Teacher’s Highland Cream (Escocês)

Hanna Arendt uma vez escreveu que ” Das coisas tangíveis, as menos duráveis são as necessárias ao próprio processo da vida. O seu consumo mal sobrevive ao acto da sua produção “. Se não fosse por um hiato de poucas décadas – e talvez minhas dúvidas sobre as preferências alimentares da filosofa – poderia jurar que Hannah escrevera o excerto depois de pedir uma batata frita de delivery.
Há poucos alimentos mais efêmeros do que a batata frita de delivery. Nem carne, nem massas, sofrem tanto. Nem mesmo o hambúrguer, companheiro inseparável da batata frita, apanha desse jeito. Vinte minutos em um espaço confinado, no baú do entregador, são suficientes para transformar a mais deliciosa e crocante fatia em um negócio frio, mole e murcho. Batatas fritas definitivamente não viajam bem.

Outro produto que sempre ouvi que não era o mesmo depois da viagem – neste caso, uma transatlântica – é o whisky Teacher’s. Produzido na Escócia e transportado em tanques estanques, o Teacher’s era cortado (diluído) e engarrafado no Brasil. O processo tornava a logística mais barata, e permitia que o Teacher’s tivesse preço de combate por aqui sem sacrificar a qualidade. Porém, ouvira de mais de um bebedor que havia diferenças entre os dois.
Naturalmente, graças à minha perseverança em relação a assuntos inúteis, resolvi fazer o teste. Quando viajei para a Escócia pela primeira vez, fiz uma importação espontânea de uma garrafa de Teacher’s em minha mala. Logo que cheguei ao meu hotel, pedi um whisky. O Teacher’s engarrafado na Escócia. O bartender me olhou esquisito – afinal, dentre mais de trezentos rótulos naquele bar, era inexplicável que tivesse escolhido aquele para começar.
Observei o bartender descer uma dose do Teacher’s engarrafado na Escócia sob olhares curiosos do restante da brigada do bar. Daí, tirei da mochila uma garrafa daquele engarrafado no Brasil, e pedi uma taça. Ouvi um murmurar de interesse. Brasileiro maluco. Dei um gole em cada um, e empurrei as doses em direção ao bartender, que esticou o braço, em sinal de que havia aceitado minha oferta. Ao provar os dois, acenou afirmativamente com a cabeça. É, eles eram diferentes. Não muito, mas o suficiente para que percebêssemos. Expliquei para ele a lenda urbana que havíamos acabado de comprovar, e tudo ficou claro.
O Teacher’s engarrafado no Brasil era mais adocicado e leve. A fumaça estava lá, mas mais discreta, contida. O engarrafado na Escócia era mais seco, enfumaçado e intenso. Se aproximava mais do single malt que compõe seu coração, o Ardmore. Indaguei sobre o que poderia ter causado essa diferença. Podia ser a viagem da matéria prima, o Teacher’s não cortado, até o Brasil. Poderia ser a nossa água. Ou, então, talvez fosse uma diferença de lote. Não chegamos a qualquer conclusão.
Muitos anos mais tarde, tive a oportunidade de refazer a comparação. Mas no Brasil. É que a Beam-Suntory, empresa mãe da Teacher’s, decidiu trazer o whisky engarrafado na Escócia para nosso país, ao invés de continuar a engarrafá-lo por aqui. O evento de lançamento aconteceu em um lugar muito especial. O Caledonia Whisky & Co., nosso bar em São Paulo, e contou com a presença de Paula Limongi, embaixadora da marca, e Walter Celli, CEO da Beam-Suntory para Brasil, Paraguai e Uruguai.

Os convidados assistiram um discurso de Paula Limongi e deste Cão Engarrafado, e provaram três rótulos. O Teacher’s 12 anos, lançado em Recife há pouco mais de um ano, o Laphroaig Select e o Teacher’s engarrafado na Escócia. Walter Celli também falou, e explicou sobre os novos planos da marca e seu posicionamento “Acreditamos que os consumidores de whisky estão cada vez mais exigentes. Teacher’s teve
seu papel fundamental em tornar o scotch acessível no país, mas agora entendemos que os brasileiros, em especial os nordestinos, em todas as classes sociais, estão mais rigorosos e entendem que um whisky engarrafado na Escócia tem seu diferencial”
Sensorialmente, a experiência que tive no Brasil foi muito semelhante àquela na Escócia, anos atrás. O Teacher’s engarrafado por lá é menos alcoólico e mais defumado. Parece um produto mais lapidado do que o que outrora era vendido por aqui. Há um claro ganho em equilíbrio do blend, que, apesar de simples, parece ser mais bem acabado.
Mexer no processo de produção de um whisky tão bem sucedido no Brasil como o Teacher’s pode parecer um contrassenso. Porém, este Cão somente poderia aplaudir a decisão da Beam-Suntory. Com essa decisão, há melhor padronização do whisky, preservando seu excelente custo-benefício. É como se a batata frita de delivery agora fosse preparada em casa.
TEACHER’S HIGHLAND CREAM
Tipo: Blended Whisky
Marca: Teacher’s
País/Região: Escócia – N/A
ABV: 40%
Idade: Sem idade declarada (NAS)
Notas de prova:
Aroma: levemente esfumaçado, com suave aroma cítrico.
Sabor: frutado, cítrico, com final levemente defumado. Não é um whisky muito complexo. O sabor de álcool é bem aparente, mas não chega a atrapalhar.
Onde comprar: todo lugar, praticamente, e na Caledonia Store, inclusive.






























