade.

E foi assim que surgiu a poesia nórdica – graças a uma bebida maravilhosa. Que, sinceramente, eu duvido que fosse melhor que o Highland Park 18 anos Viking Pride – single malt escocês produzido na ilha de Orkney, com todo DNA nórdico. E que acaba de chegar a nosso país oficialmente pela importadora Aurora.

A Highland Park possui algumas particularidades interessantes. A primeira delas é sua política de barricas – que é bem parecida com a de sua irmã superstar, a The Macallan, que também pertence ao Edrington Group. A maioria de seus whiskies é maturada em barris de vinho jerez – sejam eles de carvalho americano ou europeu. Este é o caso do Highland Park 18 anos, composto principalmente por barris de carvalho europeu. A proporção exata, porém, não é divulgada pela destilaria.

Outro ponto interessante é sua turfa. A Highland Park utiliza 20% de malte turfado em seus whiskies. Este malte é produzido na própria Highland Park, utilizando turfa de Orkney. Isso é uma maravilha para um whisky geek: turfas com diferentes origens possuem composições diferentes, e podem trazer sabores diferentes ao whisky. A turfa de Islay, por exemplo, provém de vegetação marítima, e é bastante iodada. A de Orkney, entretanto, é composta quase exclusivamente de fungos e vegetação rasteira. Isso traz ao malte defumado um incomum um aroma floral.

Apesar de toda pompa, a Highland Park não é uma destilaria grande. Sua produção anual esbarra nos três milhões de litros. Se comparada a The Macallan, que ultrapassa os quinze, a Highland Park parece ainda menor. Os alambiques da Highland Park são relativamanete baixos e bem bojudos, o que sugere um new-make pesado. No entanto, os braços que levam aos condensadores são retos (nem pra baixo, nem pra cima), e o sistema de codensação usado é o de shell and tube. Essas duas ultimas características trazem um pouco de leveza ao new make.

Os alambiques da Highland Park – fonte: whisky.com

Sensorialmente, o Highland Park 18 anos é elegantemente enfumaçado, com uma nota vínica – uvas passas, ameixa – bem presente. A palavra de ordem aqui, entretanto, é elegância e equilíbrio. Isso é o mais extraordinário no Highland Park 18. Há dois temas distintos: fumaça e jerez. Equilibrá-los é algo que poucas destilarias conseguem. A Highland Park é uma delas. Outra é minha querida Bowmore, e a menos conhecida mas igualmente maravilhosa Tobermory.

Para os apaixonados por whiskies defumados e vínicos – como este Cão – o Highland Park 18 anos é uma prova quase obrigatória. Apesar do preço bem pouco convidativo, é um whisky que oferece uma experiência um tanto sem paralelo em nosso mercado. Primeiro, pela total ausência de single malts defumados e vínicos. Em segundo, por ser quase um gabarito de equilíbrio em seu perfil. Eu não posso afirmar com certeza, mas, sinceramente, duvido que o hidromel que deu origem à poesia nórdica fosse melhor que o Highland Park 18 anos.

HIGHLAND PARK 18 ANOS

Tipo: Single Malt

Destilaria: Highland Park

País: Escócia – Highlands

ABV: 43%

Notas de prova:

Aroma: enfumaçado, com ameixa seca e pimenta do reino.

Sabor: frutado, com frutas vermelhas cristalizadas. Enfumaçado leve, mas notável. Final longo e apimentado

Toronto Cocktail – Gosto Adquirido

Na semana passada levei a Cãzinha para experimentar sushi pela primeira vez. Dei todas as coordenadas básicas, inclusive sobre como segurar o hashi. Notei, no entanto, que essa parte exigia uma certa prática, e pedi que o garçom a ajudasse. Isso foi até engraçado, porque ele trouxe um mini pikachu de borracha que, quando espetado nas partes baixas, fazia uma espécie de mola que segurava os palitinhos abertos. Mas, enfim, não é isso que importa.

Mas papai, isso é bem esquisito, é arroz grudado com peixe cru, não é bom não. Levantei as sobrancelhas. Olha, cria, eu não tinha muito critério sobre o que comer quando era criança, mas, reconheço que eu também não gostei da primeira vez. E continuei. Acho que sushi é tipo anchovas, gorgonzola ou relacionamentos de longo prazo, é o que a gente chama de gosto adquirido. Se você insistir, vai passar a gostar tanto que até vai ficar com saudades. Ela acenou com a cabeça, fez plec-plec com os palitinhos presos pelo pokemon e pegou mais um hossomaki. Missão cumprida.

Natto. Outro gosto adquirido. Cãzinha vai chegar lá!

Depois, fiquei pensando como é engraçado esse lance de gosto adquirido. Tem coisas que eu detestava. E hoje, até corro atrás pra comprar. Dizem que nosso paladar muda a medida que envelhecemos. Eu devo ter a idade do Gandalf. Passei a gostar de marzipan, uvas passas, tomate, anchovas. Gosto até daquela bala dura de alcaçuz que quando você morde, parece que seu dente foi junto. Meus únicos e perenes ódios seguem sendo frango e morango. Por mim, os frangos deviam comer todos os morangos do mundo e explodir.

No mundo alcoolico, o paladar mudou também. Recentemente, descobri meu amor pela Fernet-Branca. Seria capaz até de substituir a pasta de dente por Fernet Branca, mas, aposto que nove entre dez dentistas preferiria recomendar Oral-B, conforme dita a propaganda. E um dos grandes responsáveis pela inclusão de Fernet na longa lista de meus gostos adquiridos foi um coquetel. O Toronto.

O Toronto é composto de Rye Whiskey – que, como o nome sugere, pode ser canadense – Fernet-Branca, xarope de açúcar e Angostura Bitters. O coquetel é um clássico, e apareceu pela primeira vez na literatura especializada em 1922, no livro “Cocktails: How to Mix Them” de Robert Vermiere. Por lá, o nome era Fernet Cocktail, o que, etimologicamente, parece até redundante. Mais tarde, ganhou seu nome Toronto no “The Fine Art of Mixing Drinks” de David Embury.

