Entrevista com Mathieu Deslandes – Diretor de Marketing da Royal Salute

O supérfluo é uma coisa extremamente necessária“, escreveu Voltaire. Eu, autor de um blog sobre um dos mais supérfluos artigos do mundo – whisky – tenho que modestamente concordar com o aparente paradoxo de Voltaire. Whisky é uma necessidade desnecessária – como automóveis esportivos, roupas de grife e aquela torneira de cozinha de casa de rico, que tem uma molinha enrolada. Meu deus, como quero uma torneira daquelas!

Há um irremediável desejo no supérfluo. Afinal, é de nossa natureza almejar o que ainda não alcançamos. Ou melhor, almejar uma variação que consideramos melhor daquilo que já temos. Uma torneira normal não é um objeto de desejo. Uma daquelas sofisticadas sim, ainda que sua função seja, essencialmente, a mesma. De Voltaire, passo para Chanel, que disse que “o luxo é a necessidade que surge quando o necessário já foi satisfeito“.

No mundo dos whiskies, isso fica absolutamente claro. A grande maioria das marcas busca transmitir algum valor ligado ao luxo. Sofisticação. Elegância. Esclarecimento. Exclusividade. E poucas fazem isto com tamanha maestria quanto a Royal Salute. A começar pela idade de seu produto de entrada. Como se autodefinem, ao referenciar a idade mínima de vinte e um anos “a Royal Salute começa onde os demais terminam“.

Atualmente, o homem responsável por enfeitiçar as pessoas com toda magia da Royal Salute é Mathieu Deslandes, diretor de marketing da marca. A convite da Royal Salute, este Cão teve a incrível oportunidade de entrevistá-lo durante sua viagem a Coréia do Sul – onde foram lançadas duas novas expressões do portfólio permanente da marca.

E a impressão que tive é que Mathieu Deslandes não é apenas diretor da marca. Mas sua encarnação. Sofisticado, mas ao mesmo tempo bem humorado e gentil, o diretor explicou sobre a motivação por trás da diversificação do portfólio, bem como as especificidades do mercado de luxo. E é esta conversa que você confere aqui, com exclusividade.

Me conte um pouco sobre os novos produtos. Por que diversificar o portfólio?

Na verdade, estamos apelando para o amante do whisky, na Royal Salute. Quando você chega a este nível de qualidade, não é por acaso, mas porque você ama whisky e quer experimentar algo mais.

E, durante os últimos vinte anos, tem havido muito mais opções de whiskies, especialmente liderados por single malts, com propostas muito diversas. Então, parece-me que, se quisermos defender o whisky de luxo, não podemos ser apenas um. Temos de oferecer aos nossos consumidores a oportunidade de experimentar algo diferente, de descobrir.

E eu acho que o que é fascinante sobre o trabalho que fizemos com Sandy Hyslop, o master blender, é o quanto podemos diferenciar o sabor do whisky apenas pela escolha dos barris, e pela escolha do líquido que você usa. Você verá hoje à noite a diversidade que podemos obter, ainda sendo um whisky de 21 anos de idade.

A razão pela qual escolhemos 21 anos é que faz parte do DNA da Royal Salute. Quando a marca foi criada, foi criada como um 21 anos. E 21 é uma referência à Twenty One Gun Salute. Então, não é uma idade por acidente. É uma idade com um forte significado. E é por isso que comemorar essa idade é tão importante para nossa narrativa.

E por que um blended malt (The Malts Blend)? E qual o diferencial do The Lost Blend?

Tudo é um blend para nós. Na Royal Salute acreditamos em blends. Não é que os blended whiskies sejam melhores que os single malts, ou que os single malts sejam melhores que os blends.

Há uma referência que costumamos usar. Single malts são solistas na música. E os blended whiskies são como uma orquestra. Você pode ter um bom intérprete solo ou um mau intérprete solo. Você pode ter uma orquestra boa ou ruim.

Mas nós, como marca, fomos criados como um blend, então permanecemos fiéis a isso. É verdade que o perfil do sabor do single malt é algo que vem se desenvolvendo muito. É algo que é mais forte em termos de personalidade, menos suave. Por isso, foi interessante entrar nesse campo como uma forma de diversificar nosso portfólio para o consumidor (no caso do Malts Blend).

Royal Salute Malts Blend

Para o Royal Salute 21 The Lost Blend, há bastante whisky vindo de Caperdonich, uma destilaria que foi desativada, que tem um perfil apurado de sabor, então você encontrará este perfil de sabor mais forte nele.

Royal Salute possuía uma das mais belas embalagens do mundo. Por que mudar? E por que a embalagem é importante? Ela afeta a experiência?

Creio que a embalagem afeta sim a experiência do consumidor. É a primeira coisa que você vê antes de beber. Você vê uma garrafa, você vê uma caixa. Então, é uma maneira de comunicar o que você quer expressar sobre a marca. Mas tem que ser consistente. Tem que ter consistência do que você bebe e o que você vê.

E o segundo aspecto é importante porque, nessa faixa preço, há muitas pessoas dando Royal Salute de presente. E, como sabemos, quando você dá um presente, a embalagem também é importante. Então, o que achamos interessante sobre essa evolução foi usar a embalagem mais como uma narrativa.

Escolhemos trabalhar com Kristjana Williams, a artista por trás das ilustrações, para expressar a história de um zoológico real. O que estava acontecendo na torre de Londres – um lugar onde todos os animais que os reis e rainhas recebiam como presente eram mantidos. É uma história verdadeira, com leões, elefantes. É o que queríamos retratar na ilustração, na nossa narrativa. De uma forma criativa e artística, porque o consumidor de luxo hoje espera essa audácia e criatividade

Storytelling?

Storyelling. Por isso que encontramos uma boa combinação entre o lado de fora da caixa, que é mais conservador, mais sério. Mas porque nós diferentes, usando o interior de uma caixa para usar a narrativa

Ilustração Kristjana Williams para Royal Salute

De todos os lugares do mundo. Por que a Coréia?

A Ásia, globalmente, quando se trata de whisky de prestígio, é um mercado importante. Segundo, porque a Coréia especificamente, se você combinar o que vendemos no mercado doméstico com o que vendemos em duty free – porque muitos clientes coreanos compram em freshops – fazem da Coreia a nacionalidade número 1 das pessoas que compram Royal Salute.

Mas para ser honesto, fizemos eventos de pequena escala, um em Nova York e outro em Londres, porque quando se trata de luxo, não há limites. O luxo é global. Então, precisávamos ter certeza de que estávamos fazendo uma referência nos EUA e outra na Europa.

O que há de diferença no mercado de luxo para o mercado normal? E o que acha sobre o mercado de whiskies de luxo na América do Sul e Brasil?

O que é diferente no luxo é que não há meio-termo. Não há meio-termo na qualidade, nem meio-termo em qualquer coisa que você faça, porque há uma expectativa de que algo seja excepcional quando você compra luxo.

