Ardbeg An Oa – Sobre o Caos

Sabe, eu não acredito muito em destino. Na verdade, é bem o contrário. Acho que estamos aqui bem por acaso, que o mundo é um enorme caos que tende, cada vez mais, à entropia. Arrumar é mais difícil que bagunçar, encontrar é mais penoso do que perder. As coisas naturalmente se deterioram, ainda que, implacavelmente, tentemos conservá-las. É um movimento antinatural, em um universo que não é muito mais do que uma enorme bagunça. Destino é meramente coincidência.

Deixe-me explicar, sem soar pedante ou descrente, com uma metáfora bem imbecil. O destino é uma espécie de roleta de cassino. Quando a bolinha estaciona em uma casa que não apostamos, simplesmente ignoramos o resultado. Não há reconhecimento. Porém, se ela porventura acabar naquela que elegemos, bem, aí nos deslumbramos com o destino. Reconhecemos que aquela bolinha e nós estávamos predestinados àquele resultado.

Mas vou assumir algo aqui. Ainda que eu acredite nisso na maioria das vezes, em poucas delas, é realmente difícil aceitar que não existe qualquer espécie de destino. Uma delas aconteceu comigo há poucas semanas. Havia marcado uma viagem à Escócia, para visitar as destilarias de Islay. Sem qualquer razão específica, apenas curiosidade. No dia do meu embarque, soube que a Ardbeg havia lançado um novo whisky em seu portfólio permanente. O An Oa. Aliás, a primeira expressão a entrar na linha perene em quase uma década. Era coincidência demais.

O An Oa não possui idade declarada, e é uma curiosa combinação de diferentes barricas. Há carvalho europeu que maturou vinho jerez, carvalho americano de ex-bourbon bem como carvalho americano virgem. Algo, aliás, bem incomum, especialmente para um whisky enfumaçado de Islay. Os whiskies são combinados em um novo tonel, recentemente inaugurado por Bill Lumsden – o whiskymaker da Ardbeg.

O breve nome é uma homenagem a uma formação rochosa pertencente a uma península, o Mull of Oa, localizado no sudoeste de Islay. O local é visível antes da chegada à costa de Kildaton, onde a Ardbeg está situada. A ideia é que assim como Oa – que está antes de Kildaton para navios que se aproximam – a nova expressão seja mais acessível para aqueles apresentados aos Ardbegs.

Ardbeg (foto: Diego Muller)

O An Oa é um whisky claramente enfumaçado, mas pouco agressivo, e com um final bastante frutado e adocicado. Lembra bastante o extraordinário Ardbeg Corryvreckan, mas é bem menos apimentado e mais adocicado. Enfim, bem menos desafiador, como pretendido pela destilaria. Mas é claro, vale apontar que ele ainda mantém os genes de sua criadora bastante vivos.

Como disse uma vez, ao falar do Ardbeg Dark Cove, acertar na maturação de whiskies que possuem a participação de jerez não é nada fácil. Pode-se passar do ponto facilmente, exagerando na influência da madeira e eclipsando o sabor enfumaçado característico da destilaria. Porém, como acontece no Dark Cove, o An Oa é bem resolvido. O sabor de fumaça e medicinal estão lá, com um certo sabor de açúcar mascavo bastante agradável.

Por enquanto, o Ardbeg An Oa não está disponível em nosso país. A única expressão da destilaria a desembarcar em nossas terras é o Ardbeg Ten. Porém, talvez, em um futuro próximo, tenhamos também esta expressão à nossa disposição. É impossível prever. Como disse, o universo é regido pelo caos e pela incerteza. No entanto, com um empurrãozinho do acaso, pode ser que ele apareça por aqui. Ah, bem que poderia ser destino.

ARDBEG AN OA

Tipo: Single sem idade declarada (NAS)

Destilaria: Ardbeg

Região: Islay

ABV: 46,6%

Notas de prova:

Aroma: Enfumaçado, com iodo e um aroma subliminar frutado e cítrico.

Sabor: Defumado e seco, que progressivamente vai se tornando mais adocicado. Podia jurar que senti mexericas, mas não arrisquei traduzir.

 Disponibilidade: apenas lojas internacionais.

 

Especial Escócia – Visita à Ardbeg

Tenho um amigo que comprou uma Harley Davidson. O problema é que ele não comprou apenas a motocicleta. Ele comprou duas jaquetas de couro da Harley Davidson também. E um capacete vintage da Harley Davidson. E um par de luvas da Harley Davidson. Dois adesivos, para colar no carro, dizendo que tem uma Harley, e, por fim, mas não menos importante, uma caneca, um abridor de latas e um jogo de bolachas de copo. Itens que não tem nada a ver com a moto. Mas que, para ele, fazem todo sentido.

A verdade é que meu amigo nem gosta tanto de andar de moto assim. De moto. Mas de Harley sim. Porque, nas palavras dele, ela não é apenas uma moto. É praticamente um estilo de vida, que possui uma legião enorme de fãs alucinados ao redor do mundo.

Se houvesse uma destilaria comparável à Harley Davidson no mundo do whisky, ela seria a Ardbeg. Para os admiradores da marca, a Ardbeg é praticamente um culto. Há embaixadas internacionais e dias dedicados a ela. E não é para menos. Este Cão Engarrafado teve a oportunidade de conhecê-la em sua recente viagem à Escócia. A destilaria é inacreditável.

Se a Bruichladdich é inovação, a Ardbeg é bravura. O lugar é quase intimidador. Há um enorme alambique de cobre ao ar livre, logo em sua entrada. Seu pátio possui uma enorme logomarca, que pode ser vista do ar. A encosta marítima, oposta à entrada, é pedregosa e irregular. E há por toda parte um vento implacável. A única coisa que destoa daquela atmosfera é nosso guia. Um senhor amável, solícito e com enorme conhecimento sobre aqueles prédios.