Embury. Parece de boa, mas era um malucão.

A receita original pede por rye canadense. O que, observe, pode ser uma cilada. No Canadá, para que um whisky seja chamado de “rye whisky” (whisky de centeio), ele não precisa necessariamente ter predominância de centeio. Parece estranho e é mesmo – eu explico a razão disto neste post. Assim, se for escolher um rye canadense, certifique-se que ele é feito do cereal antes mencionado. Ou opte pelo mais fácil, e pegue um rye whiskey americano, que é rye mesmo, e é mais barato e muito mais fácil de encontrar em terra brasilis.

O equilíbrio do coquetel também merece atenção. Um whisky mais leve ou mais adocicado exigirá que você mude as proporções de fernet e açúcar. Diminua o dulçor ou eleve a Fernet se usar um whisky mais doce. Mas, não tenha medo de errar. Experimentar faz parte do processo – afinal, ninguém nasceu gostando de uvas passas, queijos azuis e anchovas. Vamos à receita.

TORONTO COCKTAIL

INGREDIENTES

  • 60ml Rye Whiskey (vai ter que ser Jim Beam Rye, é o único que chega no Brasil.)
  • 15ml Fernet-Branca
  • 15ml xarope de açúcar (proporção 1:1)
  • 2 dashes (sacodidelas) de Angostura Aromatic Bitters
  • Parafernália para misturar
  • gelo
  • taça coupé.

PREPARO

  1. Adicione tudo no mixing glass com bastante gelo, mexa até gelar. Cuidado com a diluição!
  2. Verta em uma taça coupé e finalize com um zest (uma casca) de laranja.

The Macallan Harmony Collection Rich Cacao

Quando eu era criança, fazia uma porção de coisas bobas sem muito motivo. Não coisas grandes, tipo me arrebentar de boca depois de desafiar as leis da física numa bicicleta e tal. Mas, pequenas experiências. Como, por exemplo, sentar em cima da mão durante a aula, para retirá-la depois e perceber uma certa concavidade no derriére. Tentar empurrar todas as cores daquela caneta multicolorida. Ou enfiar um alfinete na pelinha do dedo, só pra ver ele pendurado. Ou, então, a clássica de colocar uma mão na bacia quente e outra na fria, e depois as duas na morna, para notar que a fria ficou mais quente que a quente. Ou algo assim.

Para falar a verdade, quando a gente cresce, não deixa de fazer essas coisas. Quer dizer, essas coisas não, mas coisas bem parecidas. Faz parte de nossa natureza fazer experimentações. Algumas, meio inúteis e sem graça. Outras, maravilhosas. E como um entusiasta de whiskies e gastronomia, para mim, pouca coisa supera a harmonização de sabores. E é justamente aí que entra o The Macallan Harmony Collection: Rich Cacao – recente lançamento da The Macallan.

O The Macallan Harmony Collection: Rich Cacao foi desenvolvido pela whisky maker Polly Logan, que viajou para Girona, na Espanha, para explorar o processo de produção de chocolates. Mais especificamente, para visitar Jordi Roca, confeiteiro do El Celler de Can Roca, restaurante triplamente estrelado pelo guia Michelin. “quando imergi neste mundo, descobri uma enorme sinergia entre o processo de produção de whiskies e de cacao (…) Ambos levam bastante tempo e atenção excepcional aos detalhes, sendo que mesmo as menores mudanças no processo encorajam diferentes aromas e sabores a emergir“. Depois de seu estudo, Polly buscou barricas de ex-jerez da The Macallan, que trouxessem notas de chocolate.

Polly Logan

O resultado foi um whisky que combina barris de carvalho americano e europeu, com um perfil claramente – adivinhem só – achocolatado. “Para essa expressão, busquei uma nota específica de chocolate nos barris de carvalho europeu temperados com xerez tradicional do The Macallan e combinei isso com uma nota de baunilha conferida por barris de carvalho americano temperados com jerez para adoçar a nota de chocolate ligeiramente amargo que eu havia encontrado ”, explica Logan. “Este requintado single malte oferece uma experiência deliciosa de uísque e chocolate e a chance de elevar a experiência Macallan a uma nova dimensão.

De acordo com o Brand Ambassador da marca no Brasil, Gianpaolo Morselli, “a expressao foi pensada para ser uma simbiose perfeita entre chocolate e whisky. Assim como como alguns queijos, na verdade. Mas quando voce degusta junto com o chocolate, tem um sabor final que não há nem no whisky nem no chocolate. Cria-se um terceiro sabor. Primeiro, voce mastiga o chocolate, e nada acontece. Depois, bebe o whisky. E de repente, acontece uma união dos dois, uma nota de nozes, de frutas secas. Ele foi pensado justamente para trazer isso e abrir a cabeça para as possibilidades de harmonização com o whisky.

Este Cão teve a oportunidade de experimentar o The Macallan Harmony Collection: Rich Cacao exatamente na experiência que lhe é proposto. Durante um evento de premiação dos 50 Best Restaurants, com chocolate escolhido a dedo para a harmonização. O resultado realmente é surpreendente. O single malt puxa para notas de jerez doce, especialmente compota de frutas e alcaçuz. O chocolate ressalta as notas florais e equilibra o dulçor do single malt.

Mas não é somente dentro da garrafa que há referências ao mundo do chocolate. A embalagem do The Macallan Harmony Collection: Rich Cacao é cem por sustentável. Seu estojo, por exemplo, é feito com residuos das vagens do cacau – um subproduto do processo de fabricação dos chocolates, e reciclável.

Tem até o Jordi Roca usando a força!

Para o entusiasta do whisky que quer expandir as fronteiras de seu amor por whiskies; ou para o foodie, que busca sempre combinações inusitadas e incríveis, o The Macallan Harmony Collection: Rich Cacao é perfeito. Na verdade, para todos aqueles que ainda tem a criança experimentadora dentro de si. Porque o gosto pela experiência não muda. O que melhora – e muito – é a própria experiência.

THE MACALLAN HARMONY COLLECTION RICH CACAO

Tipo: Single Malt

Destilaria: The Macallan

Região: Speyside

ABV: 43%

Notas de prova:

Aroma: frutado e floral. Alcaçuz, chocolate ao leite.