Então, neste mindset, tento comparar com outras marcas de luxo que não são bebidas alcoólicas, ao invés de comparar com outras marcas que são whisky que não são de luxo. O que é importante para nós é ter uma mentalidade de luxo. E a mentalidade do luxo é ser excepcional em tudo que fazemos – o whisky, o pacote, a experiência, a comunicação. Tudo tem que ser excepcional.

Falando sobre o Brasil – em todos os mercados do mundo, há um espaço para pessoas que estão à procura de luxo. O Brasil é um grande mercado para o whisky. As pessoas gostam e conhecem whisky. O importante é que desenvolvamos uma cultura sobre o whisky de luxo. Talvez já esteja lá para champanhe. Provavelmente menos para o whisky.

Mas é nossa responsabilidade nos conectarmos com o influenciador certo, o bartender, restaurante, consumidor, imprensa, revista, seja o que for, para falar sobre Royal Salute, porque provavelmente o problema de Royal Salute não é sua qualidade, mas o fato de não ser conhecido. Portanto, nossa primeira missão em muitos países do mundo é garantir que a Royal Salute seja conhecido. Mas de uma maneira muito diferente você faria com um whisky mais acessível. O que importa não é o número de pessoas que você alcança, mas a qualidade da maneira como você as alcança e a experiência.

Não temos nada a dizer sobre fazer algo a curto prazo. Mas algo mudando o jogo e a longo prazo. E isso requer tempo.

Os 4 whiskies com maior graduação alcoólica a venda no Brasil

Humphrey Bogart, na adaptação de O Falcão Maltês, disse que o problema do mundo é que todos estão algumas doses atrasados. Tive que concordar. Muita coisa melhora com um pouquinho de whisky – compromissos familiares e festa do escritório, por exemplo. É como aquela frase pronta, que circula na internet. “Odeio quando dizem que não preciso de whisky para me divertir. Eu também não preciso também de tênis para correr – mas ajuda um bocado.”

Arrisco aqui complementar o sofismo. Se o objetivo for correr o mais rápido possível, alguns tênis são bem melhores que outros. E se a ideia for chegar ao ponto de achar graça até no palhaço do seu chefe que não te dá aumento há três anos, alguns whiskies são bem mais eficientes do que outros. O que vale, aqui, é a graduação alcoólica. Quanto maior, mais rápido você atingirá seu objetivo.

#goal

Mas um whisky com graduação alcoólica elevada não é apenas um atalho para chegar àquele divertido estágio em que os limites sociais se tornam um pouco embaçados. É muito mais do que isso. Eles costumam ser mais intensos também, por serem menos diluídos, e apresentarem maior concentração de congêneres. Como, por exemplo, esteres, ácidos e aldeídos, responsáveis por trazer sabor àquela incrível bebida.

Óbvio que há infinitas exceções, já que fatores como o tipo de destilação e o formato do alambique desempenham um papel importantíssimo na separação dos congêneres do mosto fermentado. Porém, de uma forma bem simplista, poderíamos dizer que certo whisky com maior graduação alcoólica, geralmente, será mais intenso também em sabor.

Assim, sempre preocupado com o bem estar de seus leitores, este Cão preparou uma lista com os quatro whiskies mais alcoólicos à venda oficialmente no Brasil. Porque, afinal, ninguém corre uma maratona descalço.

ARRAN MACHRIE MOOR CASK STRENGTH

O nome denuncia um whisky com uma característica bem incomum no Brasil. Cask Strength. São whiskies que não sofrem qualquer diluição após serem retirados do barril. A graduação alcoólica do Machrie Moor Cask Strength é de 56,2% – a maior já vista por aqui.

Sensorialmente, o Machrie Moor Cask Strength é um whisky extremamente enfumaçado e picante, com uma nota frutada doce que remete a pêssegos. Com um pouco de água – algo como um terço da dose – a pungência é aliviada, e um aroma salino é revelado. Porque, de doce, já tem a vida depois de duas doses desse daqui.

ARRAN THE BOTHY

Se você ficou impressionado com o Machrie Moor, mas não suporta o aroma defumado, então seu número é o The Bothy. Sua graduação alcoolica é de 53,2%. A maturação acontece em barris de carvalho americano que contiveram bourbon whiskey, e depois em barris menores, chamados quarter casks, também de carvalho americano – um processo que eleva a influência da madeira no destilado muito mais rapidamente do que se fossem usados barris tradicionais.

WILD TURKEY 101 BOURBON

O Wild Turkey 101 é, talvez, até hoje, o mais conhecido whiskey do portfólio da famosa marca do peru selvagem. Possui graduação alcoólica de 50% – bem alta para um bourbon em sua faixa de preço. E tem mais – o whiskey sai das barricas com graduação alcoólica bem semelhante àquela do engarrafamento. 54,5%. Ainda que ele não possa ser considerado “barrel proof”, em que não há qualquer diluição, o Wild Turkey 101 chega bem perto disso.

O Wild Turkey 101 possui sabor adocicado e ao mesmo tempo picante, com caramelo e mel. O final é médio, seco e também picante. É um bourbon whiskey que funciona tanto para ser tomado puro quanto para coquetelaria, onde sua graduação alcoólica elevada é muito bem vinda.

BRUICHLADDICH THE CLASSIC LADDIE

O Bruichladdich The Classic Laddie é um animal recessivo no mundo do whisky. Produzido com cevada escocesa, não filtrado a frio e sem a adição de qualquer corante caramelo. E com graduação alcoólica superior à grande maioria dos single malts à venda por aí. Cinquenta por cento.

Se você procura um whisky de alta octanagem, mas com sabor agradável até mesmo para aqueles que não estão acostumados com single malts – ou whiskies de alta octanagem, claro – o Bruichladdich The Classic Laddie é a melhor escolha.

Aberlour A’Bunadh – Drops 2019

John Wick pode te estrangular usando um telefone sem fio. Uma vez, John Wick foi para Marte – é por isso que lá não há vida. Tudo bem, essas frases na verdade são de Chuck Norris. Mas elas poderiam, muito bem, ser adaptadas para o personagem mais hiperbolicamente mortal do cinema de ação. Ainda bem que ele gosta de cães, senão, eu mesmo ficaria preocupado.

Ao longo dos três filmes, o matador de aluguel despachou duzentas e noventa e nove pessoas. É bastante – quase uma por minuto de filme. Em comparação, o coitado do Rambo matou apenas duzentas e vinte pessoas. E, para isso, ele precisou de um filme a mais. O que talvez torne a franquia John Wick a mais sanguinolenta e mortalmente intensa da história do cinema.

Magoado

Mas o mais incrível é que, apesar dessa chacina, o filme parece até se desenrolar naturalmente. Quer dizer, não tem nada de normal em matar alguém usando um cavalo, um lápis, ou um livro. Mas, no universo vil de John Wick, essas mortes apresentam uma naturalidade quase harmoniosa. Afinal, é o John Wick, o que você espera que ele vá fazer com um livro numa biblioteca? Ler?