Entrada

No começo de nosso tour, somos conduzidos ao moinho, do começo do século vinte. Robery Boby Limited. Um dos únicos de sua espécie. Apenas outras três destilarias do mundo ainda o usam. Bruichladdich, Glen Scotia e Box. Segundo nosso guia, o moinho recebera poucas benfeitorias ao longo de seu quase um século de vida. A primeira delas foi a troca de suas engrenagens de madeira por metal. A outra, a troca do vapor – que antes era sua fonte de energia – por luz. E, por último, uma plástica. Ele foi pintado de verde, para combinar com a cor oficial da destilaria.

Nosso guia explica que a cevada utilizada pela Ardbeg passa pelo tradicional processo de secagem em um forno abastecido por turfa, que a impregna com aroma enfumaçado e medicinal. O nível de defumação pode ser medido em partes por milhão de fenóis, o composto responsável pelo aroma de fumaça. O malte da Ardbeg possui, em média, cinquenta e cinco partes por milhão. É um dos mais defumados da ilha.

Somos ensinados que a água usada pela Ardbeg provém do lago Uigedail – que, em gaélico, significa algo como “lugar escuro e misterioso”. A água é tratada para alguns processos, como a diluição do whisky antes do engarrafamento em algumas expressões.

A Ardbeg possui seis washbacks feitos de madeira. Disparei a pergunta que muitos já fizeram a ele. Se a madeira fazia alguma diferença. A resposta, clara e ensaiada, foi que é claro, a madeira traz um certo aroma de esteres ao mosto, que washbacks de aço inoxidável não dariam. Depois, tivemos a oportunidade de provar o mosto fermentado – uma espécie de cerveja, com graduação alcoólica de aproximadamente nove por cento, mas sem lúpulo. Para minha surpresa, aquilo era ótimo. Defumado e com uma textura interessantíssima. Talvez estivesse começando a me apaixonar pela Ardbeg.

A fermentação da Arbeg leva em torno de cinquenta e duas horas, em washbacks de vinte e três mil litros. Porém, a destilaria possui apenas um alambique de primeira destilação, com capacidade bem menor. Assim, ela primeiro descarrega metade do mosto fermentado e o destila. Depois – após três horas – o restante. Assim, parte do mosto é fermentado por três horas extras. Um método curioso e destemido.

A segunda destilação ocorre em apenas um alambique também. Este é equipado com um purificador. Um curioso tubo, que brota do braço do alambique, e termina em seu bojo. A ideia é que as partículas mais pesadas que, porventura, conseguiram atingir a parte de cima, sejam capturadas por esta peça, e voltem para serem novamente destiladas.

Mas o maior destemor da Ardbeg está, justamente na maturação e engarrafamento. Há uma pletora de diferentes finalizações e tratamentos de madeira. Há versões maturadas em barricas altamente torradas. Há o emprego de carvalho europeu virgem, combinado com jerez e bourbon. E a graduação alcoólica das criações é sempre generosa. Basta pensar que dos quatro whiskies que atualmente compõe o portfólio permanente da destilaria, dois deles passam dos cinquenta por cento de álcool. Não tem como não gostar de uma destilaria dessas.

Como parece acontecer com todas as destilarias de Islay, há uma edição especial, vendida somente na destilaria. É o Ardbeg Kildalton, que ilustra este post. Seu nome é uma homenagem à Kildalton Cross, uma impressionante cruz monolítica de dois metros e meio, datada do século oitavo depois de Cristo, e muitíssimo bem conservada. A cruz está localizada bem próxima à Ardbeg, ao lado das ruínas da igreja de Kildalton.

 

Nossa visita terminou em uma pequena loja da destilaria. Depois daquela experiência, era impossível me conter. Comprei um Ardbeg- o Kildalton. Mas não apenas ele. Comprei uma bolsa da Ardbeg, dois chaveiros da Ardbeg, uma jaqueta e uma camiseta. E nem adianta contestar. É claro que faz sentido.

Whisky Show 2017 – A Disney do Whisky

Todos nós temos fantasias. Para um bibliólatra, talvez seja a Biblioteca Britânica. Já um cinéfilo sonharia participar do Festival de Cannes. Um enófilo, por sua vez, ficaria extasiado – literalmente – em participar de uma grande feira de vinhos, ou talvez de uma série de visitas às suas vinícolas preferidas. Por fim, um microaerófilo, bem, um microaerófilo não gostaria de nada, porque microaerófilo é um tipo de bactéria.

Já para um apaixonado por whiskies, como este Cão, o zênite seria participar do Whisky Show, de Londres. São três dias, mais de uma centena de expositores e seiscentos rótulos disponíveis. Organizado pela The Whisky Exchange de Londres, o Whisky Show é provavelmente o maior evento dedicado à bebida do mundo. Há todo tipo de whisky, das mais incríveis e improváveis regiões do mundo. Há garrafas de milhares de libras – como o Glenmorangie Pride 1978 – e outras bem mais mundanas.

Mundano…

O whisky show é uma espécie de open-bar dos céus, onde quase tudo engarrafado – exceto alguns especiais – pode ser consumidos livremente. Há uma refeição incluída, assim como expositores de produtos relacionados, como embutidos finos e cervejas maturadas em barricas de whisky. Tudo disponível para consumo, apenas pelo preço do ingresso, de cem libras. Cem libras para beber e comer tudo que quiser, durante seis horas consecutivas, em um enorme e elegante saguão – o Old Billingsgate.

Este Cão teve o enorme prazer – e, claro, a responsabilidade – de participar dos três dias do evento, que aconteceu nos dias 30 de setembro e 1 e 2 de outubro. Dois deles, abertos ao público. O último, exclusivo para imprensa. A experiência foi fantástica. Foram mais de cem amostras provadas nos três dias, duas masterclasses frequentadas e dezenas de novos conhecidos.