Sabor: Compota de frutas, chocolate, pimenta do reino. Final longo, com mais chocolate (que fica mais aparente no final) e puxado para o alcaçuz.

Dia dos Namorados com Whisky – presentes e eventos

Eu não quero que você queira porque eu quero. Eu quero que você queira porque você quer de verdade. Foi assim que terminou uma discussão de aproximadamente cinco minutos entre eu e minha querida Cã. O quase trava-línguas, proferido por ela, não dava muito espaço para réplica. Não importava ter boas intenções, eu tinha que querer de verdade.

A contenda começou com ela perguntando se eu queria sair pra jantar no dia dos namorados. Respondi, com toda minha pragmaticidade, que não. Que eu preferia demonstrar meu amor por ela por meio da gastronomia nos outros trezentos e sessenta e quatro dias do ano – quando não tem fila e bacalhau pelo dobro do preço. “mas então a gente não vai comemorar?” indagou ela, já num tom inquisitivo. “Podemos, não quer que eu cozinhe?“. “Você cozinha quase todo dia. Aliás, seu presente tá comprado, e o meu?

Meu silêncio me condenou. Faltavam ainda duas semanas pro dia dos namorados. Meu horizonte de planejamento de vinte e quatro horas não tinha chegado lá ainda. Acenei negativamente com a cabeça dei um sorrisinho doloso.” Acho que a gente podia ir naquele português que você ama, pensando bem.”. E foi aí, nesse momento, que ela respondeu com aquela frase. Como dizem os falantes da língua saxã: Drop. The. Mic

Tem que querer.

Não importava o que eu fizesse em seguida. Ou no dia 12. Se saíssemos pra jantar, era porque ela estava me obrigando. Se ficássemos em casa, era porque eu não me importava. Nem o mais ardiloso negociador profissional conseguiria encontrar consenso aqui. Meu dia dos namorados já fora liquidado. Mas nem tudo estava perdido. A controvérsia serviu para lembrar do dia – e tentar salvar a vida amorosa de vocês, queridos leitores. Tenham vocês ou não uma vida amorosa.

Assim, separei algumas idéias de eventos, programas e bebidas para dar – e receber – de presente nesse Dia dos Namorados. Do intimista ao hiperativo. Da solteirice ao matrimônio perene. Mas, atenção. Não pode querer porque ele ou ela quer. A lista só funciona se você quiser de verdade.

Clima casa e cobertor

Todo mundo conhece o provérbio do raio que cai no mesmo lugar. Com o dia 12, isso é bem verdade. Uma vez, esqueci completamente da data – e a Cã também. Por sorte, eu lembrei antes, e aí propus fazermos uma degustação de whiskies e vinhos do porto com queijos. Ela amou e ainda ficou super impressionada com minha capacidade de planejamento de última hora. Infelizmente, não tive a mesma fortuna este ano.

Para organizar o programa, é fácil. Escolha três a quatro queijos e três ou quatro bebidas que vocês gostam. Peça para sua melhor metade escolher alguns, e você outros. Dicas infalíveis – bourbon whiskey funciona com queijos como parmesão e Grana Padano. Whiskies defumados vão bem com queijos azuis, como stilton e gorgonzola. Camembert e Brie vão bem com whiskies vínicos.

Aqui no QG do Cão, a Queijaria Rima – especializada em queijos de ovelha – tem dois maravilhosos. O Araritaguaba lembra um pecorino. O Avecuia, um camembert. A Fazenda Atalaia tem um queijo azul incrível, chamado Alvorada, que fica ótimo com Talisker ou Port Charlotte 10. Na duvida, dá um pulo na Queijaria.

Clima tô solteiro / solteira

Vamos combinar uma coisa. Amor próprio é um troço super importante nos dias de hoje. É como diz o coach, se você não se amar, ninguém vai. Então, nada mais justo do que se autopresentear também.

Discuta consigo mesmo o que você quer fazer. Uma das maiores vantagens da solteirice é que você não precisa planejar muita coisa. Basta decidir e realizar. O que, pensando bem, às vezes é a parte mais difícil, porque você fica indeciso se quer comprar um whisky, sair pra beber, assistir um filme ou fazer um whisky carbonara e comer sozinho só porque você pode.

Minha recomendação: compre um Yamazaki Distiller’s Reserve e deguste na companhia de um bom filme. Aproveite para atualizar a biblioteca cinematográfica. Vá em Benedetta do Verhoeven, Licorice Pizza do Paul Thomas Anderson ou – pra algo mais light – On The Rocks da Sofia Coppolla. Quer ver gente? Beba até a vontade passar, ou vá a algum bar e peça um coquetel com whisky.

Clima namoro à distância

Meu pai costuma dizer que a proximidade é o que mais afasta os casais. Não vou me pronunciar sobre a declaração, sob pena de retaliação. Mas posso dar dicas para aqueles afortunados que mantém um relacionamento a uma distância saudável. Aqui, um presente especial parece caber perfeitamente. Se quiser impressionar, vá no novo Royal Salute Polo Estancia, ou no Royal Salute Edição Especial do Ano Novo Chinês. A apresentação é maravilhosa, e o líquido, à altura.

Prefere algo um pouco mais acessível? A Drinks and Community, website oficial da Pernod-Ricard, possui alguns kits especiais, de gins e whiskies, para presentear. O link acima dá acesso ao site apenas para convidados, com alguns preços bem bacanas.

Clima experiências novas

Gente, se você quer saber sobre experiências realmente novas, talvez aqui não seja o lugar certo. Afinal, é apenas um blog de whisky. Mas para experiências novas na área gastronômica, aí vai uma dica que é também um jabá. Mas, com propriedade. Compre uma vaga em alguma degustação de whiskies no Caledonia, nosso bar de São Paulo. Há diversos temas diferentes – e elas acontecem quase toda semana.

