The Macallan Night on Earth in Jerez

Poucos sabem, mas a nobre tradição britânica de comer um pãozinho com marmelada foi fomentada por uma coincidência ibérica. Não sei se é lenda ou real, mas conta-se que, no final do século XVIII, uma embarcação espanhola carregada de laranjas amargas de Sevilha foi forçada a aportar em Dundee, devido ao mau tempo – quer dizer, à imprevisível e delicada brisa marítima escocesa.

Eram laranjas renegadas — amargas e ligeiramente passadas — para o consumo direto. Mas não sem potencial. O senhor James Keiller, comerciante de tino aguçado e provavelmente o tipo de cara que mistura tudo da geladeira com ovo para evitar disperdício, comprou a carga inteira só porque estava barata, sem saber o que fazer com tamanha acidez.

Felizmente, sua esposa, Janet Keiller, sabia que, se a vida te dá limões – ou melhor, laranjas azedas – o melhor é fazer marmelada. Nascia assim a marmalade de Dundee. Com o tempo, o (quase) doce ganhou fama, e as laranjas de Sevilha tornaram-se matéria-prima nobre em solo escocês. Mas essa aliança entre Espanha e Escócia não é exclusiva dos doces. Ela se repete no mundo do whisky.

Descriptor aromático de whisky

A conexão não é novidade. Ela é mais que secular, e data quase do mesmo tempo da história das laranjas. Naquela época, o vinho jerez era transportado dentro de barricas de carvalho, esvaziado e engarrafado no Reino Unido. Por muitos anos os espanhóis abandonavam nos portos britânicos aqueles barris de transporte – não fazia sentido, economicamente, recuperá-los. Até que algum escocês teve a brilhante ideia de utilizar aquela res derelictae para maturar whisky.

O resultado foi tão bom que, assim como as laranjas, os barris de jerez passaram de subproduto de exportação para um produto cobiçadíssimo. A ponto de, atualmente, destilarias como a The Macallan encomendarem, sob estrita especificação, tais barricas. O preciosismo é tão grande que a destilaria determina especificidades do vinho jerez que será usado tão somente para temperar a barrica – e jamais vendido como vinho.

Homenagens a essa história não faltam. Mas talvez a mais clara seja o The Macallan Night on Earth in Jerez de la Frontera, que acaba de chegar ao Brasil. É a terceira expressão da série “Night on Earth”, que comemora o ano novo, com foco em diferentes países – dessa vez, a Espanha. Por conta da referência, o whisky é totalmente maturado em barricas de carvalho americano e europeu que antes contiveram jerez.

Mais uma vez, há um cuidado excepcional com a embalagem. Para esta edição, a The Macallan contribuiu com Maria Melero, artista nascida em jerez, que ilustrou todas as infinitas – talvez eu esteja sendo hiperbólico – camadas de caixas que devemos abrir até chegar à garrafa. A camada externa apresenta a paisagem de um vinhedo. A camada intermediária representa os azulejos, tradicionais também na Espanha. Por fim, a camada mais interior ilustra as uvas que, algum dia, terão a sorte de se tornar tempero para a The Macallan.

Maria Melero

De acordo com Steven Bremner, Whisky Maker da The Macallan “Jerez desempenha um papel crucial no passado, mas também no presente e no futuro do The Macallan. Como whisky maker, ter sido capaz de contar parte dessa história por meio de um whisky foi maravilhosamente gratificante. Uma combinação de barris (…) temperados com jerez nos permitiu capturar os sabores, as tradições e as memórias de Maria do Ano Novo em Jerez de la Frontera, o lar do vinho jerez.

Mas sei que a embalagem importa menos do que o líquido para os nobres leitores deste blog. Sensorialmente, o The Macallan Night on Earth in Jerez de la Frontera remonta a um Sherry Oak. Há até mesmo uma certa adstringência, vinda de algum barril de carvalho espanhol jovem. O single malt traz também notas de tâmaras, uvas passas, baunilha e chocolate. É claramente mais puxado para o perfil vínico do que seus predecessores – o Night on Earth on Scotland e o Journey. A bela cor – que é natural – denuncia a predisposição ao jerez.

Há uma clara preocupação em tornar o The Macallan Night on Earth in Jerez de la Frontera presenteável. A embalagem é meticulosamente desenhada, e o líquido não é nada agressivo. É um whisky extremamente palatável, que dificilmente desagradará algum consumidor. Se há algo a criticar, é a graduação alcoólica, de 43%. Que, para os padrões deste Cão, poderia ser um pouco mais elevada. Mas daí, também, talvez a expressão perdesse parte de sua facilidade de consumo para um público mais abrangente. Em outras palavras: eu não sou o parâmetro.

Seja como for, o The Macallan Night on Earth in Jerez de la Frontera é uma boa lembrança de que o whisky, como a marmelada, é fruto de encontros improváveis — de tradições que se cruzam, acidentes geográficos, barris esquecidos e laranjas rejeitadas. Se vale a pena ou não, vai depender do gosto do entusiasta. Talvez, numa ocasião especial, acompanhado de um docinho de laranja.

THE MACALLAN NIGHT ON EARTH IN JEREZ

Tipo: Single Malt

Destilaria: Macallan

Região: Speyside

ABV: 43%

Notas de prova:

Aroma: açucar mascavo, tamaras, uvas passas, especiarias.

Sabor: Chocolate, pimenta do reino, uvas passas, ameixas secas. Alcaçuz, final longo, com baunilha e chocolate.

Royal Salute 21 Rio de Janeiro Polo Edition

Vou fazer uma coisa inédita aqui no Cão Engarrafado e ir direto ao ponto. Mesmo porque é um assunto de suma importância, que não permite devaneios. Fiquei um pouco decepcionado com a Royal Salute. Mais especificamente, com um novo whisky, parte de sua coleção de Polo. E meu desapontamento nada teve a ver com o perfil sensorial do líquido. Mas sua homenagem. O novo Royal Salute Polo Edition presta tributo ao Rio de Janeiro.