Um dos pontos altos do show foi a possibilidade de participar de uma despretensiosa aula de highballs – o coquetel – com o lendário Dave Broom. Após desmistificar que o whisky somente pode ser consumido puro, Broom foi corajoso. Misturou Lagavulin – um dos mais respeitados single malts de Islay – com coca cola. Pode ter sido uma manobra para chocar o público. Mas se Broom fez, não há nada de errado em fazermos também, aparentemente.

Harmonizando (foto: Cesar Adames)

Além dele, outros ícones do mundo do whisky estavam presentes. Entre eles, John Glaser (Compass Box), Bill Lumsden (Glenmorangie e Ardbeg) e, claro, Richard Paterson, master blender da Dalmore, que tem em seu nariz um seguro de dois milhões de libras pelo Lloyds Bank.

Dentre as amostras mais interessantes provadas por este Cão estava o Craigellachie 31 anos, recentemente eleito como melhor whisky do mundo. Além dele, mereceram destaque um Brora de 34 anos de idade – da famosa destilaria silenciosa – um Caledonian 1974 e um Glen Grant. Um Glen Grant de cinquenta e dois anos de idade. É isso aí, por extenso, para você não achar que errei na segunda casa decimal.

Das doses mais humildes – mas não muito – estavam dois incríveis lançamentos da Compass Box, Phenomenology e No Name, que estarão à venda a partir de novembro, e que merecem reconhecimento. Além deles, me impressionaram o Glenfiddich 21 Winter Storm, Ardbeg An Oa – que em breve receberá prova solo por aqui – e o Chichibu finalizado em barricas que antes contiveram cerveja IPA. Claro, dentre muitas outras doses memoráveis.

Havia estandes de produtores respeitadíssimos, como The Macallan, Aberlour, Glenfiddich, Dalmore, Laphroaig e Glenlivet, que contracenavam com destemidas marcas novas, como a australiana Starward e as indianas Rampur e Amrut. Havia bourbon também – como um incrível balcão de Pappy Van Winkle – e whiskey irlandês.

Não é sempre que vemos uma mesa dessas.

Ao fim, foram três dias incríveis, que proporcionaram uma experiência que jamais imaginava que teria. Conhecer ao vivo os grandes nomes da indústria, provar alguns whiskies incríveis e – acima de tudo – divertir-se com responsabilidade. O Whisky Show é tão incrível, mas tão incrível, que até mesmo os microaerófilos adorariam.

Especial Escócia – Visita a Bruichladdich

Disse uma vez Fernando Pessoa que tudo vale a pena quando a alma não é pequena. Por mais que eu deteste utilizar quase clichés por aqui – independente e sua origem – não poderia deixar de começar este texto com a citação.

É que depois de quase vinte e quatro horas viajando, finalmente chegamos à terra dos whiskies enfumaçados. Islay. Foram doze horas de voo, divididos por uma conexão. Mais seis horas em um micro-ônibus, que, por sua vez, passou outras duas horas dentro de uma balsa.

Ao chegar na ilha, não conseguia me decidir se o que queria mais era dormir, tomar um banho ou beber. Por sorte, os habitantes possuem uma curiosa forma de resolver tais dilemas. Ao chegar a meu hotel, me deparei imediatamente com o bar.

Após toda higiene pessoal, refeição, algumas doses e, por fim, uma boa noite de sono, estava pronto para conhecer a primeira das destilarias da ilha que visitaríamos. A Bruichladdich.

A Bruichladdich foi fundada por William, John e Robert Harvey, irmãos em uma família já veterana no ramo dos whiskies e proprietária das destilarias Yoker e Dundas Hill. O trio, entretanto, tinha uma ideia ambiciosa. Construir uma destilaria que, desde o início, se destacasse como uma exceção a tudo aquilo que já existia em Islay. E deu certo. Até hoje, a Bruichladdich é uma das mais encantadoras destilarias da ilha.

E uma das mais azuis

Atualmente, a destilaria é uma das mais destemidas da Escócia. Talvez por isso se auto intitulem “Progressive Hebridean Distillers” –algo como “Destiladores Progressistas das Hébridas”. Isso fica claro ao observarmos seu enorme portfólio. São três linhas de whisky. Uma é razoavelmente defumada; outra, sem nenhuma defumação e uma terceira absurdamente defumada – Octomore. Tivemos a oportunidade de provar um incrível exemplar de cada uma das linhas em nossa visita.

Como se isso não bastasse, a Bruichladdich produz também um Gim, chamado Botanist, que utiliza nove botânicos clássicos e mais de vinte ervas e flores locais. Ele é destilado em um alambique especial e adaptado, chamado Lomond, que foi recuperado pela Bruichladdich da antiga destilaria Inverleven. Por não ser uma das peças de maquinário mais belas do mundo, o alambique recebeu o nome de Ugly Betty (Betty, a Feia).

Bete

Vamos ao papo técnico. A Bruichladdich produz em torno de um milhão e meio de litros de whisky por ano. Sua fermentação leva em torno de setenta e cinco horas, em washbacks de madeira. A Bruichladdich faz todo seu trabalho com apenas um par de wash stills (alambiques de primeira destilação) e um sprit still (alambique de segunda destilação), além de seu Lomond, dedicado ao gim Botanist.

A parte mais curiosa sobre o processo de fabricação dos Bruichladdich é a graduação alcoolica que o destilado vai para a barrica. A maioria das destilarias de islay dilui seu new-make, para que entrem no barril com 63,5%. A Bruichladdich, entretanto, faz diferente. Seu destilado começa a maturação com 68,5%. Segundo nossa guia, esta diferença faz com que o espírito extraia o máximo da madeira. Uma resposta polêmica, mas crível.