Se preferir algo menos acadêmico, o Caledonia também está com uma nova carta de coquetéis por tempo limitado, para comemorar o mês do Whisky. São cinco drinks com The Glenlivet e Chivas Regal. Destaque para o maravilhoso Bee Sting, que leva Glenlivet Founder’s Reserve infusionado com chá defumado Lapsang Souchong, xarope de mel, fernet branca, suco de bergamota e creole bitters.

Arroz de frutos do mar com whisky

Recentemente viajei para Portugal com a Cã. A viagem foi bem legal, bebemos vinhos ótimos e conhecemos lugares maravilhosos. Mas o que a gente mais fez lá foi, seguramente, comer. E é engraçado, porque os portugueses tem a mesma obsessão culinária que eu – tudo que vem do mar. Deve estar impresso no código genético de alguma forma.

Naturalmente, aproveitei para experimentar algumas coisinhas inéditas. Como, por exemplo, ligueirão – que é um bicho compridinho, que parece mexilhão de sabor e textura. E percebes, que além do nome curioso, é outro molusco estranho – visualmente, parecem várias mini-patas de triceratops. E, óbvio, lampréia, aquela sanguessuga enorme cheia de dentes. Que eles tradicionalmente fazem com um molho de vinho maravilhoso, para evitar que você pense que está a comer uma sanguessuga enorme cheia de dentes.

Delícia

Quando voltei para o Brasil, permaneci por algum tempo com a chavinha da obsessão ligada. E resolvi arriscar alguns pratos que havia provado lá. Dentre eles, um arroz de frutos do mar, que eu tenho apenas uma vaga lembrança do original, por motivos de vinhos do douro e do Porto. De toda forma, usurpei a memória que tinha e a adequei para minha habilidade culinária – que beira a de um cachorro bêbado. Foi assim que surgiu o prato que ora lhes apresento – O arroz de frutos do mar com whisky.

Minha esposa, a querida Cã, diz que isso não é um arroz de frutos do mar, mas sim uma paella. Eu discordo. Eu não sei fazer paella. Além disso, chamar o prato de arroz de frutos do mar ao invés de “paella” reduz as expectativas e evita que alguém arrisque comparar com aquelas paellas maravilhosas provadas em restaurantes espanhóis. Então, se alguém disser que é paella, negue. Vamos à receita.

INGREDIENTES

  • 4 colheres de sopa de azeite
  • 400g de Frutos do mar congelados – Lula, mariscos, polvo etc. Existem kits disso no supermercado, mas, se você tiver tempo livre, pode comprar tudo separado. Eu não comprei. Descongele antes.
  • 1 cebola picada a la brunoise
  • 3 dentes de alho picados
  • 2 xícaras de chá de arroz integral (é mais fácil de não errar. Mas pode ir no arroz normal)
  • 1 colher de chá de cúcrcuma
  • 1 xícara de chá de passata (você pode também fazer suco de tomate, fica ótimo!)
  • 3 xícaras de chá de água
  • sal, pimenta, salsinha e o que mais você quiser de tempero.
  • 60ml de bourbon whiskey para flambar
  • 120ml de whisky para a receita – pode ir de bourbon, ou, se estiver sofisticado, um whisky vínico.
  • 2 colheres de sopa de vinagre de jerez (eu usei Fernando de Castilla)
Percebes: não tem na receita, mas eu sei que você ia googlar

PREPARO:

  1. Adicione o azeite em uma panela funda ou wok.
  2. adicione os frutos do mar descongelados e refogue rapidamente.
  3. Adicione a cebola e o alho, misture tudo, e refogue por mais uns dois minutos
  4. adicione o bourbon para flambar. Dê uma leve viradinha na panela (com wok fica mais fácil!) para pegar fogo. Quando isso acontecer, fique longe para não se auto-imolar e mexa a panela para que tudo seja flambado por igual.
  5. Adicione seus temperos. Eu tenho aqui uma espécie de tempero cajun, que eu acho maravilhoso em tudo, e isso nessa receita. Pode colocar também a cúrcuma. Mexa tudo
  6. Adicione o tomate e as xícaras de água. Tudo junto. Pode colocar um pouco de sal aqui.
  7. Coloque o arroz e mexa tudo.
  8. Deixe reduzir e cozinhar o arroz. Lá pelos dez minutos, adicione whisky. O alcool vai evaporar e subir o aroma do barril.
  9. Quando estiver bem perto de ficar seco – lembre-se, não é um risoto, é um arroz. É pra ficar meio seco – adicione o vinagre e mexa novamente. A ideia é trazer acidez. Se você não gosta, vá sem. Pode substituir por limão siciliano também, na finalização do prato.
  10. Sirva com uma dose do seu bourbon favorito ou um single malt vínico!

OPCIONAL: COM POLVO

Talvez você tenha notado o enorme molusco na foto de introdução do post. Se estiver se sentindo sofisticado e qusier arriscar, pode fazer. Basta colocar dois tentáculos de polvo na panela de pressão com uma cebola e uma colher de chá de sal. Deixe na pressão por uns 20 – 30 minutos e abra. Se a cebola estiver desmontando sozinha, é sinal de que o polvo está bom. Dê uma leve chapeada e sirva junto, com azeite.

Union Vintage 2005 – Flashback

Cento e sessenta e quatro milhões de reais em notas de cinquenta. São três milhões, duzentas e oitenta mil cédulas. Se alguém resolvesse, algum dia, empilhá-las, a torre chegaria a trinta e três metros de altura. E se pesadas, dariam aproximadamente três toneladas e meia. Três toneladas e meia de dinheiro, em notas de cinquenta reais. Em volume, dariam para preencher mais de seis caixas d’agua de um metro cúbico. Só pelo puro volume e peso, pode parecer uma quantidade infurtável de dinheiro. Mas foi justamente isso que aconteceu em Fortaleza, no segundo maior roubo a bancos do mundo – o tal assalto ao Banco Central, que até deu origem a um filme da Netflix.

Os ladrões agiram por mais de três meses, planejando cada detalhe. Cavaram um túnel até o cofre e tiraram, pacientemente, todas as seis toneladas e meia com o uso de bacias e cordas. Nenhum alarme foi disparado. A notícia do roubo chegou a imprensa apenas no dia seguinte. Que você, querido leitor, provavelmente leu ao utilizar algum sistema de busca como o Altavista e o Yahoo. Ou, se fosse conectado as últimas tendências digitais, viu no recém-fundado YouTube. Pois é. O evento aconteceu em 2005.