Preciso, aqui tentar justificar meu lugar de fala. Sou paulista, nasci em São Paulo. Mas, de pai carioca, que – gosto de acreditar – me educou muito bem. Então, ainda que o Jus Solis não me permita qualquer digressão sobre o assunto, o Jus Sanguini vem ao meu socorro. Não que meu pai fosse carioca da gema, porque nunca foi da praia e do samba. Mas, chamava bolacha de biscoito. E por mais que tenha diluído seu sotaque, conservava um erre rebelde no porque que eu invariavelmente reproduzia, em períodos de maior convivência. Pensando bem, ele era o carioca mais paulista que eu já vi.

Enfim, nutri longa expectativa que, um dia, São Paulo fosse homenageada. Afinal, temos o MASP. E o sanduíche de mortadela, e a ponte estaiada. Temos o Jockey Club, e uns campos de polo bem legais há poucas horas de carro. Mas, quem venceu foi o Rio. Com motivos bem mais insignificantes, como praias maravilhosas, o cristo redendor, o Pão de Açúcar e a filosofia de vida estoico-tropical dos cariocas, de que qualquer problema se resolve se for ignorado por tempo suficiente.

Paraíso

Tento me convencer que a justificativa reside na cor da garrafa. Fosse paulista, teria que ser cinza. Ou preta. Ou marrom, que é a cor do Anhangabaú quando tem enchente. Tem sua elegânica distópica. Verde, por outro lado, é mais vibrante, e cria um contraponto mais bonito com as demais edições. Deve ter sido por isso. Então, vou me concentar no whisky e para superar a desilusão.

De acordo com Malcolm Borwick, embaixador da linha de polo da Royal Salute “A popularidade do polo no Brasil está em alta e, junto com as paisagens deslumbrantes e a energia vibrante, é um lugar onde sempre adorei jogar e passar tempo. A energia cultural da cidade é incrível, tornando-a um destino perfeito para ser homenageado na Royal Salute Polo Collection. Estou ansioso para saborear esse novo blend após minha próxima partida de polo lá”.

O Royal Salute 21 Rio de Janeiro Polo Edition é um blended malt – uma mistura apenas de single malts – com idade mínima de 21 anos. É o segundo blended malt da coleção de polo – o primeiro foi o Jodhpur, já revisto por aqui. Parte dos whiskies que compõe seu blend foram maturados em barris de primeiro uso (first-fill) de Braeval, single malt que percente à Pernod Ricard. O restante dos whiskies é, predominantemente, maturado em barris de carvalho americano de ex-bourbon.

De acordo com Sandy Hyslop, master blender da Royal Salute, “Para capturar a energia única e espírito dos Cariocas, criamos um blended malt 21 anos com caráter Brasileiro. Essa expressão traz whiskies selecionados das renomadas destilarias de Braeval e Glen Keith, imprimindo aromas florais e frutados. Maturado em barris de primeiro uso de carvalho americano, este blend revela camadas de coco doce e baunilha, com um caleidoscópio de sabores que te transporta diretamente para a praia de Copacabana banhada de sol

Braeval, também conhecida como Braes of Glenlivet

Sensorialmente, o Royal Salute 21 Rio de Janeiro Polo Edition é mais intenso que os demais Royal Salute. É adocicado e frutado, com pera e abacaxi. O final é longo, pouco apimentado, puxado para baunilha, coco e amêndoas. É um whisky adocicado e nada defumado, com excelente palatabilidade. É bem próximo de seu irmão de linha, o Malts Blend – mas um pouco mais intenso.

No fim das contas, sigo aguardando homenagem etílica à minha São Paulo. Quem sabe um dia, com uma garrafa cinza chumbo, com maturação em barris torrados e levemente turfado, trazendo notas de café e fumaça, para celebrar nosso charme urbano. Até lá, nos resta brindar com este Royal Salute ao som de um samba suave, tentando ignorar a inveja – porque, como já sabemos, problemas desaparecem se forem ignorados por tempo suficiente.

ROYAL SALUTE 21 RIO DE JANEIRO POLO EDITION

Tipo: Blended Malt
Marca: Royal Salute
País/Região: Escócia – N/A
ABV: 40%
Idade: 21 anos

Notas de prova:

Aroma: Adocicado e frutado. Pera e baunilha
Sabor: adocicado, com compota de frutas, pera, abacaxi, baunilha, coco. Final longo e apimentado.

Onde comprar: Le Cercle , se não tiver cadastro, clique aqui.

The Macallan Time:Space Mastery

Ao chegar ao centro histórico de Edimburgo, é impossível não ficar mesmerizado. Com um panorama de palácios, torres históricas com relógios e pináculos de pedra, o lugar parece ter ficado inerte, cristalizado, no tempo. Quer dizer, exceto por um – nem tão pequeno – detalhe. Um reluzente edifício, erigido na antiga St. James Quarter, com formato de uma espiral enrolada. Uma arquitetura que, inevitavelmente, remete a um enorme “número dois”. Se é que me entendem.

Com seu impositivo pico fecal atravessando o horizonte de Edimburgo, o prédio é parte de uma revitalização do St. James Quarter de mais de 900 milhões de libras – que conta com lojas, cinemas e um luxuoso hotel. O projeto todo foi concluído apenas ano passado. Os arquitetos por trás da belíssima façanha justificam o design excrementício. “É um prédio feliz. Parte de Edimburgo é sério e introvertido. Mas este é o oposto. É comunicativo (…) e foi feito para deixar as pessoas felizes“.

Eu ri.

Bem, se este foi o objetivo, missão cumprida. A internet se regojizou com a semelhança escatológica, originando os mais hilários memes. O hotel motivou até um abaixo assinado, com mais de mil participantes, pedindo que concluíssem a “obra”, colocando olhinhos arregalados e uma boquinha, para referenciar o popular emoji do cocô. Talvez não fosse o objetivo inicial. Mas o design certamente trouxe burburinho.