Além das expressões tradicionais, ao visitar a destilaria, pudemos provar três whiskies direto da barrica. Um de cada linha principal. O favorito deste Cão foi um Port Charlotte, maturado em barricas previamente usadas pelo famoso vinho Mouton Rotschild.

Fantástico

Além disso, pode-se engarrafar seu próprio single malt. São as edições Valinch, disponíveis apenas na destilaria, e que variam de acordo com o tempo. A garrafa que ilustra este post é um Valinch maturado em barricas de vinho tinto de uva shiraz, selecionada por um funcionário da destilaria – Administrador de TI e de Compliance para o consumidor, Roddy MacEachern.

Ao sair da Bruichladdich, minha impressão foi de deslumbramento. É incrível como uma destilaria que valoriza tanto a tradição e o terroir pode, ao mesmo tempo, ser tão criativa e inovadora. Das expressões mais simples às mais sofisticadas, a Bruichladdich literalmente destila criatividade.

Spirit Safe com aula de gaélico. Clachan a Choin significa “o saco do cachorro”. Sério.

Da Alegria e Escuridão – Macallan Oscuro

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Sabe, sempre fui uma criatura das sombras. Apesar de não ser um notívago, algo na noite sempre me atraiu. Talvez fosse seu silêncio, ou sua calma. Ou a falta de obrigações. Não, acho que não. Provavelmente é a sensação de melancolia trazida por aquele horário do dia.

Faz sentido quando penso que meu livro preferido, por muito tempo, foi Memórias do Subsolo, de Dostoievski e uma das minhas obras clássicas mais caras, a Sinfonia nº 3 de Gorecki. Ambas, obras que ilustram a queda e a total ausência de esperança, em um tom taciturno e profundo.

Na verdade, desde cãozinho sempre gostei mais daqueles dias de céu dramático, com nuvens plúmbeas entremeadas por raios de sol fugazes. E da consequente tempestade, tão agitada, mas que a tudo mais impunha um certo ar de calma. Uma noite antes do sol se por. Uma paradoxal sensação de conforto melancólico difícil de explicar.

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Talvez porque a chuva de hoje seja o whisky de amanhã.

Tive sensação parecida quando soube da existência de um single malt de uma das mais respeitadas destilarias da Escócia. O nome – muito apropriado – me parecia irresistível. Macallan Oscuro. Mas, por um dramático preço de aproximadamente setecentas libras, resolvi que seria prudente até que uma oportunidade de o experimentar chegasse à luz.

E essa oportunidade se fez com o nascimento de meu segundo cãozinho e um presente de meus progenitores. Naquele dia, realmente não havia espaço para nem mesmo o mais débil traço lânguido.

E logo que as primeiras tempestuosas (mas nada melancólicas) semanas após a luz da Cã passaram, me permiti a oportunidade de experimentá-lo. A primeira característica que se sobressai no Oscuro é sua cor. Como se pode pressupor pelo nome, um tom acobreado bastante escuro. O aroma é quase de vinho fortificado, com um pouco de couro e açúcar mascavo. Algo que remonta aos antigos whiskies da destilaria.

Apesar da enigmática falta de idade em seu rótulo – aliás, feito de uma espécie de metal acobreado – a The Macallan revelou que o Oscuro é composto por whiskies destilados entre os anos de 1987 e 1997. Todos teriam sido maturados em barricas de carvalho europeu que antes contiveram vinho Jerez.

Ainda de acordo com a destilaria, após atingir o zênite de sua maturação, ele é reduzido a uma graduação alcoolica de 46,5% utilizando apenas “agua natural retirada dos lençóis que correm no subsolo profundo, abaixo do Macallan Estate”. Após essa diluição, o whisky é então retornado às barrias, para que passe mais seis meses descansando, até ser engarrafado. Não há filtragem a frio.

O Macallan Oscuro é uma das mais exclusivas expressões da 1824 Collection da The Macallan, à venda nas lojas de Duty Free de alguns aeroportos internacionais. Outros whiskies da coleção são o Estate Reserve, Whisky Maker’s Edition e Select Oak.

Nova embalagem do Oscuro

Antes de escrever este texto, provei o single malt em diversas situações. Em dias calmos, dias monótonos, dias melancólicos e dias felizes. E a sensação, independente de meu humor foi a mesma. E ainda que na maioria das vezes tente aqui não transparecer minha opinião pessoal com clareza, não há como evitar neste caso. O Oscuro realmente é um whisky excepcional.

E se você me perguntar com agravo, responderei de forma serena que setecentas libras é sempre um exagero. É muito dinheiro. Setecentas libras transcende a dramática linha do valor relativo, e se coloca definitivamente no campo do absoluto. Mas talvez uma bebida com este preço tenha seu lugar.

Porque na verdade, não importa muito o quanto você se sinta atraído pela escuridão e pela pompa e circunstância. Alguns dias, somente alguns raros dias em uma existência inteira, não cedem espaço para qualquer sentimento lânguido. E são esses dias, e somente estes dias de uma alegria quase ofuscante, que algo como o Macallan Oscuro ganha seu espaço.

Afinal, estes dias – ou melhor, whiskies – são mesmo muito mais especiais do que outros.

THE MACALLAN OSCURO

Tipo: Single Malt sem idade definida

Destilaria: Macallan

Região: Speyside

ABV: 46,5%

Notas de prova:

Aroma: Aroma de compota de ftutas, chocolate amargo e baunilha. Um pouco de couro talvez?

Sabor: Mel, compota de frutas, pimenta do reino. A influência do vinho jerez é muito clara, e torna-se evidente na finalização, que é longa, adocicada e com sabor de vinho fortificado.

Com água: A impressão de pimenta do reino é reduzida, e o whisky torna-se mais suave. O final adocicado fica ainda mais evidente.

Preço: GBP 700,00 (setecentas libras)

Disponibilidade: apenas lojas internacionais.