Em 2005, voce tinha que apertar três vezes a mesma tecla pra escrever “C”.

Foi em 2005 também que a Halle Berry apareceu durante a premiação da Framboesa de Ouro para receber seu prêmio de pior atriz por Mulher Gatoe quando o YouTube foi fundado. Foi também o ano que o Kyle MacDonald começou seu projeto de conseguir uma casa utilizando apenas um clipe vermelho de papel – projeto que mais tarde foi narrado em seu blog “one red paper clip“. E enquanto tudo isso acontecia, a destilaria brasileira de whisky Union, localizada em Veiranópolis, preenchia alguns barris de carvalho americano com seu new-make spirit.

Na época, a gente não sabia que o YouTube viraria o que é hoje. E não fazia ideia que o Google em breve superaria Altavita e Yahoo – muito provavelmente, pela facilidade de transformar seu nome em verbo (afinal, você já viu alguém falar “Yahooza isso aí”?). Não fazíamos ideia também sobre os barris da Union. Aliás, muitos de nós não fazíamos ideia nem do que era a Union. Mas, em 2022, soubemos destes barris – foram eles que deram origem ao Union Vintage 2005.

Como o nome sugere, o Union Vintage 2005 foi todo destilado em 2005, e os barris preenchidos no mesmo ano. Estes maturaram por longuíssimos dezesseis anos até que foram finalmente esvaziados e seu conteúdo engarrafado. Ao todo, renderam duas mil e cinco garrafas – uma coincidência suspeita, se alguém me perguntar. O whisky foi engarrafado com sua cor natural, na graduação alcoolica de 48%.

A maturação aconteceu totalmente em barris de carvalho americano de ex-bourbon. Intuitivamente, imaginaríamos um whisky extremamente maturado – ainda mais considerando que o clima brasileiro acelera a maturação, se comparada a padrões escoceses. Mas, não é bem o que acontece. O Union Vintage 2005 é elegantemente equilibrado. O tempo suavizou o new make, mas não o ofuscou. O que sugere que os barris usados foram de primeiro e segundo uso, e cuidadosamente misturados para que nenhum dos elementos se sobrepusesse ao outro.

A Union em Veiranópolis

Sensorialmente, o Union Vintage 2005 traz notas de baunilha, mel, açúcar mascavo, gengibre e pimenta. Há um curioso frutado também, que surge especialmente na finalização. Em comparação aos demais whiskies da Union, o Vintage 2005 é bastante delicado e lapidado. Para o entusiasta que procura sempre intensidade e personalidade, talvez seja uma quebra de expectativa. Mas há uma troca clara aqui – equilíbrio e sofisticação versus pungência.

O Union Vintage 2005 está a venda no site oficial da destilaria e em varejistas selecionados por, aproximadamente R$ 465,00. Parece caro, mas o preço se justifica pela matéria prima e barricas – quase todos importados – o tempo de maturação e, não menos importante, a embalagem caprichada. Para os entusiastas por single malts Brasileiros, ele é prova obrigatória. Só não recomendo o assalto a bancos como forma de comprar um.

UNION VINTAGE 2005

Tipo: Single Malt

Destilaria: Union Malt

País: Brasil

ABV: 48%

Notas de prova:

Aroma: adocicado e floral, com baunilha e mel.

Sabor: mel, gengibre, baunilha, açúcar mascavo. Final apimentado, frutado e com gengibre.

Cinco whiskies que deixaram saudades

Naquela época, os carros eram bem melhores – disse meu amigo, afagando, numa direção só, o teto de seu Opala. Olha o design disso, olha o motor. Apertei os lábios em aprovação e pedi: Liga aí, vamos ouvir o barulho dele. Empolgado, colocou a chave no contato. O motor de arranque girou, girou, mas nada daquele reconfortante barulho dos gases em combustão saíndo do escape. Deve estar frio, concluiu. É, normal, naquela época era normal – concordei – abrindo a porta e sentando ao seu lado, no banco inteiriço.

Me conta, faz quantos quilômetros por litro, indaguei. Cara, quando tô descendo a serra, uns quatro. Dei uma risadinha. Puxa, não é nada econômico. Mas né, mesmo com a gasolina custando o mesmo que o PIB de um país europeu, vale a pena. Naquela época eles eram muito mais legais – comentei, firme. Ele concordou com a cabeça e completou: A única coisa que fico um pouco cabreiro é com a frenagem e segurança. Só cinto de segurança, e não tem ABS, nada, só o freio a disco mesmo. Levantei as palmas pra cima e dei de ombros – normal, coisa daquela época, que era bem melhor.

Bi-xenon.

Meu amigo baixou as sobrancelhas e me olhou em tom de piada – você tá de sacanagem? Eu, eu não, magina, é que nem whisky, antigamente era bem melhor, mó saudades de beber um White Horse de procedência duvidosa. Ele riu. É, acho que não era melhor. Era só diferente, mas dá saudades. Dessa vez, eu concordei de verdade.

As coisas mudam – e às vezes a gente não tá pronto para aceitar. Podem ser coisas prosaicas, como carros ou whiskies. Ou coisas mais complicadas. Mas, a sensação de saudades fica lá. Como diria algum filósofo, as coisas são fluídas – tanto as que são fluídas de verdade, tipo whisky, como as que não são, como carros. È normal sentir saudades. Aqui, reuní cinco whiskies que não são mais produzidos, e que deixaram saudades como o automóvel de meu amigo.

Macallan Ruby

Esse deve ser o número um da lista de muita gente. O Macallan Ruby já veio para o Brasil por importação oficial. Quando chegou, custava menos de mil reais. Foi encarecendo à medida que rareava. Até que a The Macallan anunciou que o whisky seria descontinuado. Aí, ele sumiu das prateleiras – e os poucos que ficaram, passaram a ser vendidos por preços astronômicos.