Este é, na verdade, o problema de tentar algo muito inusitado. A recepção pode não ser muito boa. Foi o que pensei, da primeira vez que vi a nova garrafa da edição limitada da The Macallan – O Time: Space Mastery, que tem um curioso formato de rosquinha. Algo incomum para qualquer whisky, mas, ainda mais, para a The Macallan. Afortunadamente, porém – e especialmente por causa da caixa – o design é bonito, e não evoca qualquer referência fecal.

O The Macallan Time:Space Mastery faz parte de uma série de edições comemorativas dos 200 anos da The Macallan. Em sua série, está também o caríssimo Time:Space 1940 84 Year Old, que contém o mais antigo e raro whisky da destilaria até hoje, com 84 anos de maturação. Internacionalmente, com preço de cento e noventa mil dólares.

Parece um artefato dos Avengers, mas é um Macallan de 84 anos

Já o The Macallan Time:Space Mastery é relativamente – mas não muito – mais humilde. Seu preço é de aproximadamente 3 mil dólares lá fora. No interior do donut avermelhado, há um single malt que preza pelo equilíbrio sensorial. São 14 diferentes tipos de barris. “Nós meticulosamente adquirimos e enchemos os barris de carvalho mais excepcionais ao longo de nossa história. Nosso estilo distinto de uísque é imbuído pelo artesanato de nossos barris de carvalho europeu temperados com xerez sob medida.” declara a The Macallan, em seu website. Não há, porém, muita informação sobre a composição do líquido, tampouco a idade dos whiskies que o compõe.

A composição, porém, é facilmente eclipsada pela embalagem. Ele é apresentado em um decanter circular – já extensamente mencionado aqui. De acordo com a marca, o design representa o círculo da vida, e a jornada constante do passado para o futuro. A garrafa fica abrigada dentro de uma caixa que, quando aberta, revela duzentos espinhos feitos de origami. Caixa essa, que, na sincera opinião deste cão, é bem bonita, e valoriza infinitamente o decanter.

Sensorialmente, o The Macallan Time:Space Mastery é incrivelmente delicado para um The Macallan, com notas de jerez e frutas vermelhas, mas também de mel, baunilha e caramelo. O final remete a um whisky bem maturado, com aquela nota resinosa particular. A graduação é de 43,6%. É um single malt claramente mirado no mercado de luxo, tanto visualmente quanto sensorialmente. O importante aqui é equilíbrio e drinkability. O que é irônico, porque ficaria muito surpreso se metade dos compradores desta edição efetivamente abrissem seus frascos.

Com equilíbrio sensorial e um visual que inspira conversas, o The Macallan Time:Space Mastery é uma experiência de luxo completa. É um whisky que remete à herança da marca e, ao mesmo tempo, aponta para o futuro. No fim, tanto o edifício quanto a garrafa cumprem o mesmo propósito: virar assunto. Afinal, em tempos de inovação, o maior pecado é passar despercebido – e isso, a The Macallan nunca faz. Nem o horizonte de Edimburgo.

THE MACALLAN TIME:SPACE MASTERY

Tipo: Single Malt

Destilaria: The Macallan

Região: Speyside

ABV: 43,6 %

Notas de prova:

Aroma: caramelo, baunilha, gengibre, frutas cristalizadas, açúcar mascavo.

Sabor: Frutas secas, mel, gengibre, laranja. Final longo e delicado, puxado para o cítrico, com uma nota resinosa, que lembra o Yamazaki 18 anos. O álcool é extremamente bem integrado, e quase não há apimentado.

The Macallan Harmony Vibrant Oak

Quando abalado, inevitavelmente, pelas circunstâncias, volte imediatamente para si mesmo e não perca o ritmo. Você terá uma melhor compreensão da harmonia se continuar voltando a ela.” postulou o imperador filósofo. O conselho busca atingir a ataraxia – o estado de compostura frente a situações perturbadoras. Em outras palavras quiçá não muito mais simples, à equanimidade. Ou, aproveitando um substantivo da moda, uma resiliência pacífica. Sendo um pouco mais direto: sustentar aquele semblante de capivara quando tudo está desmoronando a sua volta.

Mas, afinal, o que é a harmonia? Na filosofia estoica, é mais do que um mero estado de equilíbrio; é a aceitação serena da ordem natural do mundo. É a coesão entre a razão e a emoção, entre o controle e à entrega. As vezes você segura, nas outras, se joga – mas, sem YOLO, claro. O conceito, porém, não é monopólio do estoicismo. E, arrisco dizer, guinando o texto para a filosofia de balcão, que cada ser humano tem sua própria harmonia existencial.

Na paz

Para mim, é trabalhar com whisky. Para outros, é fazer piruetas subrehumanas em alturas arriscadas. Como – e desculpem-me pela digressão um tanto fora de contexto – certo acrobata do Cirque du Soleil. É lá, num não-voo controlado, que ele encontra sua harmonia. E talvez para um criador de whiskies, como Diane Stuart, da The Macallan, seja no blending room, misturando diversos barris para atingir harmonia. Dentro e fora do copo.

É neste contexto que surge o novo The Macallan Harmony Vibrant Oak. O whisky foi criado em parceria com o Cirque du Soleil, que, inclusive, realizou um espetáculo na destilaria, chamado Spirit. Assim como os demais whiskies da coleção, ele foca na sustentabilidade. Todos os materiais são recicláveis – ou reciclados. A caixa, por exemplo, é feita de lascas de carvalho recicladas, um subproduto da produção dos barris da destilaria.

A maturação do The Macallan Harmony Vibrant Oak acontece em barris de carvalho americano de primeiro uso de jerez, e refil de ex-jerez. Lembra um pouco o The Macallan Amber, mas um pouco mais apimentado. A The Macallan não diz claramente se carvalho europeu é utilizado no whisky. Porém, pelo perfil de cor – que é natural – e sensorial, a predominância é da madeira americana.