Especial Escócia – Visita à Oban

Este é o primeiro post de uma série sobre a visita em 2017 deste canídeo à terra sagrada do whisky. A Escócia – em especial, a terra da fumaça. Islay.

No primeiro dia, a caminho de Islay, visitamos a destilaria Oban, localizada na cidade de mesmo nome. Literalmente dentro de Oban. A destilaria está no meio da cidade, em um prédio histórico, e muito próxima ao oceano.

A destilaria é dividida em uma série de prédios, e há uma rua – uma rua ativa da cidade – que a cruza. O que deixa este Cão levemente apreensivo de que alguma barrica possa, porventura, ser atropelada ao olhar para o lado errado da rua ao atravessar. Nosso guia, porém, sempre solícito, me assegurou que isto jamais acontecera.

Um dos maiores diferenciais alardeados pela própria Oban é a fermentação de seu mosto. Ele leva em torno de cento e vinte horas, o que é quase o dobro do que seria um absurdo para outra destilaria. Segundo eles, isso traz a seu destilado uma leveza e oleosidade bastante características.

Os washbacks – os tanques de fermentação – da Oban são feitos de madeira de pinho. Algo também bastente incomum atualmente. A maioria das destilarias possui washbacks de aço inoxidável, mais fáceis de manter e mais durável. Há uma discussão no mundo do whisky se o material destes equipamentos impactaria no sabor da bebida.

A Oban, porém, é supersticiosa. Segundo ela, não se sabe se a troca dos washbacks resultaria em alguma mudança efetiva. Assim, preferem manter a tradição a arriscar um resultado que – apesar de esperado – seria diferente do atual.

A Oban é relativamente pequena. Há apenas um par de alambiques. Um de primeira destilação e outro de segunda. Para lhe dar uma noção de escala, mesmo destilarias como a Glenmorangie, possuem três pares destas belas peças.

Mesmo assim, a destilaria ainda possui capacidade produtiva ociosa. A maturação ocorre principalmente em barricas de carvalho americano, ainda que algumas expressões sejam finalizadas em barricas de carvalho europeu.

Direto do barril

Ao ser questionado sobre o uso de corante caramelo, nosso guia não titubeou. Segundo ele, alguns lotes de Oban usam corante para correção de cor. No entanto, outros – se engarrafados com a cor esperada – saem sem adição do produto.

Durante a visita, tivemos a incrível oportunidade de provar um Oban 8 anos, extraído diretamente da barrica, e de adquirir uma garrafa exclusiva da destilaria. Um Oban sem idade declarada, com graduação alcoolica de 48%. É a garrafa que ilustra este post.

A expressão mais emblemática da Oban é seu 14 anos. É ele o representante dentro do seleto rol dos Classic Malts da Diageo, que contam com outras expressões de peso, como Lagavulin 16 anos. Porém, em benefício do tempo, este whisky será matéria de uma prova futura, exclusiva dele. Aguardem!

Outros seis personagens que adoram whisky

 

Esta é a terceira edição de um texto sobre personagens ficcionais que gostam de whisky. A primeira lista, elaborada por mim há mais de um ano, era um exercício mental. Queria lembrar-me dos mais conhecidos personagens que, assim como este Cão, apreciam um belo whisky. Consegui rememorar James Bond, Jessica Jones, Harvey Specter, Jack Torrance, Ron Burgundy e Desmond Hume. E, nos primeiros dias, fiquei muito feliz com o resultado. Afinal, imaginava que pudesse ter olvidado um ou dois, mas aquela era uma lista bastante completa.

Qual foi minha surpresa, porém, quando os leitores deste infame blog começaram a citar dezenas de outros personagens que havia esquecido ou, pior, nem conhecia. Eram tantos, e de tantas obras diferentes, que demorei um pouco para fazer minha lição de casa. Assisti aos filmes e às séries – quer dizer, ao menos a maioria delas – e elaborei uma segunda lista. Agora, apenas com as sugestões recebidas. Fizeram parte dela John Constantine, Charlie Harper, Don Draper, Barney Stinson, Raymond Reddington e Abe Lucas. Mais uma vez, regojizei-me com aquilo. Doze. Não devia ter muito mais do que doze amantes ficcionais de whisky.

Mas, mais uma vez, estava enganado. Não levou nem mesmo duas horas até receber a primeira sugestão. O tentente-coronel Frank Slade, de Perfume de Mulher. Uma avalanche de outros seguiram. Assim, me vi mais uma vez obrigado a voltar às telas e preparar mais uma lista. Abaixo estão seis personagens que amam whisky e – bônus – um que não temos certeza, mas que não poderia faltar. Todos, sugestões de nossos esforçados leitores. Não terei a presunção de imaginar que desta vez concluí o assunto. Não. Desta vez, aguardarei os comentários com um copo de whisky na mão e um controle-remoto na outra. Hoo-ah.

Dr. House

Mau humorado, sarcástico e politicamente incorreto, Dr. House é um dos mais famosos médicos da ficção. Utilizando métodos um tanto pitorescos, House consegue – entre um ou outro erro – realizar os mais improváveis diagnósticos. Diagnósticos de doenças que, aliás, podem ser qualquer coisa. Qualquer coisa menos lupus.

O personagem possui uma sinceridade quase extrema, que todos nós – e principalmente este Cão – adoraríamos ter. Ainda que ele se meta em bastante confusão por conta dela. Mas há um ponto que nos une a este (nem tanto) amável doutor. O amor pelo whisky. House bebe bastante e de tudo, mas seu frio coração bate mais forte pelo bourbon Maker’s Mark.

Ray Donovan

O protagonista da série homônima da Showtime possui um trabalho que tangencia um mundo cheio de glamour. Porém, a natureza de seu ganha pão não possui qualquer encanto. Ele é uma espécie de solucionador profissional de problemas dos famosos e poderosos de Los Angeles. E por problemas, eu não quero dizer consertar a pia, trocar o pneu do carro ou instalar um lustre. Mesmo porque, se fosse este o caso, a série seria muito chata.