Se fosse um whisky, Wick seria, certamente, o Aberlour A’Bunadh. Exagerado em quase tudo mas, ao mesmo tempo, de uma naturalidade assustadora. Aliás, é justamente isso que seu nome indica. A’Bunadh, em gaélico, quer dizer “original” – uma homenagem de sua destilaria, a Aberlour, aos processos tradicionais de produção de single malts, do começo do século XX.

O Aberlour A’Bunadh é um single malt sem idade declarada, produzido em edições limitadas anuais, cuja graduação alcoólica frequentemente supera os 60%. Sua maturação ocorre exclusivamente em barricas de carvalho europeu que antes contiveram vinho jerez. Essa combinação – jerez e alta octanagem – é até frequente no mundo do whisky. Porém, o equilíbrio alcançado pelo A’Bunadh é bastante raro.

Parte dessa característica se dá por conta de seus alambiques. a destilaria utiliza alambiques, que têm formato de pêra e são relativamente baixos. Seus lyne arms são voltados para baixo, para maximizar a condensação e reduzir o refluxo. Para reduzir a pungência de seu new-make, a Aberlour possui um processo bastante vagaroso de destilação. Tudo isso contribui para um destilado bastante oleoso, mas menos agressivo do que aparentaria.

Os alambiques da Aberlour (fonte: Whisky.com)

Se você gosta de whiskies extremamente intensos e vínicos, o Aberlour A’Bunadh será seu preferido por muito tempo. E espero que não seja morto por dizer isso, mas tenho certeza que John Wick só bebe bourbon em seus filmes porque ele nunca provou o Aberlour A’Bunadh.

ABERLOUR A’BUNADH (BATCH 63)

Tipo: Single Malt com sem idade declarada (NAS)

Destilaria: Aberlour

Região: Speyside

ABV: 61,0% (variável de acordo com o lote)

Notas de prova:

Aroma: frutado e adocicado, com especiarias.

Sabor: frutado, frutas vermelhas e passas (mas de um jeito bom). Final longo, vínico e picante.

Com água: o sabor fica mais adocicado e menos picante.

Disponibilidade: Lojas internacionais

The Rapscallion – Das Trocas

Há umas semanas, fui numa hamburgueria nova que abriu aqui perto de casa. Olhei o menu. Hambúrguer de shimeji, linhaça, soja. Acenei pro garçom, que se dirigiu até minha mesa com um sorriso condescendente, talvez antecipando minha indagação. “Só tem hamburger vegano, não tem de carne, carne mesmo?” perguntei.

Não tem, essa é nossa proposta. Prova o vegano, você vai achar super gostoso nem vai notar a diferença. O de shimeji é nosso carro chefe, parece até hambúrguer de picanha” . Ponderei por alguns instantes, mas decidi deixar o preconceito de lado e provar aquele (nem tão) convidativo disco de fungos moídos. A primeira mordida me deixou intrigado. Na segunda, levantei o braço. O garçom prontamente se aproximou inclinando a cabeça para frente, como se curioso sobre o que viria – “Gostou?” – perguntou. “Cara não é ruim, mas tá longe de um hambúrguer de picanha. Aquela melancia grelhada da Bela Gil tá mais perto de churrasco do que isso tá de um hambúrguer de picanha“.

O garçom, então, fechou a cara e me entregou a conta, como se eu não fosse digno daquele espaço. Fiquei incomodado. Até porque tinha gostado do sanduíche. Só não parecia hambúrguer de picanha. Aquele era o problema. A comparação criara expectativa. Bastava me dizer que era bom, e pronto. “não parece com nada, mas é super gostoso. Aliás, peço antecipadas desculpas à supra mencionada Bela Gil, na remota possibilidade dela ler este post. Mas melancia grelhada não dá. E nem dá pra dizer que aquele emaranhado de pupunha é igual a spaghetti. É ótimo, mas é uma coisa completamente distinta.

Igualzinho macarrão né – Deixa eu pensar, não.

Lembrei desse meu episódio ao provar um coquetel que amei. O The Rapscallion – um drink que poderia até ser considerado uma variação de Rob Roy, não fosse completamente diferente. Mas igualmente delicioso. O The Rapscallion leva scotch whisky – preferencialmente Talisker, mas com uma história curiosa de substituições que não envolvem linhaça – vinho jerez PX e Pastis. Que você pode substituir por absinto, por exemplo.

O The Rapscallion ganhou fama em 2007, ao aparecer na carta do recém-inaugurado Ruby Bar, em Copenhague, que hoje figura na lista dos 50Best Bars. Adeline Shepherd, fundadora do Ruby, teria desenvolvido o drink alguns anos antes, junto com o colega Craig Harper, quando trabalhava em Edimburgo. De acordo com Craig “Em 2003 eu e a Adeline abrimos um bar chamado The Hallion em Edimburgo, e colocamos o drink na carta, feito com Johnnie Walker Black Label (…). Depois do The Hallion, me esqueci do coquetel, até que a Adeline o aprimorou em seu bar Ruby. Talisker funciona muito melhor

De acordo com seus criadores, Rapscallion é uma gíria escocesa, que define uma espécie de malandro. Uma pessoa sem reputação ou dignidade – o que até parece um paradoxo, considerando que o coquetel alcançou fama internacional de uma forma incrivelmente rápida.

A primeira aparição do The Rapscallion na literatura especializada foi no The PDT Cocktail Book, de Jim Meehan, em 2011. A receita lá reproduzida recomendava o uso de absinto ao invés de pastis – principalmente porque a oferta de pastis nos Estados Unidos, na época, era bem escassa – ou quase inexistente. Por conta da receita publicada por Meehan, no entanto, a maioria daqueles que conhecem o The Rapscallion creem que o coquetel leve absinto

Na singela opinião deste Cão, o uso de pastis ou absinto no coquetel é uma questão de gosto. O absinto ressaltará o aroma de alcaçuz, enquanto o pastis, de anis. Eu, com toda incoerência que é própria de nossa raça humana, adoro a primeira essência, mas tenho minhas reservas com a segunda. Assim, com toda vênia pela receita original, prefiro a versão de Meehan, que leva absinto.

Apesar da tenra idade, o The Rapscallion já coleciona uma série de variações. Alias, um fenômeno bastante incomum, próprio de drinks clássicos, ou daqueles que receberam o corolário muito rapidamente, como é o caso do Penicillin. Mas estou a divagar.

Uma dessas versões, servida no incrível Death & Co. de Nova Iorque leva o single malt Aberlour A’Bunadh e um toque de licor de maraschino. É uma versão mais difícil de ser feita – afinal, o perfil do A’Bunadh não é facilmente substituível. Mas o resultado é tão bom, mas tão bom, que este Cão resolveu incluir como uma opção (se você é contra o uso de single malts em coquetéis, clique aqui, ou leia a nota no final da receita).

A versão do Death & Co: Aberlour ao invés de Talisker.

Se você gosta de coquetéis que colocam o whisky em evidência, prepare e prove o The Rapscallion. É um drink memorável, que merece muito mais do que o meteórico reconhecimento atual. E não, você não pode substituir ele por um Manhattan, por exemplo.