O Macallan Ruby era o topo da Linha 1824 da The Macallan. Ele não tinha idade definida, e fora envelhecido exclusivamente em barris de carvalho europeu de primeir uso que antes contiveram jerez. Essa era uma característica da Linha 1824 – os whiskies eram escolhidos pelo perfil sensorial, e não pela idade. Como não havia uso de corante caramelo, a The Macallan tinha que acertar padrão de cor, sabor e aroma só pela combinação de barris. Coisa de louco.

Sensorialmente, o The Macallan Ruby parecia que você era um grego antigo e tinha morrido, e bebia da fonte de vinho de Dionísio enquanto faunos produziam vinho jerez em soleras encantadas. Ou isso, ou tinha notas de caramelo, passas, ameixas, pimenta do reino e gengibre. Maravilhoso.

Laphroaig 18 anos

Mais um que deve encabeçar a lista de muito apaixonado. O Laphroaig 18 também já desembarcou no Brasil oficialmente. Da primeira vez, custava uns seiscentos reais, em meados de 2014. Aí subiu para oitocentos e depois pra algo como dois mil e quinhentos. E se eu dissesse que não dá pra entender a lógica, estaria mentindo. Porque é um whisky incrível.

A interrupção de produção do rótulo foi anunciada em 2015, e se efetivou no final de 2016. Uma tragédia anunciada – ostensivamente – pela Beam Suntory, proprietária da destilaria. A notícia, como você pode imaginar, foi recebida com alvoroço e inflação pelo mercado de entusiastas.

Sensorialmente, o Laphroaig 18 lembrava muito o 10 anos, mas com a turfa mais delicada, e uma suavidade e harmonia sem paralelos na linha da Laphroaig. Depois de um tempo, a destilaria lançou seu 15 anos – o que até aplacou um pouco as saudades. Mas não resolveu.

Suntory Hibiki 12 anos

O terceiro whisky desta lista também arranca lágrimas, especialmente dos apaixonados pelos destilados orientais. O Suntory Hibiki 12 anos foi descontinuado em 2015 – quase conjuntamente com o Laphroaig 18 – e substituído pelo Hibiki Japanese Harmony. A razão era fácil. Whiskies japoneses rareavam no mundo todo, e a própria Suntory não possuía estoque suficientemente maturado para atender a demanda.

O que pouca gente sabe – ou se lembra – é que o Hibiki 12 anos passava por uma maturação bem pouco ortodoxa. Barris que antes continham umeshu, licor de ameixa japones – o tal Plum Dew da Suntory. Isso é esquisito até para padrões ocidentais. Na Escócia, é proibido pela SWA maturar whiskies em barris que antes contiveram licor.

Sensorialmente, o Suntory Hibiki 12 anos trazia notas de baunilha, açúcar mascavo, ameixa seca e frutas vermelhas. Incrivelmente encorpado para um blend – discutivelmente até mais robusto que seu irmão mais velho e cobiçado, o Hibiki 17 anos.

Jura Prophecy

Jura Prophecy

É, eu sei, é polêmico colocar um Jura nessa lista. Mas ainda que a lista seja minha e eu não deva satisfação pra ninguém, vou me justificar. É que o Prophecy é tão melhor, mas tão melhor, do que qualquer dos outros atualmente no core range da Jura, que ele já merece estar aqui. Boa parte dessa minha predileção pouco diplomática se deve a uma simples razão. O Jura Prophecy era turfado – e possuía um aroma marítimo enfumaçado maravilhoso.

O Prophecy veio para o Brasil oficialmente pr bastante tempo. Porém, foi internacionalmente descontinuado lá por 2018, para dar lugar à nova linha de whiskies da Jura – Jura Journey, 10, 12, Seven Wood e 18 anos. Nenhum deles defumado. Segundo a destilaria, o consumidor ficava confuso ao ser apresentado com whiskies de uma mesma linha que ora eram turfados, ora não. Por conta de posicionamento de mercado – a Jura busca ser um whisky de entrada – decidiram cortar completamente a turfa.

A maturação do Prophecy acontecia em um conjunto de barris, dentre eles, carvalho europeu de Limousin, e carvalho europeu que antes contiveram jerez oloroso. Como na maioria dos Jura, a maturação não se sobressaía ao sensorial do malte, o que trazia um equilíbrio muito interessante para o whisky. Era delicado, defumado e apimentado ao mesmo tempo.

Mortlach Flora & Fauna

Flora e Fauna

Essa é uma história enevoada. Eu tenho aqui em meu armário uma garrafa de Mortlach Flora & Fauna com selo do IPI e contrarrótulo em português. Sinal de que, em algum momento, essa maravilha já apareceu por aqui oficialmente. Entretanto, o que é mais curioso é que não há qualquer referência a isso na internet. Indagar às pessoas envolvidas também fora infrutífero – ninguém sabia de nada. A verdade é que o Brasil já recebeu boa parte dos maltes mais famosos da Diageo, mas em pequenas quantidades. Então, em algum momento, o carinhosamente conhecido como Mortlach FF pode ter vindo pra cá desavisado.

Alguns whiskies são bons. Outros são muito bons. Alguns, excelentes. Mas há poucos que são tão formidáveis que conseguem retirar da obscuridade sua destilaria, outrora quase negligenciada – ou melhor, subvalorizada – e torná-la uma das mais desejadas entre os apreciadores e engarrafadores independentes. Este é o caso do Mortlach Flora & Fauna.

A linha Flora & Fauna da Diageo tem como objetivo colocar em foco as destilarias menos conhecidas de seu enorme portfólio, e dar a chance ao público de provar, como single malts, muitos dos whiskies utilizados em sua seleção de blended whiskies. Ao longo dos anos, foram vinte e seis rótulos diferentes. O Mortlach foi descontinuado para dar origem a uma série “oficial” da Mortlach – com três expressões. Que não fizeram, nem de longe, tanto sucesso quanto seu predecessor.

Levou alguns anos, mas a Diageo notou que havia algo errado. E inspirando-se na fama daquele primeiro Flora & Fauna, lançou um novo portfólio. Com um novo dezesseis anos, que presta tributo direto àquela primeira expressão, tão admirada – não é tão bom quanto o querido FF, mas ainda assim, é maravilhoso. A garrafa é quadradinha.