Donovan trabalha para o escritório de direito Goldman & Drexler. Sua função é subornar, entregar propinas e chantagear autoridades, para evitar que seus clientes sejam responsabilizados por seus atos. Apesar de bastante desagradável, o ofício de Ray lhe proporciona algumas coisas boas. Como, por exemplo, apreciar um Highland Park 25 anos de vez em quando.

Archer

Sterling Archer é o personagem principal da série Archer, veiculada pela FX. Sterling começa como um espião que trabalha para a International Secret Intelligence Service (incrivelmente, ISIS). Porém – e evitando aqui um spoiler – mais tarde resolve diversificar sua linha de trabalho para campos, diremos assim, ainda menos usuais. Há grandes semelhanças entre Archer e outro espião alcoolatra que amamos. James Bond.

Autoindulgente, misógino, egoísta e sexualmente promíscuo, não há muito o que se apreciar em Archer. Porém, por alguma razão – assim como ocorre com Bond – desenvolvemos uma estranha simpatia pelo personagem. Talvez seja por causa de seu sarcasmo. Ou seu gosto refinado, que inclui whiskies. Especialmente aquele da marca ficcional Glengoolie.

Radamanthys de Wyvern

Se você viveu sua infância na década de oitenta ou noventa, é bem provável que tenha sido viciado em Cavaleiros do Zodíaco, e sabia quase tudo que se tem para saber sobre os personagens. Porém, algo que talvez tenha olvidado é que um deles possui um gosto bem parecido com o seu. O Radamanthys, nascido na curiosamente batizada ilha de Fellows, no Reino Unido.

Wyvern despreza quase tudo que se move. Porém, é um adorador da melhor bebida do mundo. Em determinada cena, o cavaleiro de Wyvern relembra sobre Pandora, enquanto vagarosamente beberica algum whisky on the rocks. Seu preferido somente pode ser assunto de divagação. Mas eu chutaria um Glenfiddich Snow Phoenix. Nossa, essa foi fraca.

Tenente Coronel Frank Slade

O personagem vivido por Al Pacino no clássico Perfume de Mulher também não é uma pessoa lá muito fácil. Mas na verdade, por baixo da aparência mal humorada, exigente e direta, Frank é um homem de bom coração e princípios. Ainda que ele mesmo seja insuportável. Seus momentos de redenção estão no tango, nos carros esportivos e – algumas vezes – em sua retórica fascinante.

Em certo ponto do filme, o tenente-coronel pede a Charlie Simms, seu acompanhante, que substitua todas as garrafas na prateleira de seu quarto de hotel por John Daniel’s. Charlie, observando o gabinete de bebidas, retruca com certa ironia “você quis dizer Jack Daniel’s?“. Mas Frank já tem a resposta pronta. “Ele pode ser Jack para você, meu filho, mas quando você o conhece por tanto tempo quanto eu…. estou brincando“.

Sugar Kane Kowalczyk

O sugestivo nome é da personagem de Marilyn Monroe, no clássico filme de Billy Wilder, Quanto Mais Quente Melhor (Some Like It Hot). Sugar Kane é integrante de uma banda de jazz formada apenas por mulheres, até que dois homens se juntam a ela disfarçados. O filme é uma espécie de As Branquelas da década de sessenta, com a diferença que Quanto mais Quente Melhor é bom. A personagem é uma apaixonada por whiskies, especialmente bourbons.

Bob Harris

Há cenas icônicas, que transcendem o filme e bastam-se sozinhas. Uma delas é Bill Murray, em Encontros e Desencontros, de Sofia Coppolla. No filme, Murray interpreta Bob Harris, um decadente ator de meia idade, contratado pela  Suntory Whisky para estrelar um comercial. Harris, com seu olhar blasé, repete para a câmera algo que poderia ser porcamente traduzido como “para momentos relaxantes, tome Suntory“. A frase, em inglês no original, tornou-se tão famosa que atualmente é impossível pensar na marca de whiskies japoneses sem associá-la ao filme.

Não conseguimos saber se Murray é realmente um apaixonado pelo malte. Na cena, ele desdenha, de leve, o que está em seu copo. Mas também, o olhar de Murray a tudo desdenha.

Drops – Jungle Gin

Recententemente lancei uma prova sobre um whisky italiano. Enquanto escrevia, pensava no que seria um correspondente nacional para isto. Porque a Itália tem tradição em um punhado de coisas. De música erudita a alta costura, passando por literatura clássica, automóveis superesportivos, gravatas fininhas e gondoleiros. Mas whisky, realmente, era um território ainda a ser desbravado pelo povo italiano.

Aí pensei em Minas Gerais. Na cultura, nos artistas. Alejadinho, Amílcar de Castro, Farnese de Andrade, Guignard – um carioca com alma mineira – e Lygia Clark. Segui por Milton Nascimento e Skank, e após uma sensível descida, cheguei no Eike Batista e na Isis Valverde. Daí descrevi uma curva e cheguei à comida típica. Doce de leite. Pão de queijo. Aliás, centenas de tipos diferentes de queijos. Dezenas de alambiques de cachaças. Realmente, os mineiros têm uma tradição gastronômica incrível.

Porém, mesmo lá, há o improvável. O diferente, que desafia a tradição. Neste caso, o Jungle Gin. O Jungle Gin é um gin seco, produzido na cidade de Camanducaia, no alambique da cachaça Quinta das Castanheiras, em Minas Gerais. Uma selva de alambiques de cachaça, mas uma planície absolutamente intocada para a bebida holando-britânica.