1 – THE RAPSCALLION

Original, mas com absinto

INGREDIENTES

  • 2 doses de Talisker 10 anos (você pode arriscar com Johnnie Walker Double Black, apenas reduza um pouco a proporção de jerez PX, para não acentuar demais o dulçor do drink)
  • 1/2 dose de jerez PX (este Cão usou Maestro Sierra PX – a receita original pede 1 dose, mas achamos muito doce)
  • Absinto (ou pastis)
  • taça coupé ou copo baixo
  • parafernália para misturar

PREPARO

  1. Bordeie (ou unte) a taça ou copo com o absinto (ou o pastis).
  2. Adicione os demais ingredientes em um mixing glass com gelo, e misture.
  3. Desça, coando, a mistura no copo untado.

2 – THE RAPSCALLION

Sherry bomb, com licor de maraschino

INGREDIENTES

  • 2 doses de Aberlour A’Bunadh (tá bom, peguem qualquer whisky que seja bastante vínico. Não será a mesma coisa, mas o coquetel continuará ótimo, como, por exemplo Whyte & Mackay 13 ou Chivas Extra)
  • 1/4 dose de vinho jerez PX
  • 1 colher de sobremesa de licor de maraschino (Luxardo)
  • Absinto
  • Single malt defumado (como, talvez, o Laphroaig 10 anos), ou blend bastante defumado, para bordear.
  • Taça coupé ou copo baixo
  • parafernália para misturar

PREPARO

  1. Bordeie (ou unte) a taça ou copo com o whisky defumado. Nem vou falar pra descartar o excesso. Beba as gotinhas que sobraram.
  2. Adicione os demais ingredientes em um mixing glass com gelo, e misture.
  3. Desça, coando, a mistura no copo untado de whisky.

NOTA: Tanto a receita original quanto a variação do Rapscallion pedem single malts, ainda que de perfis distintos. Na opinião deste Cão, se houver algum outro whisky, preferencialmente um blended scotch, com perfil sensorial semelhante, a substituição pode ser feita tranquilamente. No entanto, a prática mostrou que o uso de um blend pode afetar bastante o sabor do drink, e desequilibrá-lo (por exemplo, o Double Black é um blend defumado, mas seu perfil sensorial é muito diferente daquele do Talisker, que é mais marítimo). De qualquer modo, sinta-se livre para usar o whisky que desejar, ainda que, neste caso, este Cão recomende fortemente o uso dos maltes.

Entrevista com Sandy Hyslop – master blender da Royal Salute

Sábado passado fui pegar minha filha numa festinha infantil. Quando ela entrou no carro, notei que estava radiante. Mais do que de costume. Indaguei da razão de todo aquele entusiasmo. É que a festa era de Star Wars, e eu conheci a Leia. Quando crescer, quero ser igual a Leia – respondeu.

Não entendi bem se ela queria ser princesa, controlar a Força, se apaixonar por um malandro ou ser sequestrada por um slime gigante com um tesão meio doentio por fêmeas de outras espécies. Mas, no fundo, compreendi a razão do arrebatamento. A Leia era um ídolo absoluto de minha pequena.

Seria como se, um dia, um entusiasta automobilístico conhecesse Sir Stirling Moss. Ou um aficionado por filmes visse Jean-Luc “Cinemá” Godard. Ou certo admirador das artes plásticas conversasse com Jackson Pollock. Ou, finalmente, um entusiasta de whiskies como este Cão tivesse a oportunidade de entrevistar um grande master blender. Como, diremos, Sandy Hyslop – o diretor de blending da Chivas e responsável pela criação dos Royal Salute.

E foi justamente isso que aconteceu, graças a um incrível convite da Royal Salute. Durante sua viagem para a Coréia do Sul, este Cão teve a oportunidade de entrevistar Sandy, que foi extremamente simpático, e nos contou sobre a reestruturação do portfólio permanente da marca, sua trajetória como master blender e alguns de seus interesses fora do mundo dos whiskies. E é essa conversa que você confere a seguir.

1) Seu trabalho é provavelmente o mais cobiçado por todos os entusiastas do uísque. O que é preciso para se tornar um Master Blender? E como é isto?

É absolutamente fabuloso ser um master blender para a Royal Salute. É uma grande honra para mim ser responsável por um uísque tão prestigiado com uma história e linhagem tão fabulosa.

Para se tornar um master blender, você precisa ter um bom olfato. Você precisa ser um apaixonado por whisky. Você precisa entender que um blender trabalha com todo o espectro do processo de fabricação de whisky. Muita gente acha que um blender está sempre produzindo novos whiskies, trabalhando com whiskies maturados por mais de 21 anos. Mas estou trabalhando desde o dia em que o whisky é destilado. Quando um novo whisky é destilado, ainda que tenhamos gerentes em nossas destilarias, sou eu o responsável pela qualidade do que eles produzem.

Sandy trabalhando

E eu divido minha semana, eu trabalho dois dias em Speyside e três dias em Glasgow. Então, eu cuido do gerenciamento do processo de fabricação de whisky em ambas as extremidades. Eu sou responsável pela qualidade (do new-make), mas também pelos barris que compramos. Portanto, há uma qualidade sobrejacente a ser satisfeita durante todo o processo.

2) Conte-me um pouco sobre as novas expressões, e o que os consumidores devem esperar de cada uma delas. Você revelaria os single malts base de cada uma dessas criações excepcionais?

Absolutamente. É pessoalmente muito emocionante para mim poder introduzir duas novas expressões da Royal Salute sob o meu mandato como um master blender. Porque não é frequente que existam novos lançamentos permanentes adicionados à família de whiskies da Royal Salute.

Obviamente, pretendemos continuar com o clássico Royal Salute (que agora se chama The Signature Edition), que tem sabores ricos, aveludados e frutados. E que é incrível, é super cremoso e suave.

A nova cara do clássico

Nós vamos adicionar a isso (a linha) o Malts Blend, que é realmente emocionante para mim, porque eu acho que para pessoas que bebem malt whiskies, isso vai ser algo especial, porque é muito complexo. Estamos usando uma gama de diferentes single malts.

Estamos usando mais de 21 single malts diferentes na mistura. É complexo. Cada barril é individualmente analisado, e no final você tem algo que é bastante frutado. É como pêssegos e xarope. É bem doce. Assim como aqueles doces cozidos à moda antiga, em uma jarra. E tem um certo apimentado também. É muito luxuoso. Muito sabor, muito concentrado.

O Lost Blend é interessante também. Eu queria que todas as três expressões fossem muito diferentes. Seja o clássico Royal Salute, seja algo concentrado em ricos e frutados (em referência ao Malts Blend).

Então para o Lost Blend, eu queria ter um pouco de nozes e tempero, mas eu também queria que fosse esfumaçado. Estamos usando algumas destilarias que não existem mais misturadas com outras destilarias. Então, tem alguns uísques muito raros em sua composição. Há whiskies como Imperial, Caperdonich e Dumbarton Green entre muitos outros no Lost Blend.

Por isso é chamado de Lost Blend?