Sensorialmente, o The Macallan Harmony Vibrant Oak traz notas de baunilha, caramelo e frutas secas, com apimentado e gengibre. É mais adocicado e mais intenso do que um Sherry Oak, por exemplo. O final é médio e apimentado, com especiarias e mel. Não é um perfil sensorial muito frequente nos The Macallan, especialmente, não nos últimos anos.

O The Macallan Harmony Vibrant Oak é a quarta edição da Harmony Collection, uma série de whiskies que foca na harmonia entre o homem e a natureza. As primeiras duas edições também tinham uma relação de harmonização com elementos. Era o caso do Harmony Collection Intense Arabica, criado para se consumir com café, e do maravilhoso Rich Cacao – que como você já deve ter deduzido, combinava com chocolates.

Cacao

E, enfim, talvez seja essa a grande ironia da harmonia: não se trata de imobilidade ou perfeição, mas de encontrar sentido no fluxo, seja ele o da vida, do espetáculo ou do líquido no copo. No Cirque du Soleil, a harmonia está na precisão do movimento, no controle absoluto que permite a ilusão do impossível. No The Macallan Harmony Vibrant Oak, ela se revela na interação entre madeira e destilado, no balanço sutil entre dulçor e especiarias.

E assim, entre filosofias antigas e acrobacias contemporâneas, voltamos ao copo – que, no fundo, é sempre um bom ponto de chegada. O The Macallan Harmony Vibrant Oak pode não prometer ataraxia, mas entrega uma experiência sensorial bem resolvida, que respeita a tradição sem se prender a ela. Afinal, harmonia não é sobre imutabilidade, mas sobre saber quando segurar firme e quando simplesmente deixar-se levar.

THE MACALLAN HARMONY COLLECTION VIBRANT OAK

Tipo: Single Malt sem idade definida

Destilaria: The Macallan

Região: Speyside

ABV: 44,2%

Notas de prova:

Aroma: Baunilha, mel, frutas cristalizadas

Sabor: Mel, baunilha, frutas cristalizadas. Final medio, apimentado, frutado e com especiarias.

Prophet in Plain Clothes

Dizem que, na Austrália, tudo quer matar você. Há exemplos bem conhecidos, como a cobra taipan-do-interior e a aranha-teia-de-funil. Animais sorrateiros, mas de aspecto claramente pernicioso. O que é ótimo. Afinal, ninguém vai sentir uma vontade irresistível de fazer carinho na cobra (segura a quinta série) e levar um bote, ou colocar o dedo na aranha (hoje eu estou incontrolável) para morrer de paralisia e falência cardiorrespiratória em poucos minutos.

O mesmo, porém, não pode ser dito de um bicho que, recentemente, viralizou no Instagram: o polvo-de-anéis-azuis. Um molusquinho simpático, com apenas vinte centímetros, cujo corpo é coberto por — adivinhem só — pequenos círculos azul-elétrico. É tipo um mini-polvo que decidiu usar um vestido de bolinhas meio steampunk.

Apesar do carisma involuntário, o tal polvo é extremamente venenoso. Sua toxina, semelhante à do baiacu, pode, hipoteticamente, matar até vinte homens. O veneno é inoculado por uma mordida praticamente indolor, e não há antídoto conhecido. Por sorte, esses bichinhos não são agressivos — ainda que (como todo mundo) não gostem de ser pentelhados.

Que bonitinho, ai, morri

Se tivesse que comparar o polvo-de-anéis-azuis com um ingrediente da coquetelaria, escolheria, sem dúvida, a Fernet-Branca. Ao contrário de um mezcal, um rum overproof ou um whisky mais turfado do que a Cidade de Dis, a Fernet parece inofensiva. Mas, se não for usada com cautela e respeito, é capaz de obliterar suas papilas gustativas em poucos minutos.

Diferente do veneno do polvo, porém, a Fernet-Branca tem antídoto: algum ingrediente igualmente potente, capaz de equilibrá-la e ressaltar seu frescor e amargor. Como, por exemplo, um whisky defumado. É exatamente isso que faz o Prophet in Plain Clothes, coquetel criado por Kraig Rovensky, do bar Life on Mars, em Seattle.

De acordo com Kraig, o nome — que pode ser traduzido como “profeta em roupas simples” — faz alusão direta à Fernet, que “guarda intimamente sua mensagem gloriosa”. “Você precisa harmonizá-la com outro destilado ou sabor intenso, algo que a amacie”. Por isso, ele recomenda o uso de Laphroaig 10 anos no coquetel. O que, claro, não é uma regra — apenas uma sugestão.

Durante a pesquisa para esta matéria, encontrei pelo menos seis versões diferentes da receita, e nenhuma delas repetia o scotch recomendado. Thorabhaig, Lagavulin 8, Laphroaig 10 e Islay Mist foram algumas das escolhas, o que deixa claro que não há consenso sobre o whisky ideal. Tampouco sobre o amaro: a maioria sugere Amaro Montenegro, embora a receita original de Rovensky peça Amaro Cinpatrazzo.

Cinpatrazzo

Na verdade, o Prophet in Plain Clothes é um daqueles drinks que permitem infinitas variações, trocando o scotch, o vermute ou o amaro. O charme está justamente no mix and match. O único pilar inegociável é a Fernet-Branca. O coquetel é construído ao redor dela. Então, usem seus tentáculos para tomar nota deste, que é um dos mais coquetéis mais deliciosamente traiçoeiros a figurar nestas páginas caninas.

PROPHET IN PLAIN CLOTHES

INGREDIENTES

  • 30ml whisky turfado (este Cão fez com Laphroaig 10. Sério, façam com o que tiverem à mão)
  • 30ml Fernet Branca
  • 30ml vermute tinto
  • 15ml Amaro (a maioria das receitas pede Lucano)
  • parafernália para misturar
  • taça coupe

PREPARO

  1. Adicione todos os ingredientes em um mixing glass com bastante gelo
  2. mexa até ficar gelado (tem sido difícil, ultimamente…) e verta em uma taça coupe
  3. decore com uma maraschino, se estiver se sentindo sofisticado.