 

A História do whisky japonês – Parte II

Na semana passada contamos os primeiros capítulos da história do whisky japonês. Do desembarque de Matthew Perry no porto de Edo, até a fundação da Suntory por Shinjiro Torii e Masataka Taketsuru. Por ora, tudo estava em paz. Mas sossego nenhum dura pra sempre, então, retomaremos a história com:

Conflitos domésticos e internacionais

Em 1934, Masataka Taketsuru resolveu alçar voo solo. Demitiu-se da Kotobukiya e começou a trabalhar no projeto de sua nova destilaria. Essa, onde ele sempre sonhara. A ilha de Hokkaido. Por não ser um empreendedor tão nato quanto Torii, Masataka resolveu batizar seu novo empreendimento de Dainipponkaju – perfeito para se falar depois de algumas doses de Kakubin. Depois, e provavelmente ao ouvir a voz da razão de Rita, mudou o nome da empresa para algo mais pronunciável mesmo alcoolizado. Nikka.

Em 1940 a Yoichi, primiera destilaria do grupo Nikka, passou a funcionar. Foi nessa época que a Kotobukiya também alterou a denominação, e passou a atender por Suntory. Que, caso não tenha notado, é Torii-San ao contrário. E você, que achava que “Daslu” ou “Apple” eram ideias cretinas.

A Yoichi

Ao longo da década de trinta, o consumo de whisky no Japão ainda era pequeno e – apesar do público fiel – as contas da Yoichi e Yamazaki ainda fechavam no vermelho. Isso incrivelmente mudou com a segunda guerra mundial. O exército nipônico consumia, quase literalmente, rios de whisky. O consumo era tanto que a Yoichi recebeu título de instalação militar. E, depois da guerra, o consumo não diminuiu. Ele aumentou, porque os americanos e britânicos lá estacionados também passaram a beber whisky japonês. Tanto a Nikka e a Suntory não apenas sobreviveram à guerra, como tiveram superávits históricos.

Mizunara e a Segunda Guerra

A guerra, entretanto, trouxe algumas consequências curiosas para a indústria do whisky no Japão. Havia, antes do conflito, dependência da importação de barricas do ocidente, em especial, carvalho europeu. Importação, esta, que diminuiu sensivelmente. Por diversos motivos, como o perigo apresentado às rotas comerciais inerente à guerra; e claro, o fato de o Japão estar do lado errado do conflito.

A produção de whisky, porém, não podia se dar ao luxo de permanecer estática. Era um momento extremamente prolífico para eles. Ademais, uma época em que era quase imperativo ficar bêbado. Com a falta de madeira vinda do ocidente, os Japoneses tiveram que se virar com o que tinham. E o que tinham eram carvalhos extremamente antigos, de mais de trezentos anos de idade, de duas espécies jamais utilizadas antes na indústria do whisky. Quercus Mongolica e Quercus Crispula – o que conhecemos hoje como Mizunara. Nesta parte do texto, vou fazer uma digressão de três parágrafos e me parafrasear. Esta explicação já apareceu por aqui, quando falei sobre o Chivas Mizunara. Caso tenha lido, te vejo daqui três períodos. Senão, siga comigo.

A madeira de Mizunara é clara – próxima àquela do carvalho americano – bastante porosa e um tanto quebradiça. Para se produzir um barril de mizunara, as árvores de quercus mongolica devem ter aproximadamente trezentos anos. Já as de quercus crispula, duzentos anos de idade. Uma madeira muito jovem é ainda mais frágil e maleável.

Mizunara

Por conta disso, o preenchimento e armazenamento de barricas de mizunara demanda um cuidado especial. A madeira é bastante propensa a rachaduras e vazamentos. Assim, mesmo no Japão, tradicionalmente se usa mizunara mais para finalizar whiskies, aportando complexidade sensorial, do que maturar totalmente a bebida. Soma-se a isso o fato de que, por conta da porosidade, a madeira do quercus mongolica é bastante potente, e pode desequilibrar a bebida, se maturada excessivamente.

E para piorar ainda mais, apenas uma pequena fração de Mizunara pode ser usada para produzir barricas. O tronco dessas espécies é cheio de nós e porosidades. A taxa de aproveitamento da madeira de mizunara tangencia os 10% – contra mais de 20% do carvalho americano, por exemplo. Isso tudo faz com que as barricas sejam extremamente caras. Para cada barril de mizunara, dá pra comprar mais de vinte de carvalho americano.”

Independente das dificuldades produtivas, a utilização de mizunara foi um dos elementos que colocou o Japão como um player relevante dentro do cenário mundial de whisky. Abordaremos isso em breve, quando falarmos sobre o sucesso internacional do whisky japonês. Mas, antes, vamos falar do que todo mundo gosta, que é…

Treta, ódio e rancor.

Talvez você já tenha esquecido, porque esta matéria tem quase a extensão de Os Lusíadas. Mas, a indústria do whisky Japonês nasceu de uma dupla – Shinjiro Torii e Masataka Taketsuru. No final da década de 30, eles brigaram e Taketsuru resolveu abrir sua propria empresa, a Nikka. Por conta deste desentendimento histórico, não há tratativas comerciais entre as empresas até hoje. Se você conhece alguém rancoroso, agora já sabe – pode escolher o nome do seu personagem preferido e dar um novo apelido a ele.

Este silencio é diferente da Escócia. Por lá, há bastante intercâmbio de matéria prima e barricas. Caso determinada empresa fique sem certo whisky em um momento, eles podem pedir para o vizinho. É uma espécie de toma-lá-dá-cá do scotch whisky. Faz mais sentido emprestar e cobrar o favor, do que fechar as portas para o concorrente e ter que se municiar completamente sozinho. Que é justamente o que ocorre no Japão.