Ele foi concebido em 2017 por Augusto Simões Lopes, que, após quase três décadas no exterior, retornou ao Brasil para realizar seu sonho. Criar um gim com qualidade internacional. E, aparentemente, a ideia deu certo. o Jungle Gin recebeu medalha de prata da Spirit Selection no Concours Mondial de Bruxelas. Segundo Augusto “Ganhar o reconhecimento da Spirit Selection não é só um grande passo para o Jungle Gin, más para todos os pequenos produtores do Brasil” e continua “este prêmio desmistifica a história de que apenas o produto importado tem valor. O exterior reconheceu a capacidade brasileira

Augusto e seu Jungle Gin

Augusto, após muita pesquisa, encontrou o alambique Quinta das Castanheiras. Segundo ele, aquele fora um achado. O equipamento era perfeito para implementar sua ideia pouxo ortodoxa. Porém, não é a primeira vez que a Quinta das Castanheiras desbrava selvas desconhecidas. O alambique foi fundado pela mestre cachacier Dinah Ribeiro de Paula, que recentemente assinou também uma cerveja. A Dádiva Odonata #6, uma Russian Imperial Stout com graduação alcoolica de 12%, e maturada em barricas de carvalho europeu que antes contiveram, justamente, sua cachaça.

O destilado base do Jungle Gin é um álcool de cana neutro. Como todo gim, o sabor advém dos botânicos escolhidos em sua produção. No caso do Jungle Gin, são sete. Zimbro, cardamomo, kummel, anis estrelado, canela, pimenta rosa e manjericão. Não ha qualquer cítrico. É um gim absolutamente floral, com um final levemente picante.

Talvez você ache estranho a prova de um gim em um blog sobre whisky. Ainda mais um gim mineiro. Pode ser que esteja ai, esperando uma boa ligação entre ele e o destilado escocês. Desculpem-me pelo desapontamento, mas dessa vez não farei este nó. Porque, afinal de contas, se o importante fosse seguir a tradição, nem mesmo o Jungle Gin existiria. E isso seria uma pena.

JUNGLE GIN

Tipo: Dry Gin

ABV: 45%

Alambique: Quinta das Castanheiras

Notas de prova:

Aroma: aroma floral. Além do zimbro, o cardamomo e o anis estrelado se sobressaem.

Sabor: vegetal, adocicado e floral. Há uma picância residual basante adocicada e muito interessante.

 

Dewar’s 12 anos

Não poderia começar esta prova de outra forma senão falando do Bolovo. Sim, este alimento incrível, um clássico da baixa gastronomia brasileira. O bolovo é uma mistura de um monte de coisa boa, que, óbvio, fica ótima. No bolovo vai um ovo inteiro, farinha de rosca, temperos, leite, litros de óleo pra fritar e carne. A princípio, carne moída, mas que pode ser qualquer coisa, dependendo do nível de gourmetização. De ragu de porco a filé kobe.

Mas eu nem preciso explicar isso. Porque você já deve saber o que é um bolovo, claro. O bolovo – assim como outros salgadinhos igualmente oleosos e deliciosos – ascendeu no boteco, e lá encontrou seu lugar de direito. O bolovo está completamente à vontade em seu lar, com aquela parede de azulejos brancos, a cadeira de plástico, mesas retráteis, cerveja com camisinha e bom papo. Mas o que pouca gente sabe é que o bolovo, na verdade, fala inglês.

É isso mesmo. O bolovo possui um antepassado escocês. Um prato que tem um nome bem menos genial do que bolovo, mas também bem mais concreto. O Scotch Egg (ovo escocês). O scotch egg é basicamente a mesma coisa nosso querido prato tupiniquim, com algumas pequenas mudanças. A maior diferença está justamente na carne utilizada. No caso da versão estrangeira, usa-se algum embutido, como salsicha de porco.

E aí alguém resolve fazer uma torta de bolovo.

Mas não é só isso. O bolovo também possui uma relação muito estreita com whisky. Especialmente com a marca Dewar’s. É que Tommy Dewar – um dos filhos do fundador da marca, John – além de ser um um apaixonado por whisky e um bon-vivant extremamente espirituoso, possuía uma outra paixão arrebatadora. Galinhas. O rapaz possuía uma enorme coleção de galináceos, alguns com plumagem bastante exótica, e os criava com muito esmero.

Daí veio a inspiração da Dewar’s para uma campanha publicitária recentemente lançada. O clube do bolovo. Perdão, digo o Scotch Egg Club – uma série de eventos envolvendo o whisky, coquetelaria de alto nível, ovos e jogos inspirados em galináceos. Seja lá o que for isso. E o rótulo a receber destaque durante esse projeto é o Dewar’s 12 anos.

O Dewar’s 12 anos é um blended whisky leve e adocicado, que leva como base o single malt Aberfeldy. Além dele, há outros maltes que compõe o portfólio da Bacardi, proprietária da Dewar’s. Entre eles, Brackla, MacDuff (Deveron) e Aultmore. Como não há qualquer single malt enfumaçado no portfólio da companhia, a Dewar’s compra barricas de outros grupos para compor seus blends, ainda que nenhuma de suas expressões possua característica marcante de fumaça.

Todos os whiskies da Dewar’s passam por um processo comum, conhecido como Double Aging. Após o processo de blending, o whisky é transferido para tonéis de carvalho, onde passa mais seis meses. Segundo a marca, ainda que esta maturação encareça o processo produtivo, ela também torna o whisky mais suave e harmônico. Nas palavras de Stephanie MacLeod, master blender da Dewar’s “com isso permitimos que as diferentes partes do blend se unam, e, basicamente, possam se conhecer (…). Isso adiciona outra dimensão de suavidade

O processo é tão importante para a Dewar’s que em 2015 a empresa abriu uma central de blending na Escócia. O procedimento é quase totalmente automatizado e controlado nos menores detalhes. Pode-se ajustar a graduação alcoólica do whisky e controlar o perfil do whisky. Além disso, a marca investiu bastante na divulgação desta técnica – um diferencial importante de mercado frente à maioria dos outros blends.