É por isso. Porque tem algumas destilarias que são silenciosas, não existem mais, maltes que são realmente difíceis de encontrar.

Eu também queria que (o Lost Blend) tivesse alguma sensação tradicional. Eu queria que ficasse um pouco de fumaça, mas também usei um pouco mais de madeira tradicional, alguns hogsheads (barricas) e botas (butts, de sherry) em vez dos barris de carvalho americano. Por isso ele também tem aquele maravilhoso tipo de sabor de avelã.

Já o Malts Blend usa mais carvalho americano. Tem Strathisla na mistura, também Longmorn. Alguns maltes verdadeiramente clássicos. Mas, obviamente, sendo um blended malt, ele foi para o lado frutado. Absolutamente fantástico se você quiser misturá-lo. Nós vamos tomar um coquetel (com ele) hoje à noite. É incrível, será sem dúvida o coquetel mais luxuoso que você jamais terá.

Curioso que o Lost Blend é turfado. No portfólio da Pernod, há algum malte turfado?

Atualmente, temos o Allt-a-Bhainne. Nós turfamos Allt-a-Bhainne. Mas também trocamos (maltes) com nossos concorrentes todos os anos. Na Escócia, não gostamos de comprar, não gostamos de gastar dinheiro. Então nós trocamos para obter sabores extras. Para mim, é como comprar ingredientes extras para o portfólio. E nós os trazemos como new-make spirit, nunca os compramos maturados. Nós os compramos novos e os colocamos em nossos próprios barris, e administramos o sabor desde o primeiro dia. Portanto, temos controle total desde o início. Isso torna o resultado final muito mais fácil.

Blends de luxo tendem a receber críticas de whisky geeks, especialmente aqueles que apreciam single malts mais do que blends. Qual a sua opinião sobre tal preconceito?

Eu acho que single malts, bem. Se você gosta de um tipo particular de sabor, você vai adorar single malts, e você será atraído para esse sabor o tempo todo. Mas eu acho que algo como um blended malt da Royal Salute é muito mais complexo do que um single malt. Vai ser muito mais multidimensional, tem muito mais camadas de sabor quando você bebe esse uísque. Não será apenas uma explosão de um sabor particular. Você terá doçura, um pouco de frutas cítricas, e o nível de finalização que você terá – quando o uísque começar a desaparecer no paladar – é muito maior. Um pouco de fumaça lá também.

É sobre equilíbrio, complexidade e suavidade também. Você pode alcançar um ótimo nível de suavidade, juntando todos esses maltes diferentes.

Whiskies sem idade declarada são uma tendência na indústria de whisky. No entanto, a Royal Salute permaneceu fiel à idade mínima de 21 anos. Você prevê isso no futuro?

Absolutamente. É a referência da Royal Salute. Se fôssemos fazer algo que não tivesse 21 anos – o que não temos hoje – teria que ser algo bem especial. Seria algo de um barril muito exótico.

Eu acho que nossos consumidores entendem a qualidade. Há 21 anos, estabelecemos o estoque e nos comprometemos a fazê-lo. É o único uísque no mundo que está continuamente disponível com 21 anos de maturação desde 1953. Nenhum outro whisky conseguiu isso.

E há alguns whiskies no mercado que têm uma imensa reputação, mas em nenhum deles há a garantia de que cada gota dentro da garrafa possua 21 anos. E isso é o mínimo. Este ano estou usando whiskies de 21 a 25 no blend. Então, há uma mistura de idades nesse blend, mas cada gota tem mais de 21 anos de idade.

Por último, uma questão mais pessoal. Eu vi o seu Instagram. Então, Nissan Cubes e relógios. Quaisquer outras paixões / hobbies?

Oh, eu realmente amo o formato deles ( dos Nissan Cubes), eu acho que eles são realmente estilosos. No Japão eu vi muitos deles, e senti que tinha que ter um. Então aquele veio de Tóquio. E ele tem rodas azuis. Minha esposa não gosta tanto das rodas azuis. Ela diz para mim “o carro é okey, mas ele tem que ter rodas azuis?”

Meu pai tinha seu próprio negócio de antiguidades, então, colecionar antiguidades e coisas antigas está realmente no sangue. Eu tenho muitas coleções de coisas. Eu tenho canetas, sou um acumulador. E enlouqueço minha esposa trazendo coisas que comprei em minhas viagens. Às vezes eu deixo (a coisa) na garagem primeiro, e depois de alguns dias eu vagarosamente introduzo na casa.

Essa é uma boa estratégia!

É, funciona!

Arran Port Cask Finish – Obsessão

Pode parecer óbvio o que vou dizer a seguir, vindo de um blog monotemático como este. Mas eu tenho umas pequenas obsessões. E não é o whisky, mesmo porque o whisky é uma obsessão bem grande tanto é que a Cã uma vez encontrou uma garrafa de whisky no armário do banheiro, do lado do antisséptico bucal, porque não tinha mais lugar pra colocar aqui em casa.

Não. São obsessões pequenas, quase imperceptíveis, mas que me dominam completamente quando despertam. Uma delas é o número de cuecas que eu coloco na mala pra viajar. Tem que ser umas três por dia, no mínimo. Sei lá, eu sei que uma ou duas basta, mas alguma coisa dentro de mim sempre diz “olha, coloca mais umas. Dez cuecas para dois dias dias tá pouco“.

Outra é mostarda. Eu adoro mostarda. Não consigo ir no supermercado sem comprar ao menos um vidrinho de mostarda, mesmo sem precisar. Se um dia, num supermercado angelical houvesse na gôndola a melhor mostarda do mundo ao lado da mais jubilosa vida eterna, e tivesse que escolher apenas uma delas, eu pegaria a primeira. Fácil. Morreria agarrado nela.

Uma das muitas versões do Céu.

E há uma situação ainda mais grave, quando há uma interseção entre os conjuntos formados por uma obsessão grande e uma pequena. Whiskies. Vinho do porto. Whiskies envelhecidos em barris de vinho do porto. Sou incapaz de ver um e resistir. E sempre os adoro. Laphroaig Brodir, Kilchoman Port Cask, Glenmorangie Quinta Ruban, Bowmore Vintner’s Trilogy 27 anos. E o recém-chegado ao Brasil, e tema desta prova, Arran Port Cask Finish.

O Arran Port Cask Finish é justamente o que seu nome indica. Um single malt maturado por aproximadamente oito anos em barris de carvalho americano de ex-bourbon, e finalizado em barris de carvalho europeu que antes contiveram vinho do porto. A Arran não divulga exatamente o tempo de maturação e nem de finalização, e tampouco o tipo de vinho do porto utilizado.

O Arran Port Cask Finish, assim como todos os Arran, não passa por filtragem a frio, e sua cor – aliás, uma impressionante e belíssima cor rubi – é natural. Não há adição de qualquer corante. E para melhorar, a graduação alcoólica é um tanto generosa. 50%. Há um certo sabor apimentado subjacente, mas é um malte pouquíssimo agressivo.