Três whiskies para beber no Carnaval

Observo, com um desânimo letárgico, o aplicativo de temperatura em meu celular. Trinta e seis graus celsius, às quatro da tarde. Mas, pela escuridão lá fora, bem que poderia ser oito da noite. Um raio corta o céu, sucedido por uma tremenda trovoada que chega a tremer a mesa. Tenho mais meia hora antes de sair de casa, para uma reunião presencial. Dessas, que poderiam ser um e-mail.

Dou uma risadinha irônica. O legal dessa época do ano em São Paulo é que a oferta de formas de morrer tragicamente aumenta vertiginosamente. Dá pra morrer afogado no dilúvio, assado no calor, eletrocutado por algum fio elétrico que se partiu durante o vendaval – que precede a inundação – ou empalado por um galho gigante de alguma árvore que foi displicentemente conservada. Ainda bem que minha paranóia não é criativa.

E depois de tudo isso, ainda tem o Carnaval. Admiro a disposição de quem encara a folia mesmo debaixo de chuva e num calor comparável ao do deserto de Lut. Ano passado me chamaram para um bloquinho. Até acho legal. Nunca fui, porque precisa estar muito animado, e, na última hora, sempre venço minha força de vontade e fico em casa, no ar-condicionado, bebendo whisky.

Me arrependo, bem de leve, mas, por outro lado, fico feliz. Afinal, anos de ausência me renderam uma certa experiência em recomendar os melhores whiskies para temperaturas abrasadoras. Escolhi três deles para compor uma lista que agora compartilho com vocês, queridos leitores: os whiskies do bloquinho dos ausentes.

Jack Daniel’s Gentleman Jack

É, eu sei, parece uma dica óbvia. Mas O Gentleman Jack é o tennessee whiskey perfeito para o calor. Ele tem corpo baixo, graças à dupla filtragem em carvão de bordo – o conhecido Lincoln County Process. A receita do mosto é igual à do Jack Daniel’s Tradicional, mas o duplo charcoal mellowing o torna ainda mais leve, com álcool menos aparente.

Para beber bastante, mas com responsabilidade, e fazer aquele whiskey sour para aliviar o calor, ele é perfeito. No Caledonia, inclusive, fazíamos um Gentleman’s Coke. Um drink que prescinde explicações, mas com dois aditivos: uma rodelinha de limão desidratada e alguns dashes de Peychaud’s.

Suntory The Chita

O japonês The Chita é um single grain – o único do tipo no Brasil. Seu cereal base é o milho. A destilação acontece em destiladores contínuos, que podem ser combinados de diferentes formas para atingir oleosidades diferentes de seu new-make. Para aumentar a complexidade, uma combinação de barricas – dentre elas, jerez, vinho tinto e bourbon – é empregada.

O The Chita é um whisky leve, delicado, com notas de coco, baunilha, caramelo e mel. Perfeito para se tomar despreocupadamente num calor infernal, esperando para ser arrebatado pela eletricidade ou pelo dilúvio iminente.

Royal Salute 21 The Blended Grain

O Royal Salute 21 The Blended Grain é o perfeito exemplar da categoria. Sua maturação ocorre exclusivamente em barricas de carvalho americano que antes contiveram bourbon whiskey – a maioria delas, de segundo ou terceiro uso. A ideia é trazer delicadeza, sem que a influência da madeira eclipse o sabor delicado do destilado. O whisky mais jovem da mistura possui 21 anos, sem prejuízo de alguns whiskies de grão mais envelhecidos na composição – que é feita exclusivamente de Strathclyde, e da “lost distillery” Dumbarton.

A palavra de ordem é leveza. O whisky tem corpo baixo, e uma nota floral que o torna extremamente bebível, mesmo quando está bem calor. A marca, inclusive, recomenda misturá-lo em coquetéis refrescantes, como Highballs. Seja como for o consumo, é a tempestade (ops) perfeita para a ocasião.

The Modern Cocktail – Anacronismo

O crítico de cinema Richard Nelson Corliss tem uma frase que gosto muito. “Nada envelhece tanto quanto a visão de ontem do futuro“. Originalmente, a quase máxima foi escrita para justificar a obsolência de algum filme. Provavelmente Octopussy – ainda que, em minhas pesquisas, não tenha chegado a qualquer resultado conclusivo.

Mas gosto da frase porque ela funciona em diferentes contextos. Em um sentido mais lato, se aplica a expectativas e anseios. Vivemos por antecipação, seja ela boa ou ruim. E muitas vezes – aliás, na maioria delas – nenhuma de nossas previsões se realiza plenamente. A gente acaba experimentando uma variação do que imaginava. Ou nada. Mas nunca, tudo. É um pequeno aforismo para vivermos mais no presente, sem muita expectativa. Algo bem estoico de se fazer, ainda mais para um crítico de cinema.

E em um sentido mais estrito, ela evidencia como não temos a menor ideia de como será o futuro do mundo. Nada é mais anacrônico do que os hoverboards e carros voadores de “De Volta para o Futuro” ou a paz, segurança e limpeza em 2032 de “O Demolidor”. Posso estar errado, mas do jeito que as coisas estão em 2025, o mundo caminha para a entropia, e não para uma ordem supercontrolada.

Mas tem muita coisa que acertaram!

Assim, me pareceu um risco, quando o bartender Charlie Mahoney, do Hoffman House hotel, na primeira década do século XX, chamou seu coquetel de scotch e sloe gin de “”The Modern“. Tudo bem que, na época, aqueles destilados estavam na vanguarda da manguaça. Mas batizar algo assim é avalizar mais do que a imortalidade da bebida: é garantir que ele será eternamente inovador.

Quase um século depois, o The Modern parece menos moderno do que um Escort XR3, o Abaporu ou um prédio qualquer de Brasília. Mas ainda que não tenha nada de avant-garde, sobreviveu ao tempo e se tornou um pequeno clássico. Arrisco dizer, até mesmo contraintuitivo. A mistura de scotch e sloe gin parece não funcionar, e, combinado com outros ingredientes, provavelmente não funcionaria mesmo. Mas, aqui, traz uma complexidade bem agradável.

