Ward Eight – Sufragistas

A variedade é o que dá tempero a vida. Pense, por exemplo, no brigadeiro. O docinho, aquele, com leite condensado, chocolate e manteiga. Hoje tem brigadeiro de tudo. Laranja, doce de leite, macadamia, nozes, nutella, pistache. Tem até brigadeiro de outros doces, tipo brigadeiro de pé de moleque e brigadeiro de beijinho, que é um negócio que eu nunca vou entender. E brigadeiro de brigadeiro mesmo, só que com uma miríade de chocolates. A quantidade de variações é tão grande que justifica – mais ou menos – a existência de um dispensário exclusivo da guloseima. As brigaderias. Mas antes de se tornar uma classe inteira, o brigadeiro era apenas um doce. Um doce com viés político. Ele fora criado por […]

May Vesper – James Bond em Islay

“Um Dry Martini. Num cálice de champanhe. Tres partes de Gordon’s, uma parte de vodka, meia parte de Kina Lillet. Bata tudo até que esteja bem gelado, e depois finalize com uma fatia grande e fina de casca de limão. “. Eu nem preciso dizer que coquetel é esse. Porque você, caro leitor e entusiasta dos copos, já sabe. “Este drink é minha invenção. Eu vou patenteá-lo quando pensar em um bom nome“. E, mais para o final do livro – ou do filme, caso seja de sua preferência, ele finalmente bate o martelo “Acho que vou chamá-lo de Vesper“. Note que, no parágrafo acima, eu nem mencionei James Bond. E nem precisei. Você já sabia que era ele a […]

Whiskey Smash – Derivação

Quando em 1799, o biólogo britânico George Shaw recebeu um ornitorrinco para estudo, pensou que estivessem lhe pregando uma peça. “Acho que é uma preparação enganosa, por meios artificiais” descreveu. Shaw imaginou que algum maluco tivesse grudado o bico de um pato no corpo de um castor, e enviado de frete naval internacional da Austrália para a Grã-bretanha, numa estranha espécie de pegadinha interoceânica. A veracidade da espécime só realmente se revelou por meio de um exame bem mais detalhado. Para nós, hoje em dia, pode parecer ingenuidade de Shaw. Mas, temos que concordar em uma coisa. O Ornitorrinco é um bicho bem esquisito. Ele tem nadadeiras, pelos, bico e não tem estômago. Os filhotes bebem leite direto do pelo […]

Drinks Drops – Espresso Martini

Todos temos rotina. A minha é, na verdade, bem simples. Na maioria dos dias, ela se resume a tomar café até ficar tremendo, e depois aparar as arestas pontudas com algum whisky, cerveja ou coquetel. Não tem muito segredo – é uma espécie de sistema de freios e contrapesos. Às vezes decido que não vou beber, e aí, tomo menos café também. Não. Mentira – tomo café igual e fico com insônia mesmo. Vocês já me conhecem bem demais para tentar enganá-los. E ainda que este blog explore muito bem a segunda etapa de minha rotina – a do whisky, cerveja e coquetel – ele se furta a falar da primeira. A do café. Que é super importante. Aliás, café […]

Final Ward – Aleatoriedade e Combinação

Como já contei aqui em certa ocasião, adoro comida mediterrânea. Especialmente tudo aquilo que vem do mar. E, dentro de meu coração gastronômico, há um prato que possui uma partição só dela. A Paella. A paella – como você já deve saber – é basicamente a mistura de um monte de coisa boa com arroz. A mais tradicional leva frutos do mar e o tal cereal. Mas há versões com invencionices, que somam pato, frango, coelho, banco, feijão, páprica, alecrim, açafrão e por aí vai. E aí está a magia da paella. Na improvável combinação de seus ingredientes. Quem poderia imaginar bacon, frango e polvo se encontrariam em um delicioso megazord gastronômico. E mais, que essa união ficaria absolutamente incrível. […]