Aliás, vale aqui uma observação. Enquanto pesquisava sobre o whisky tema da prova, notei que muitas fontes sugeriam consumir o Arran Port Cask Finish adicionando um pouco de água. De acordo com tais fontes, a graduação alcoólica elevada escondia seus sabores mais discretos. Ainda que concorde com a prática, a opinião deste Cão é que o Arran Port Cask Finish oferece uma experiência sensorial bastante complexa mesmo em sua graduação alcoólica natural. Adicionar água reduzirá seu apimentado, mas, não o torna mais complexo.

A Arran é uma destilaria bastante jovem. Ela foi fundada em 1995, e seu primeiro single malt foi lançado em 1998. De lá para cá, o portfólio se expandiu de forma inacreditável. Atualmente, são mais de dez expressões. Há whiskies com idade determinada – 10, 14, 18 anos. E também alguns sem idade definida, como Lochranza. Há também uma linha defumada – os Machrie Moor – e uma com finalizações especiais, da qual o Port Cask Finish, lançado em 2010, faz parte.

A Arran.

Se você – assim como eu – não consegue resistir a um whisky finalizado em barris de vinho do porto, ou se procura um single malt adocicado, frutado mas com uma personalidade bastante marcante, recomendo que prove o Arran Port Cask Finish. Ou melhor, não. Pensando bem, não prove o Arran Port Cask Finish não. Melhor não arriscar – vai que você cria uma nova obsessão.

ARRAN PORT CASK FINISH

Tipo: Single Malt sem idade declarada (NAS)

Destilaria: Arran

Região: Higlands (Islands)

ABV: 50%

Notas de prova:

Aroma: Bastante frutado. Frutas vermelhas. Figo, baunilha.

Sabor: Frutado e bastante intenso. Frutas vermelhas, calda de açúcar. Bastante apimentado, especialmente no final. Final longo e intenso.

Com água: a água torna o whisky menos apimentado, e intensifica o final frutado.

Preço: R$ 355,50 no boleto, na importadora oficial, a Single Malt Brasil.

Johnnie Walker Toolbox – Drops Paternos

Me perguntaram, recentemente, o que significa ser pai. Fiquei em dúvida em como responder politicamente a pergunta. Afinal, quem indaga isso espera um testemunho do deleite da paternidade. Respondi que é como ser esmigalhado pela mais encantadora indiferença. E notei um certo desconforto no olhar do interlocutor.

É que ser pai é ir no show e passar mais da metade do tempo na fila comprando batatinha e pão de queijo. Pra, depois, ser ignorado ao brigar com seus filhos porque comeram o salgadinho que caiu no chão. Aquele chão molhado, imundo do caldo de toda aquela gente pulando, suando, babando e derrubando coisas.

Ser pai é repetir a mesma coisa pela décima vez, porque nas nove anteriores, a Elsa e o Woody estavam com fome. Ser pai é usar sua própria experiência e exemplo para aconselhar seu filho ou filha, só pra descobrir que ele fez exatamente aquilo que você disse para não fazer. E, por fim, é reconhecer que fiz tudo aquilo igualzinho com meu pai – por experiência própria, porque quando ele me disse o que aconteceria, eu ignorei.

Ser pai é, em resumo, ser um trabalhador invisível e inaudível. Exceto, claro, quando requisitado. Aí, ser pai é ser lembrado. Lembrado pra dar opinião (opinião, não ordem!) quando solicitado. Pra pegar a cria na festa, ajudar no dever de casa e arrumar tudo aquilo que quebrou em casa, e é arriscado, asqueroso ou insalubre demais para qualquer outra pessoa arrumar.

E ainda que a gente mereça tudo, não cobramos nada. Porque a recompensa vem quase automaticamente. Um sorriso, um abraço, um beijo. É arrebatadoramente mais do que tudo que poderíamos desejar. Mas, mesmo assim, se porventura desejasse algo físico, este algo, neste dia dos Pais, seria certamente a nova Johnnie Walker Toolbox. Ainda mais para um pai entusiasta dos whiskies, como este Cão.

Não sabe consertar? Não tem problema, faz um Black Sour.

A Toolbox faz parte de uma campanha da CP+B Brasil, denominada “Explore as Possibilidades de ser Pai” para a Johnnie Walker. De acordo com Marcelo Rizério, diretor de criação da agência “Essa campanha desconstrói a imagem tradicional dos pais; e a forma que encontramos de materializar essa mensagem foi também desconstruindo o presente tradicional de Dia dos Pais, transformando a antiga caixa de ferramentas convencional em uma nova experiência“.

UMA CAIXA DE FERRAMENTAS REINVENTADA

Na Johnnie Walker Toolbox não há martelos, chaves de fenda, alicates ou quaisquer ferramentas para consertos desagradáveis. Mas sim acessórios para a preparação de coquetéis idealizados pela Johnnie Walker, como o Black Sour – a caixa preta – e o Red Highball, de caixa vermelha. As toolboxes são comercializadas exclusivamente no e-commerce da Diageo, o TheBar.com.br . Em lojas físicas e demais lojas virtuais, haverá também um pack especial de dias dos pais, que traz uma garrafa de Red Label acompanhada de um copo baixo e outro alto, para preparação de coquetéis que levam os whiskies da marca.

Além dos presentes, a Johnnie Walker – com o auxílio da agência de comunicação [Em Branco] entrevistou e produziu vídeos com um time bastante diverso de pais, como Elam Lima (Cuca de Pai, Cachola de Mãe) Hélio Gomes (Afropai), Alexandre D’Agostino (Apothek Cocktails & Co), Eduardo Sena (Hora do Gole) e Michel Berndt (Mix-o-logic), entre outros, para entender o conceito de paternidade que possuíam.

Este Cão, como um pai, entende que o conceito de paternidade é tão diverso como o mundo do whisky. E que para ser um bom pai, não são necessários quaisquer instrumentos especiais. Apenas dedicação e amor desinteressado. Mas uma certa Toolbox, de vez em quando, nos ajuda a lembrar que não somos imateriais.

Royal Salute 21 The Lost Blend – Das distinções

Em julho deste ano viajei, a convite da Royal Salute, para a Coréia do Sul, para provar o novo portfólio permanente da marca. E me surpreendi. Tanto com os whiskies quanto o país. É que a Coréia do Sul, para falar a verdade, é bem parecida com a gente. Lá tem tudo que tem aqui, mas as coisas são um pouquinho diferentes. Por exemplo, no prato, tem frango, carne, peixe. Mas o tempero é outro. E não tem muito feijão. Mas quase virtualmente em toda refeição tem alguma coisa de kimchi.

Na nossa superstição, o número treze dá azar. Lá, é o quatro. As ruas não tem muitas palmeiras por lá, mas são cheias de cerejeiras. Na Coréia do Sul, quase todo mundo usa maquiagem, e tudo bem. Os semáforos falam e fazem um barulhinho engraçado quando você atravessa a rua, sei lá por que. E as pessoas usam máscaras contra poluição.