A receita original do The Modern leva Scotch, sloe gin, absinto e orange bitters, além de açúcar cristal. O preparo exige que se bata o limão com o açúcar, num dry shake, para dissolvê-lo; Depois, os demais ingredientes são adicionados. Este Cão não consegue pensar em nada menos moderno do que usar açúcar cristalizado. Seria o equivalente a amputar uma perna ao invés de usar um antibiótico, só porque em mil novecentos e nada, era assim que se fazia. Seja moderno e use xarope de açúcar. Aproveite e faça isso no seu Old Fashioned também.

Afinal, você não se veste assim…

Sem mais, vamos ao The Modern. Mas, ao provar, lembrem-se. Sem expectativas. Vivam no presente.

THE MODERN

INGREDIENTES

  • 45ml Sloe Gin (Monkey 47 tem um delicioso e caro)
  • 45ml Scotch Whisky (arrisque, mas procure algo mais estruturado. Um Tamnavulin, ou mesmo Chivas Extra)
  • 15ml suco de limão siciliano
  • 5ml xarope de açúcar (1:1)
  • 1 dash absinto ou pastis
  • 1 dash Angostura Orange Bitters

PREPARO

  1. Adicione o xarope de açúcar e o limão e bata vigorosamente, num dry shake. Isso vai melhorar a textura do drink – e talvez seja por isso que o uso do açúcar cristal fosse recomendado (ah, a contradição!). Mas, se você não liga pra isso, pode fazer o item 2 abaixo junto. Eu, com sede, faria.
  2. Adicione os demais ingredientes na coqueteleira com bastante gelo e bata.
  3. desça, com ajuda de um strainer (ou peneira) a mistura em uma taça coupe
  4. Está se sentindo moderno? Adicione uma cereja maraschino de verdade, e nao de chuchu

Por QUEM você bebe whisky?

A beleza do mundo é a diversidade. E a quantidade. Porque não importa o quão específico for seu interesse, você sempre encontrará alguém para compartilhá-lo. É o caso, por exemplo, do British Lawn Mower Racing Association – traduzido como Associação Britânica de Corridas de Cortadores de Grama, que promove competições automobilísticas utilizando cortadores de grama motorizados. O clube se espalhou como uma erva daninha ao redor do mundo, e hoje, conta com mais de mil membros.

Tem também o Extreme Ironing Bureau – Grupo dos Engomadores Extremos. Que incentiva a atividade de passar roupa em locais insólitos, como o monte Everest ou uma lancha em movimento. De acordo com seu fundador, Phil Shaw, o esporte “combina as emoções de uma atividade extrema ao ar livre com a satisfação de uma camisa bem passada“. Imagine, então, se os dois grupos se encontram.

Até embaixo d’agua

Um que eu adoraria fazer parte, por exemplo, é a Ordem da Mão Oculta (The Order of the Occult Hand). Era um clube aberto a qualquer jornalista ou escritor que conseguisse inserir a frase “Foi como se uma mão oculta tivesse…” em seus escritos e publicá-los. A frase apareceu em jornais como The New York Times, The Chicago Tribune, the Los Angeles Times. Mas em 2004 a ordem foi descoberta e exposta, e uma nova frase secreta teve que ser criada. Talvez seja “a Florida man

E há clubes talvez tão específicos quanto estes, mas de certa forma, menos excêntricos. Ou não. É o caso, por exemplo, dos grupos e confrarias de degustação de whisky. Eles estão por aí faz tempo. Mas, nos últimos anos, seus números explodiram – reflexo do crescente interesse do público pela melhor bebida alcoólica do mundo. Mas, por aqui, no Brasil, ainda são bem tímidos.

ENTÃO ABRE AÍ SEU BRORA E BRORA BEBER

Antes de qualquer coisa, devo fazer uma ressalva. Eu não sou do tipo que concorda com o aforismo de Alexander Supertramp, em que a felicidade somente é real quando compartilhada. Eu fui muito feliz bebendo sozinho. Assumo que, ainda hoje, alguns de meus maiores momentos de plenitude são em casa, quase no escuro, bebendo algum whisky especial. Nada de errado nisso. Contemplação é felicidade, e não precisa ser dividida.

Mas existe uma mecânica complicada, que envolve felicidade e descoberta. Esta sim, é muito mais real quando compartilhada. Descobrir um whisky extraordinário, sozinho no sofá, é mais ou menos como a proverbial árvore, que cai no meio da floresta sem ninguém ver. Uma opinião – ou uma descoberta – não compartilhada é tão ineficaz quanto uma não feita. Você já deve imaginar onde quero chegar.

Mas seria hipocrisia demais, vindo de um colecionador de whiskies, sugerir que alguém imediatamente abrisse todas suas garrafas e compartilhasse com geral. Não é isso. É dar uma chance de descobrir em conjunto. E é aí que confrarias e degustações desempenham seu papel chave. Elas são o caminho mais fácil em direção à descoberta. O risco é comparilhado e benefício, multiplicado. É aquela linda discussão que todo mundo adora ter hoje em dia, da diferença entre preço e valor – em que, caso você não se lembre, preço é um número, enquanto valor é um conceito relativo.

Compare

E você, querido leitor, deve estar aí, acenando afirmativamente com a cabeça ao ler esta matéria, porque, em boa parte, a forma tortuosa pela qual te conduzo em meio às palavras faz sentido. Mas, a prática, é bem mais complicada. Certo amigo, uma vez, fez um experimento: convidou diferentes pessoas para diversos eventos de degustação. Se a pessoa aceitasse, ele pagava, de surpresa, no dia, pra pessoa. Muitos a princípio toparam. Mas, no dia, deram diferentes desculpas, muitas delas envolvendo o custo elevado do evento.