Jim Beam Rye Perfect Manhattan – Perfeição

É engraçado como, às vezes, uma pequena fração de algo se torna quase tão célebre quanto seu todo. Um bom exemplo é uma singela frase que Tolstoi, em certo ponto de sua obra prima Anna Karenina, coloca na boca de uma personagem. “Se você procurar por perfeição, nunca estará satisfeito“. A declaração, promovida a aforismo, é um trecho de um papo entre Lvov e sua esposa, lá pelo meio da obra. Mas hoje, pouca gente sabe de onde veio a simples mas significativa frase. É como se Tolstoi, em pessoa, a tivesse proferido, em algum momento marcante de sua vida. Descontextualizar a declaração da esposa de Lvov não a faz perder o sentido. Pelo contrário – eleva e expande seu […]

Mamie Taylor – Antepassados

Ao assistir Jurassic Park, você deve ter grudado de tensão na cadeira durante a cena em que o tiranossauro persegue o jipe. Imagine, um animal desse tamanho e tamanha voracidade hoje em dia. O que você não sabe, provavelmente, é que o T-Rex, aquele enorme e ameaçador predador, é o ancestral mais próximo de um bicho bem pouco intimidador. A galinha. É isso aí. Ocorre que em 2003, dois cientistas – Jack Horner e Mary Scweitzer – analisaram a composição molecular do colágeno contido em um fêmur não fossilizado de T-Rex. E descobriram semelhanças incríveis com aquele contido nos ossos de galinhas e outras aves domésticas. Isso apontaria que há uma ligação de parentesco entre o dinossauro e o galináceo, […]

Gold Rush – Sobre ideias geniais e óbvias

Ultimamente, tenho tido tempo razoável para rever uma série de filmes. Prerrogativa da quarentena. Essa semana, revi Segundas Intenções. Sei lá porque, também. E olha, é bem ruim. Você pode argumentar que não, que isso é um absurdo, porque é um clássico. Afinal, é uma adatação pop do romance Les liaisons dangereuses, de Pierre de Laclos, e integrante da corrente de grandes filmes baseados no romance, como Ligações Perigosas do Stephen Frears e Os Sonhadores de Bertolucci. Você pode argumentar. Mas, se o fizer, você está equivocado. Ligações Perigosas sempre foi bom, e envelheceu bem. Os Sonhadores, ao ser lançado, foi arrebatador, a ponto de se tornar um clássico instantâneo. Mas não Segundas Intenções. Segundas Intenções era ruim, apelativo, afetado […]

Highball Cocktail – Simplicidade Intrincada

Há coisas que parecem simples, mas são, na verdade, extremamente intrincadas. Os japoneses tem até uma palavra pra isso. Shibusa – ou shibui. Que na minha (assumo, limitada) interpretação da cultura oriental, poderia ser traduzido – não sem alguma perda – como “austero”. Shibusa definiria algo que fosse despojado de ornamentação excessiva. Algo que tivesse um equilíbrio fino entre o elegante e o bruto, o formal e o espontâneo. Entre o simples e o complexo. A palavra é, geralmente, aplicada a objetos – mais frequentemente, arte e moda. Ainda que quase tudo possa ser Shibusa. Pode ser uma comida. Que, aliás, cunhou o termo “shibui”, até hoje utilizado como sinônimo de adstringente. Uma bebida ou um coquetel, também. Por exemplo […]

Patsy Cocktail – Jack Daniel’s Tennessee Calling

Já contei isso por aqui, mas vou contar novamente. Quando era criança, me perguntavam constantemente o que eu queria ser quando crescer. Por uma efêmera fase, queria ser astronauta, até descobrir que eles bebiam o próprio xixi (leia mais sobre isso aqui). Depois, pensei em ser caminhoneiro. Mais tarde, piloto de helicóptero. Quando atingi a pseudo maturidade da adolescência, resolvi que seria desenhista. E quando menos percebi, por pura e espontânea pressão paterna, virei advogado. Gosto de minha profissão, e não me arrependo. Mas, assumo, durante o exercício, poucas vezes vi espontaneamente acesa a chama da paixão pelo ofício. Longe de ser uma atividade natural, ser advogado foi um gosto adquirido. E por muito tempo permaneci assim, até, finalmente, descobrir […]