E a língua, bom, a língua é totalmente e desesperadoramente diferente, a ponto de eu não saber nem como falar sim e não ou pedir pro taxista me levar pro hotel, porque, quando eu pedi, ele entendeu outra coisa e me deixou em um bar. O que até foi uma surpresa boa, porque eu achei providencial beber algumas doses para aliviar a jet lag. Depois, claro, de ter que explicar, por mímica, o que queria beber para o bartender.

Pelamordedeus!

E – para fazer um paralelo com o objetivo de minha viagem – a Coreia está para o Brasil assim como o Royal Salute 21 The Lost Blend está para o Signature Edition – aquele Royal Salute, que já conhecemos. Porque eles dividem o mesmo DNA. São whiskies sofisticados, delicados e extremamente agradáveis. Possuem belíssimas garrafas de porcelana e exalam sofisticação. Mas, sensorialmente, são distintos. Enquanto o Signature é floral e perfumado, o Lost Blend traz um tempero e uma fumaça maravilhosos.

Nas palavras de Sandy Hyslop, master blender e criador do Royal Salute 21 Lost Blend, durante seu lançamento oficial “Eu queria um whisky com sabor bem tradicional em sabor. Mas cujo aroma tivese um pouco de fumaça picante e de fogueira (…). Se você tomar um pequeno gole do Lost Blend, você verá que um certo sabor de laranja vem em abundância. Mas junto com ele, há uma fumaça, um aroma de fogueira, incrível. E também um sabor de avelã, proveniente dos barris de carvalho tradicionais (carvalho americano) usados no blend. O Royal Salute Lost Blend tem uma finalização incrivelmente longa, e leva bastante tempo para desaparecer na língua, e é aí que você percebe seu sabor defumado

Sensorialmente, para este Cão, o Lost Blend se aproxima bastante da descrição dada por Sandy. É um blended whisky delicado, extremamente refinado e nada agressivo. Seu aroma é pouco defumado – no nariz, o que se sobressai, é um frutado cítrico, bem característico, aliás, do tradicional Royal Salute. Porém, no sabor, pode-se facilmente notar um enfumaçado seco, mais presente em sua finalização. É um whisky extremamente complexo que parece ao mesmo tempo tão familiar quanto novo.

O Royal Salute 21 The Lost Blend leva, em sua composição, alguns maltes bastante raros, de destilarias silenciosas – o nome dado àquelas que foram desativadas ou demolidas. Dentre seus mais preciosos ingredientes, estão maltes da Imperial e Caperdonich, bem como whisky de grão da Dumbarton. Aliás – numa suposição educada deste Cão – o componente deliciosamente defumado do Royal Salute 21 Lost Blend é, provavelmente, o desejado Caperdonich. Ou talvez Allt-a-Bhainne. É por conta do uso destes raros elementos que o whisky leva seu nome de “Lost Blend” – O Blend Perdido.

A Caperdonich

O Royal Salute 21 The Lost Blend faz parte do portfólio permanente da luxuosa marca de blended scotch. Porém, é a única expressão da tríade cuja venda é exclusiva de duty-free shops. Elas não estarão disponíveis, a princípio, em nenhum mercado doméstico do mundo. Ou seja, para conseguir uma garrafa, será necessário viajar – mas não para a Coréia. O Lost Blend provavelmente estará disponível em breve em nossos freeshops de aeroportos internacionais.

Provar o Royal Salute 21 The Lost Blend é como viajar para a Coréia. É algo novo e entusiasmante. Mas há também uma agradável sensação de familiaridade. De que aquilo não é totalmente desconhecido por nós, e que nos traz um sentimento ao mesmo tempo de alumbramento e conforto. Sentimento, este, que apenas um blended scotch whisky tão tradicional e sofisticado poderia trazer.

ROYAL SALUTE 21 THE LOST BLEND

Tipo: Blended Whisky com idade definida – 21 anos

Marca: Royal Salute

Região: N/A

ABV: 40%

Notas de prova:

Aroma: Floral, com amêndoas e laranja lima.

Sabor: Adocicado, mel, frutas cítricas e frescas. Pimenta do reino, canela, cravo. O final é longo e vai se tornando progressivamente seco, defumado e picante.

Com Água: Adicionar agua reduz um pouco o sabor apimentado e deixa o enfumaçado mais evidente.

 Disponibilidade: Duty Free de aeroportos internacionais (em breve)

Lamas Nimbus – Fumaça de Mudança

Eu sou uma mistura entre Seteve Jobs e Leonardo DaVinci“. A frase, de uma rara prepotência, é de Yoshiro Nakamatsu, o inventor japonês com mais patentes registradas na história. São três mil, trezentas e cinquenta e sete. Mas sei lá, pode ser que ele tenha inventado mais alguma coisa no tempo que me levou para redigir este parágrafo.

Nakamatsu é bastante excêntrico. Diz que suas melhores ideias surgem durante sessões de mergulho. “A falta de oxigênio me traz brilho” declara Yoshiro. E que ideias. Dentre elas, estão uma camisinha com um imã (sei lá pra quê), um acento de privada com filtro e uma peruca que pode ser utilizada como auto defesa. Ah, e talvez sua invenção menos brilhante e mais pé-no-chão, o disquete. O disquete é dele também.

E é bem provável que Yoshiro Nakamatsu seja louco. Mas não apenas isto. Um louco extremamente destemido. É preciso muita coragem para sair da zona de conforto e criar algo que jamais existiu. Seja este algo uma camisinha magnética, ou seja whisky. E é justamente isso que destemidas destilarias brasileiras recentemente se puseram a fazer. Dentre elas, a Backer e a Lamas – que produz o tema desta prova, o Nimbus – um single malt defumado.

Pensnado bem, certeza que ele é doido.

A arte de destilar começou como hobby por volta de 1985 por Olney Lamas, e foi na década de 2000 que com ajuda de Ernest, um irlandês residente no Brasil, se iniciou a fabricação de whisky em pequena escala. Mas foi apenas em 2017 – após infinitos testes, provas e aperfeiçoamentos – que se resolveu mostrar seus produtos ao público. Para isto, os filhos de Olney construíram uma nova destilaria, a Lamas.

Além de seguir os padrões determinados pela legislação para a fabricação de bebidas, a Lamas Destilaria também investiu em sustentabilidade: toda energia elétrica utilizada na destilaria provém d e painéis fotovoltaicos, e a água descartada é reaproveitada em uma indústria vizinha que fabrica sulfato ferroso, e também pertence à família.

Além do Nimbus, tema desta prova, a destilaria produz ainda mais três whiskies: o Plenus, single malt maturado em barricas de carvalho americano; o Verus, que é finalizado em barris de carvalho utilizados previamente para maturar vinhos licorosos; e o Canem, um blended whisky, cujo nome presta homenagem na mesma famosa frase de Vinícius que inspirou o nome deste infame blog canino.