Como não há intercâmbio de barris, para trazer complexidade sensorial a seus whiskies, os japoneses recorrem a duas alternativas. A primeira delas, comprar whiskies importados. A Nikka, por exemplo, possui uma destilaria na Escócia, a Ben Nevis. E os maltes da Ben Nevis eram – até poucos anos atrás – parte integrante de um de seus blends mais queridos, o Nikka From The Barrel. Isso é normal e inclusive era totalmente permitido. Como o Japão possuía pouquíssimas destilarias, e elas não se conversavam, a melhor forma de trazer complexidade e conseguir ingredientes que rareavam era comprar de fora.

Outra saída era transformar as destilarias em Kaijus ou Megazords – escolha o que preferir – do mundo do whisky. Enormes, com dezenas de alambiques de diferentes formatos, tamanhos, e formas de aquecimento. Cada uma destas destilarias seria capaz, então, de produzir destilados com perfis completamente distintos uns dos outros, e suprir a necessidade dos blenders. E foi isso que aconteceu com a Yamazaki e, especialmente, a Hakushu – a nova destilaria do grupo Suntory, instalada no meio da de uma floresta próxima ao monte Kaikomagatake. Ela foi aberta na década de 70, e produz inclusive whiskies turfados.

A esquerda, destilaria Hakushu. à direita, o vilarejo de Hakushu

Imagina isso – você prefere construir uma destilaria gigante, do tamanho de uma cidade, no meio de uma floresta enorme, ao invés de ir lá e fazer as pazes com seu ex amiguinho. É muito ódio e rancor. O que é curioso, porque, com o tempo, novos pequenos produtores apareceram, como, por exemplo, a Chichibu.

Os Artesanais

Um dos personagens mais importantes da ascenção das destilarias artesanais de whisky no Japão é Ichiro Akuto. Seu avô começou a produzir whisky de forma independente apenas um pouco depois de Taketsuru, na década de 40. Sua destilaria chamava-se Hanyu, e localizava-se na região de Saitama. Por conta de fatores econômicos do Japão, a Hanyu fechou suas portas no ano de 2000. Mas, como ocorre com (quase) todo stilent still, o estoque permaneceu.

Ichiro Akuto então aguardou pacientemente. Até os anos 2008, quando transferiu as barricas da Hanyu para sua nova destilaria – a Chichibu – e engarrafou boa parte do estoque numa série que é parte do sonho de todo colecionador. A Card Series, composta por 54 garrafas diferentes, cada uma representando uma carta do baralho. Mas não é apenas o rótulo que é diferente – o perfil sensorial de cada um destes whiskies muda.

Ichiro Akuto

A própria Chichibu, no entanto, é muito mais interessante do que a Hanyu. A destilaria, tocada de perto por Akuto, é quase um laboratório de produção para todo entusiasta de whisky. E Ichiro insiste em tentar, ao máximo, internalizar todos os processos de produção. A maltagem, por exemplo. A cevada é local, e parte é cultivada pela própria Chichibu. Há diferentes variedades também – Sainohosi, Myosi-Nijo, e outros nomes que mesmo para um apaixonado por whiskies, parecem tão misteriosos quanto fascinantes.

Além da Chichibu, muitas outras destilarias surgiram – e algumas fecharam – ao longo deste um século de história do whisky japonês. A Karuizawa, por exemplo, próxima ao monte Asama. E a Shinshu Mars, de Hombo Shuzo em Nagano, que produz alguns single malts finalizados em barricas à moda dos escoceses, como Manzanilla e Oloroso. Mas agora vamos falar de outra coisa que todo mundo ama.

Fama

Estamos nos anos dois mil. Passado o medo ridículo do bug do milênio, os whiskies japoneses já eram bem consumidos no Japão e em parte do leste asiático. Mas, para o mundo inteiro, eles ainda eram algo que parecia proveniente de uma realidade alternativa. Mas em 2003, Bill Murray deu uma ajudinha. Ou melhor, o cinema. Foi o ano de lançamento do filme Lost in Translation (Encontros e Desencontros) de Sofia Coppolla. Na película, Bill Murray interpreta o ator decadente Bob Harris, contratado pela Suntory para fazer um comercial de whisky a la rat pack. For Relaxing Times, Make it Suntory Times!

A fama internacional cresceu em 2014, por conta de um fator improvável. Uma novela, chamada Massan, que contava a história de Masataka e Rita. E ainda que o foco da novela fosse o romance dos dois, a história do whisky japonês finalmente atingiu o mundo. Hordas de consumidores ensandecidos quase pilharam as prateleiras de whiskies japoneses mundo afora. Ou, talvez não. Talvez isto seja uma hipérbole, mas a procura realmente aumentou.

O derradeiro empurrão veio de dentro do mundo do whisky. Em 2015, Jim Murray – um dos mais conhecidos especialistas em whisky da atualidade – elegeu o Yamazaki Single Malt Sherry Cask 2013 como melhor whisky do mundo. Segundo o autor, em uma declaração eivada de humildade, aquela escolha era uma chamada para que a indústria do whisky escocês despertasse. Porque claro, cabia a Murray esta messiânica tarefa.

Nem mesmo os japoneses esperavam tamanho sucesso. Para eles, isso era ótimo, mas, também era um problema. O estoque rareava cada vez mais. E whiskies não são como celulares, que podem ficar prontos da noite para o dia. Há um ponto meio que incontornável, que é o tempo da barrica. Whiskies demandam tempo para amadurecer. De forma a atender a crescente demanda, as marcas consagradas fizeram aquilo que podiam: deixaram de produzir seus engarrafamentos mais maturados – como o Hibiki 17 anos – e lançaram expressões sem idade declarada no mercado, compostas por maltes mais jovens, misturados com parte dos estoques mais maturados.

Houve, porém, outro grupo de japoneses que, muito espertamente, resolveu surfar na fama dos whiskies japoneses para engarrafar whiskies provenientes de outras partes do mundo no Japão, e batizá-los de whisky japonês. Entenda sobre essa polêmica aqui. Por conta disso, em 2021, a JSLMA, entidade de autorregulação criada pelos maiores participantes da indústria, criaram um conjunto de regras para determinar – no ambito da associação – o que pode ser considerado whisky japonês. Entenda sobre isso aqui.