Degustações cujo preço – mas não o valor – se assemelhavam àquele de um single malt médio, ou um blend de luxo, como um Chivas 18. Curiosamente, aquelas mesmas pessoas compraram, pouco tempo depois, garrafas em promoção de whiskies pelo mesmo preço. O que demonstra talvez, numa ótica otimista, que todo mundo sabe a diferença entre preço e valor, mas só precisam de um pouco de calibração.

VAMOS CALIBRAR O GPS DO WHISKY

Existem diversos estudos na indústria sobre a razão pela qual pessoas bebem whisky. Ou, na verdade, consomem qualquer coisa. Dentre as razões, estão se divertir, pertencer a um grupo, impressionar, se destacar, ou só ficar bêbado no escuro, mesmo. Marcas usam essas razões para posicionar suas marcas.

Mas seja qual for a razão, me parece um contrassenso que, ao realizar o tortuoso caminho da apreciação da melhor bebida do mundo, alguém se abstenha a explorá-lo em prol de permanecer na zona de conforto.

Imagino que você, tendo chegado até este ponto do texto, em um blog de whisky, seja um entusiasta – ou faça parte da indústria. Indague sua razão de beber essa maravilhosa bebida dourada. Se é para pertencer a um grupo, este provavelmente é também de entusiastas. E, nada melhor do que vários entusiastas juntos, compartilhando suas descobertas, para elevar o entusiasmo geral. Se é para impressionar ou se destacar, o caminho é o mesmo. Ninguém fica famoso por comprar a vigésima garrafa de Black Label – ou Glenfiddich – em promoção.

Seja rebelde, busque a insegurança. Ninguém faz parte de uma comunidade engomando camisa na área de serviço do apartamento.

Blue Label Ice Chalet – Ambivalência

Não sou desses de fazer foto na academia, então, talvez vocês não saibam. Mas pratico corrida ao menos cinco vezes por semana. No entanto, tenho sentimentos ambivalentes sobre a atividade. Sou da opinião que todo bicho minimamente inteligente prefere economizar sua energia, a percorrer quilômetros parado, com a treimosia de um hamster numa rodinha. Porém, entendo que é necessário.

De todo modo, para tornar o exercício um pouco menos sacrificado, assisto filmes num tablet. Nunca filmes bons, mas sempre, eficientes – com explosões, destruição e diálogos terríveis. Isso, ao menos, é coerentemente cínico: se meu corpo vai se esforçar, que a mente faça o menor esforço possível. Neste contexto que assisti Baywatch – o filme, não a série.

Faz um tempo, então, não me recordo muito do roteiro. Lembro que o Zac Efron tenta agradar o Dwayne Johnson, e que a Alexandra Daddario é incrível. E só. Mas, mesmo assim, fiquei surpreso com a ineficácia de minha memória ao me ver obrigado a googlar “Priyanka Chopra Jonas“, para a presente matéria. Acontece que ela – que, caso você não saiba também, é uma atriz que participou de Baywatch – é a embaixadora do Blue Label Ice Chalet. O whisky é uma colaboração da Johnnie Walker com a marca de moda para esqui “Perfect Moment” – da qual Jonas é acionista.

O problema sou eu, demorei também pra reconhecer o cara do Jonas Brothers.

O curioso – ou não – é que, para mim, o marketing não poderia ser mais alheio. Não conhecia Chopra Jonas, e não esquio. Como disse, meu único esforço físico voluntário é correr na esteira. Mas comer e beber é comigo. Então, somente tomei conhecimento do Johnnie Walker Blue Label Ice Chalet quando vi a garrafa em um empório de luxo aqui em São Paulo, com sua roupinha de neve.

Antes de prosseguir, voltemo-nos para o bode – ou elefante, em inglês – na sala. O tradicional Johnnie Walker Blue label é um whisky famigerado entre os entusiastas. É inegável, e não me atreverei a avaliar o mérito disso. Ele serve de sarrafo, normalmente em um contexto depreciativo, quando alguém quer dizer que determinada garrafa tem preço e qualidade boas. Daria para comprar uns dez Blue Label, se eu recebesse um real para todo “esse dá uma surra no Blue” que eu já ouvi. E muitas vezes, nem dá.

Mas não vou entrar neste mérito aqui. Para isso, você pode ler minha matéria específica sobre o tal blend de luxo. O importante é ressaltar que o Johnnie Walker Blue Label Ice Chalet não é o mesmo whisky do tradicional. É um blend completamente diferente, com um perfil sensorial também distinto. A alcunha “Blue Label” é usada apenas para indicar que este é um whisky que faz parte da linha de luxo da poderosa Johnnie Walker. Como é o caso do Elusive Umami, Ghost and Rare, etc.

O Johnnie Walker Blue Label Ice Chalet foi criado pela master blender da Johnnie, Emma Walker – que, curiosamente, e se me permitem uma digressão, não tem qualquer laço consanguíneo com o fundador da marca. Walker usou maltes “da região mais ao norte da Escócia” como Brora, Clynelish e Dalwhinnie. “Temos sorte de poder selecionar entre mais de 29 destilarias para criar este uísque escocês, incluindo single malts de Speyside, como Cardhu e Benrinnes, maltes de Highland, como Clynelish, uísques de grãos de planície, incluindo aqueles de Port Dundas, e também trazemos notas defumadas de Caol Ila e Port Ellen de Islay.”, declarou Emma, em um release.

Emma: essa eu reconheceria!

De acordo com a marca, a variedade de barris utilizados para aumentar a complexidade sensorial é alta. Dentre eles, estão carvalho americano de reuso (refill american oak), barris first-fill de bourbon, barris que antes contiveram vinho tinto e jerez, e por último “barris altamente torrados e rejuvenescidos”, que é um nome bonito para STR – scraped (ou shaved), toasted and re-charred.

O marketing ao redor do Johnnie Walker Blue Label Ice Chalet é interessante – para não dizer, exasperador. E nem é pelos motivos acima elencados. É que recomendam que se consuma o blend direto do freezer. Ou congelado, dentro de um paralelepípedo de gelo “para que ele ganhe corpo e riqueza”. Deve ser sugestão da tal Priyanka. Para este Cão, não tem o menor cabimento congelar um whisky de mais de dois mil e quinhentos reais. Quando se paga este prêmio por uma garrafa, gosto de imaginar que o proprietário tenha, ao menos, a intenção de prová-lo, nem que seja uma singela vez, puro. E a temperatura baixa tornará a percepção dos aromas muito mais difícil, e alterará seu equilíbrio de dulçor.