O processo de produção do Nimbus é curioso. Seu aroma de fumaça é resultado de uma defumação utilizando madeira de reflorestamento. Para isso, a destilaria umedece novamente os grãos secos, para, em seguida, os secar num defumador projetado especialmente para esse trabalho. A madeira, quando queimada, libera compostos com aldeídos e fenóis, tornando o malte enfumaçado – um enfumaçado bem diferente daquele da turfa. Mais picante e amadeirado, e menos medicinal.

A destilação do Nimbus – assim como dos demais whiskies da Lamas – ocorre em um par de alambiques de cobre projetados especialmente para destilação de whisky, à moda dos escoceses. E, assim como ocorre na Escócia, o whisky é destilado duas vezes, e depois cortado.

Os alambiques da Lamas

A maturação do Nimbus acontece em barris de carvalho americano que antes contiveram bourbon whiskey. A destilaria não divulga o tempo exato de maturação. Mas, de acordo com Marcio, sua idade está entre cinco e sete anos. Isso, no Brasil, é bastante – a variação de temperatura, com dias quentes e noites frescas, acelera bastante o processo de maturação do destilado “encontramos no nosso whisky mais compostos vindos do envelhecimento do que alguns whiskies escoceses com doze anos de maturação que utilizamos como referência” – diz Marcio, com base em análises realizadas em laboratório especializado.

Se você fareja a fumaça da novidade, ou se simplesmente quer provar um single malt nacional, defumado e com excelente equilíbrio, o Nimbus é seu whisky. E vá por mim, prove tão logo estiver disponível. Você nem precisa ser destemido para isso.

LAMAS NIMBUS

Tipo: Single Malt

Destilaria: Lamas

País: Brasil

ABV: 40%

Notas de prova:

Aroma: baunilha, caramelo, um enfumaçado de lareira, cedro.

Sabor: Seco, com um certo mentolado muito interessante. O final é longo e progressivamente defumado e pouco medicinal.

Disponibilidade: a venda com a destilaria e na Caledonia Store

*a degustação do whisky tema desta prova foi fornecida por terceiros envolvidos em sua produção. Este Cão, porém, manteve total liberdade editorial sobre o conteúdo do post.

Angel’s Envy Finished Rye – Drops

Não é segredo pra ninguém que sou totalflex. Minha paixão é whisky, mas adoro cerveja, bebo gim com gosto e sou um admirador da coquetelaria. Aliás, neste último tema, adoro whiskey sour e suas variações. Mas assumo que, quando comecei este blog, não conhecia muitos deles. Apenas o básico mesmo, e o incrível Penicillin, que até hoje ostenta o corolário de meu coquetel preferido. Quer dizer, na maioria dos dias, pelo menos.

Mas um que surgiu na minha vida depois da criação do Cão Engarrafado foi o New York Sour. O New York Sour é, basicamente, o whiskey sour normal, mas com um float – isso é uma camada – de vinho tinto em cima. Quando vi – e provei – o coquetel pela primeira vez, fiquei mesmerizado. Como é que eu nunca tinha pensado em colocar vinho em cima do meu whiskey sour? Hoje, parece uma ideia tão obvia quanto queijo no hambúrguer.

No mundo do whiskey americano, talvez uma epifania semelhante tenha acontecido com o Angel’s Envy Finished Rye. Um Rye Whiskey delicioso, mas com uma finalização bem inortodoxa: barris de rum caribenho. Algo que parece óbvio – o dulçor do rum equilibraria o perfil seco do centeio – mas que jamais teria sido feito antes.

Há uma série de curiosidades sobre o Angel’s Envy Finished Rye. A primeira, é sua mashbill. Ela é composta de 95% centeio e apenas 5% cevada maltada. É um percentual bem alto de centeio. Rye Whiskeys tradicionalmente utilizam uma parcela de milho em sua receita, para atenuar o apimentado seco do centeio. Mas, por conta da maturação em barris de rum do Angel’s Envy, o dulçor é bem resolvido, e o produto é bem equilibrado. Os 5% de cevada maltada servem somente para catalisar o processo de fermentação do mosto – como uma vez explicado por aqui – quase todos os whiskeys levam uma pequena parcela daquele grão.

A segunda é a procedência dos whiskies. A Angel’s Envy, até 2015, não possuía uma destilaria própria. Seus whiskies eram produzidos pela Midwest Grain Products of Indiana (MGP) sob encomenda da Angel’s Envy, que fazia a curadoria sobre os barris e desenhava o perfil do produto. A MGP – outrora uma enorme destilaria da Seagram’s – também produz ou produziu whiskey sob encomenda para diversas outras marcas, como George Dickel, High West, Redemtion e Smooth Ambler.

A Angel’s Envy foi fundada em 2006 por um cavalheiro chamado Lincoln Henderson e seu filho, Wes Henderson. Que – pausa para uma quase desambiguação aqui – não tem qualquer relação com o Wes Anderson, de Ilha dos Cachorros, Moonrise Kingdom e Grande Hotel Budapeste. Enfim, em 2015 a Angel’s Envy foi comprada de Wes – não o cineasta, o empresário – pela Bacardi, que construiu uma destilaria para a marca no Kentucky. Atualmente, parte dos whiskies são produzidos por lá, ainda que haja bastante estoque daquilo que fora produzido na MGP.

Espetáculo de whiskey

E a terceira – e na opinião geek deste canídeo, a mais interessante – é sua maturação. O Angel’s Envy Finished Rye é maturado primeiro de seis a sete anos em barris virgens de carvalho americano. Depois, ele é transferido para barris de rum Plantation XO que antes foram usados para conhaque. Ou seja, é um rye whiskey finalizado em barris de rum que utilizou barris de conhaque da Maison Ferrand. É um barril quase tão totalflex quanto este Cão. O tempo de finalização varia, mas pode chegar a dezoito meses.

O resultado é um rye whiskey incrivelmente adocicado considerando sua mashbill, com uma clara – de verdade, quase exagerada – influência de rum. Aqui, não se trata de uma finalização discreta, como no caso do Woodford Reserve Sonoma Cutrer Finish. O sabor de rum no Angel’s Envy Finished Rye é incontornável. Sorte que ele é muito bom.

O Angel’s Envy Finished Rye é uma edição limitada anual. A cada ano, dois lotes são produzidos e se esgotam rapidamente. Tanto lotes quanto garrafas são numerados. A garrafa específica desta prova é a de número 1509 do Lote nº 9J.

Se você gosta de rye whiskeys, talvez deva procurar o Angel’s Envy apenas pela curiosidade. Ou, na verdade, porque ele é inesperadamente bom – tanto para se tomar puro como em coquetéis. Aliás, um Whiskey Sour com ele deve ser absolutamente fantástico. Meu deus, como não pensei nisso antes. Me desculpem por terminar este texto abruptamente. Preciso testar imediatamente.

ANGEL’S ENVY FINISHED RYE

Tipo: Rye Whiskey

Marca: Angel’s Envy

Região: N/A

ABV: 50%

Notas de prova:

Aroma: Cravo, canela, pimenta, banana (sério, banana)

Sabor: açúcar mascavo, especiarias, um certo pão de aveia. Final longo, progressivamente adocicado com banana.

Disponibilidade: lojas internacionais