Teve até comercial com um cara voando como o Grande Lebowski.

O Dewar’s 12 anos ganhou uma série de prêmios internacionais ao longo dos anos, como medalha de prata em 2017 pela International Wine and Spirits Competition e em 2014 pela Scotch Whisky Masters.

Se você gosta de whiskies leves e adocicados, ou é apaixonado por um irish whiskey, talvez o Dewar’s 12 anos tenha espaço em seu rol de paixões. Pode até ser que ele tenha nascido na Escócia. Mas assim como o bolovo, ele tem tudo para se tornar um clássico também aqui no Brasil.

DEWAR’S 12 ANOS

Tipo: Blended Whisky com idade definida – 12 anos

Marca: Dewar’s

Região: N/A

ABV: 40%

Notas de prova:

Aroma: aroma floral, sem presença de fumaça. Mel, balinha de caramelo.

Sabor: leve, com frutas em calda e bastante mel. Final médio e adocicado, com amêndoas.

Com água: A água deixa o whisky mais doce.

Drops – Woodford Reserve Double Oaked

Se você gosta de corridas de cavalos, ou se é fã de Hunter S. Thompson – o jornalista bêbado – há grandes chances de já ter ouvido falar do Kentucky Derby. De toda forma, deixe-me aqui defini-lo com uma auto-paráfrase: O Kentucky Derby é conhecido como a mais famosa corrida de cavalos do mundo. O tempo rendeu-lhe o título de  “os dois minutos mais emocionantes do esporte”. É a primeira das três disputas que compõe a Tríplice Coroa, juntamente com o Preakness Stakes e Belmont Stakes. Realizada em Louisville, Kentucky, o Derby é um festival de roupas extravagantes e indivíduos excêntricos. Chapéus vitorianos dividem espaço com fraques, monóculos e cartolas.

O Kentucky Derby é, na verdade, uma espécie de festa a fantasia universitária, onde todo mundo bebe loucamente e faz de tudo um pouco. Só que no Kentucky Derby também há cavalos. Muitos justificam que os belos equinos são, na verdade, os protagonistas do espetáculo. Eu, no entanto, tenho minhas dúvidas. Afinal, o evento possui um coquetel oficial – o Mint Julep. O que sugere que os animais de grande porte estão lá apenas para justificar uma coisa ou outra.

Essa impressão fica mais forte ao saber que a corrida possui também um bourbon whiskey oficial, usado como matéria prima do drink. O Woodford Reserve. Se você acha isso besteira, deixe-me apresentar aqui alguns números. Em 2015, foram usados 5.040 litros de Woodford Reserve para produzir 127.341 mint juleps durante as festividades equídeas. É whiskey demais para uma simples corrida de cavalos.

Ah, aquilo lá longe é um cavalo?

A escolha do Woodford Reserve como bourbon whiskey oficial do Kentucky Derby não é por acaso. A destilaria – chamada Labrot & Graham – pertence à Brown-Forman, o mesmo grupo por trás da Jack Daniel’s. Porém, os Woodford possuem um perfil mais refinado e são conhecidos por trazer belas inovações ao mercado. Como, por exemplo, seu Woodford Reserve Double Oaked, lançado em 2012.

O Woodford Reserve Double Oaked começa sua vida como um Distiller’s Select. Porém, após sua primeira maturação, é transferido para barricas altamente torradas e levemente tostadas para ser finalizado por um período de, aproximadamente, nove meses. Esta pequena gestação traz ao whiskey um sabor enfumaçado, mas não à moda dos whiskies turfados. É algo como um caramelo queimado, algo adocicado e ao mesmo tempo picante.

O processo de finalização no mundo dos bourbon whiskeys não é algo exclusivo da Woodford Reserve. Basta pensar no Angel’s Envy, finalizado em barricas de vinho do porto. Porém, a inovação do Woodford Reserve Double Oaked é a utilização de barricas de carvalho americano virgens. Não há a influência de qualquer outra bebida que teria ficado naqueles recipientes antes. A diferença está, simplesmente, no processo de torra e tosta do barril. Aliás, as barricas virgens de carvalho que maturam o Woodford são produzidas na Brown Forman Cooperage, que também é responsável por fabricar aquelas usadas pela Jack Daniel’s. Isso permite que a destilaria escolha a dedo apenas as melhores barricas para maturar seu bourbon.

Torra dos barris

A Labrot & Graham possui também a curiosa tradição de fermentar seu mosto por um período maior do que o costumeiro. A maioria das destilarias de bourbon whiskey realizam o processo em 3 dias, produzindo um distiller’s beer com graduação alcoólica em torno de 9%. A Labrot, no entanto, fermenta seu mosto por 6 dias, elevando a graduação para aproximadamente 11%. Este fermentado é então destilado três vezes em alambiques de cobre. O produto resultante é então reunido com outro destilado, produzido em destiladores contínuos da Brown Forman Distillery, no Kentucky.

Apesar do Woodford Reserve Double Oaked não estar disponível em lojas brasileiras, ele pode ser facilmente encontrado nos freeshops de nossos aeroportos internacionais. Seu preço é de US$ 50,00 (cinquenta dólares). E não, não é necessário usar chapéus extravagantes e nem admirar equinos para comprá-lo.

 WOODFORD RESERVE DOUBLE OAKED

Tipo: Bourbon

Marca: Woodford Reserve

Região: N/A

ABV: 43,2%

Notas de prova:

Aroma: Caramelo. Açúcar mascavo e baunilha.

Sabor: Calda de caramelo queimada. Pudim. Final longo, com caramelo e açúcar mascavo.

Disponibilidade: Duty Frees de aeroportos brasileiros / lojas internacionais