Assim – e sem muitos julgamentos aqui – caso você compre uma garrafa, permita-se prová-lo a temperatura ambiente civilizada, sem adição de nada. Pelo menos numa oportunidade. Em primeiro, pelos motivos supra elencados, mas, também, porque nessas condições – puro e sem gelo – o Johnnie Walker Blue Label Ice Chalet é bem bom. Se comparado ao Blue Label tradicional, ele tem mais corpo, mais dulçor e um aroma mineral muito interessante. A fumaça está lá, mas um pouco mais discreta – muito provavelmente, porque os demais elementos ficam em evidencia.

Apesar do storytelling e sugestão de consumo curiosos, é inegável que a embalagem é belíssima. A garrafa tem um alto relevo em algumas de suas faces, e o rótulo é uma espécie de placa, colada na frente. Além disso, ele não tem estojo, mas vem em uma bolsa toda acolchoada, que remonta aos casacos usados nas estações de esqui. Reconheço que muita gente comprará a garrafa por esse motivo.

Sold

Mas, no final das contas, a contação de história é bem menos importante do que o líquido dentro da garrafa. E nisso, o Johnnie Walker Blue Label Ice Chalet se garante. É um blend luxuoso e equilibrado, mas com personalidade. Lembra bastante o Ghost & Rare: Brora, que, na opinião deste Cão, é um dos melhores da finada série com destilarias silenciosas. Você não precisa gostar de esqui, saber o que é a Perfect Moment ou a antagonista de Baywatch para reconhecer um bom whisky.

JOHNNIE WALKER BLUE LABEL ICE CHALET

Tipo: Blended Whisky

Marca: Johnnie Walker

Região: N/A

ABV: 43%

Notas de prova:

Aroma: Adocicado, mel, mineral.

Sabor: frutado caramelo, castanhas. Final floral, sulfúrico e mineral. Mais doce que o Blue tradicional.

*a degustação do whisky tema desta prova foi fornecida por terceiros envolvidos em sua produção. Este Cão, porém, manteve total liberdade editorial sobre o conteúdo do post.

Pantheon – Template

Eu vou fazer uma oferta que ele não poderá recusar” diz, Vito Corleone, fechado em seu escritório a Johnny Fontane. No jardim da mansão, um idílio italiano: música, uma noiva sorridente e fartura à mesa. Don Vito é duro e determinado. Johnny tenta parecer forte, mas é inseguro. Hagan é calmo e calculista. O jovem Michael, por outro lado, parece alheio às dinâmicas familiares, e mantém certa distância. Essa sequência – que leva seus vinte minutos – é uma aula de roteiro.

É que Coppola poderia simplesmente contar, com um voiceover, sobre cada um dos personagens. Caberia, e nem ficaria esquisito. Mas ele prefere, ao invés de contar, mostrar. A festa de casamento entre Connie e Carlo é uma espécie de template, criado para revelar, com atenção aos detalhes, os desejos, inseguranças e forças da família Corleone.

A fórmula, na verdade, é bem conhecida, e já foi reproduzida uma centena de vezes. Como, por exemplo, na enorme festa de O Grande Gastby, no baile de máscaras de Romeu e Julieta e – para meu desgosto – no jantar daquela tortura melosa de três horas que é Titanic. Estas festas ficcionais são fascinantes porque condensam a essência de seus personagens. Suas interações revelam suas personalidades, medos, desejos, anseios.

Um brinde a isso

Muitos coquetéis são assim, também. O Manhattan, por exemplo, que virou, meio que sem querer, uma fórmula para que bartenders pudessem exercer sua criatividade. Ou – e dessa vez, voluntariamente – o mais recente Pantheon. Que é uma mistura simples de Scotch Whisky, Benedictine e limão. O coquetel foi criado por Daisuke Ito, do Land Bar Artisan em Tóquio, justamente para que fosse um modelo em que outros bartenders pudessem se basear.

O objetivo de criar uma receita de coquetel, para mim, é tê-la servida daqui a 50 anos em outra parte do mundo. Mas isso não vai acontecer se eu fizer uma receita com um licor obscuro e coisas que você precisaria comprar”, ele disse. “Todo barman tem uma garrafa de Bénédictine, mas a menos que alguém peça um B&B, eles provavelmente nunca tocarão nele” – disse Ito, em uma entrevista para a Punch Drink.

É, Ito, no Brasil não está fácil, porque nem Benedictine tem. Mas o drink, ainda assim, é um maravilhoso ponto de partida para qualquer um que quiser criar algo, mesmo que altere o licor. E quanto ao whisky, a regra é a mesma. “Eu faço com Dewar’s, ou com Talisker. É um absurdo dizer que uma receita só pode ser feita com uma expressão específica de um destilado” completa Ito. O brasileiro Rogerio Igarashi Vaz, do Bar Trench de Tóquio, sugere Cragganmore, por seu perfil herbal.

Meu sonho é que daqui a três ou quatro anos alguém venha me perguntar se eu sei fazer um Pantheon” Se dependesse deste Cão, o sonho já estaria realizado há muito. E nem precisaria pedir para Don Vito Corleone qualquer favor.

PANTHEON

INGREDIENTES

  • 60ml de scotch whisky
  • 30ml Benedictine
  • 30ml suco de limão siciliano
  • parafernália para bater
  • copo ou taça de sua preferência

PREPARO

  1. adicione todos os ingredientes líquidos na coqueteleira e bata com bastante gelo
  2. desça, coando o gelo, para seu copo de preferência
  3. Beba e faça novamente, com alguma modificação. Que tal trocar o Benedictine por Disaronno? Don Vito Corleone aprovaria.